As publicidades importunadoras e o dano de assédio de consumo

AutorArthur Pinheiro Basan
Páginas131-203
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AS PUBLICIDADES IMPORTUNADORAS E
O DANO DE ASSÉDIO DE CONSUMO
A facilidade e a ampliação da comunicação proporcionadas pelo desenvolvimento
da tecnologia possibilitaram evidente expansão da economia, posto que esta superou
fronteiras e limitações, ampliando sobremaneira a exposição de produtos e serviços
no mercado.1 Evidentemente, a economia contemporânea reduziu custos e facilitou a
aproximação das partes contratantes frente as inúmeras ofertas e, além disso, diante da
possibilidade de o próprio consumidor buscar, em rede, onde há a oferta de produtos e
serviços de seu interesse. Ao considerar todos os subsistemas sociais modif‌icados pela
Sociedade da Informação, o econômico é o mais benef‌iciado, posto que o conhecimento
tem capacidade de se transformar facilmente em substrato para a produção industrial2
e, em última análise, em objeto de troca nas relações comerciais.
Em verdade, partindo do pressuposto de que a própria informação tornou-se pro-
duto oferecido amplamente no mercado virtual, a publicidade ganha destaque como
instrumento estratégico do marketing, inclusive em relação retroalimentadora3, af‌inal,
é a forma mais barata e mais efetiva de comunicação comercial que se conhece.4 Dito
de outra maneira, no último século, o desenvolvimento da publicidade, com destaque
para as virtuais, promovidas através da Internet5, foi um dos fatores que mais contribui
para a mudança paradigmática no mercado, transformando o sistema econômico em
uma verdadeira economia virtualizada.6
Inevitável apontar a importância da publicidade, tendo em vista que amplia as
possibilidades de as empresas difundirem seus produtos e serviços. Como se não bas-
tasse, é papel também da publicidade auxiliar os consumidores a encontrarem os bens
1. LORENZETTI, Ricardo. Comércio eletrônico. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 354.
2. MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da Informação e proteção da pessoa. Revista da Associação Nacional
do Ministério Público do Consumidor, Brasília, DF, v. 2, n. 2, p. 6, 2016.
3. PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no código de defesa do consumidor. São Paulo:
Ed. RT, 1997. p. 15.
4. Neste sentido, af‌irma Adalberto Pasqualotto que: “Na economia, [a publicidade] transformou-se simplesmente em
mola-mestra, insuf‌lando necessidades para depois supri-las com o oferecimento irresistível de produtos necessários.
Ela é a moda. Movimenta as artes, o esporte. Inf‌luencia a moral dominante. Serve de divulgação do bem e do mal. E
além de tudo, representa em si mesma uma milionária indústria mundial.” PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos
obrigacionais da publicidade no código de defesa do consumidor. São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 15.
5. Cláudio Torres aponta que “a Internet trouxe para o mundo dos negócios uma grande novidade: o acesso ins-
tantâneo às informações sobre produtos e serviços.” TORRES, Cláudio. A bíblia do marketing digital: tudo o que
você queria saber sobre marketing e publicidade na internet e não tinha a quem perguntar. São Paulo: Novatec,
2018. p. 22.
6. MARTINS, Fernando Rodrigues. Sociedade da Informação e proteção da pessoa. Revista da Associação Nacional
do Ministério Público do Consumidor, Brasília, DF, v. 2, n. 2, p. 5, 2016.
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PUBLICIDADE DIGITAL E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS • ARTHUR PINHEIRO BASAN
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que procuram, seja para satisfação das necessidades básicas, seja para a satisfação dos
demais desejos íntimos. Af‌inal, o ser humano também precisa de bens que vão além das
necessidades básicas primitivas, muitas vezes denominados supérf‌luos, como aqueles
relacionados à diversão, ao lazer, aos prazeres, à distração etc.7
Dessa forma, a publicidade é hoje um instrumento necessário para o desenvolvi-
mento econômico e social, levando em consideração que dif‌icilmente um fornecedor
consegue conquistar seu público-alvo, ou mesmo manter seus clientes cativos, sem
investir na divulgação da sua atividade.
Em razão disso, é preciso destacar que, apesar do caráter persuasivo inerente à
própria noção de publicidade, esta prática negocial trouxe transformações econômicas
extremamente signif‌icativas para o mercado. Af‌inal, no mercado de consumo, competir é
anunciar8, fazendo essa prática parte do processo de livre mercado e de livre concorrência.
Conforme aponta Antonio Benjamin, “em um ponto, entretanto, críticos e defensores
do marketing concordam: na sua ausência, os produtos e serviços dif‌icilmente seriam
os que temos a nossa disposição, ou, mesmo que fossem, não teriam as características
que apresentam.”9
Todavia, é preciso bastante cautela quando se trata das questões jurídicas envol-
vendo a publicidade, pois assim como qualquer fato social, a publicidade, se totalmente
desregulada, sob o argumento da liberdade de expressão e do livre mercado, pode produzir
ilicitudes patentes e, em último caso, gerar danos signif‌icativos nas pessoas expostas às
práticas de mercado. Af‌inal, liberdade ilimitada não é direito! 10
Vale lembrar, inclusive, que sob a ótica constitucional, o mercado é bem funda-
mental da coletividade considerada, tendo projeção difusa e, por isso, regulado por leis
de ordem pública, de modo que “o direito se impõe como sistema de limites.”11 Assim, é
preciso ref‌letir a respeito do tratamento jurídico dado a publicidade no Brasil, em espe-
cial, diante da Lei de Proteção de Dados brasileira, indicando a necessária hermenêutica
promocional da pessoa humana.
Dito de outra forma, é preciso reconhecer que a publicidade deriva da livre ini-
ciativa econômica e da livre concorrência, contudo, af‌irma-se igualmente a legalidade
da imposição de limites publicitários, em especial diante da necessidade de preservar
a autonomia dos consumidores que a recebem e, não obstante, outros direitos básicos,
como a própria integridade psíquica, representada pelo direito ao sossego, como faceta
negativa do direito de proteção de dados.
7. MALTEZ, Rafael Tocantins. Direito do consumidor e publicidade: análise jurídica e extrajurídica da publicidade
subliminar. Curitiba: Juruá, 2011. p. 160.
8. DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 36.
9. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor,
São Paulo, n. 9, p. 25-57, jan./mar. 1994.
10. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor,
São Paulo, n. 9, p. 25-57, jan./mar. 1994.
11. MARTINS, Fernando Rodrigues; FERREIRA, Keila Pacheco. Da idade média à idade mídia: a publicidade per-
suasiva digital na virada linguística do direito. In: PASQUALOTTO, Adalberto (Org.). Publicidade e proteção da
infância. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. v. 2, p. 80.
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Isso porque a publicidade encontra-se relacionada a atividade de estimular o con-
sumo de bens e serviços, para suprir necessidades básicas ou vontades supérf‌luas, bem
como promover instituições, conceitos ou ideias. Entretanto, isso não permite abusos,
que instigam e assediam ao consumo patológico, por meio da manipulação, enganação,
abusividade, despertar de desejos excessivos e, além disso, por meio da importunação, vi-
sando principalmente promover o consumo irref‌letido, a partir do uso de dados pessoais.
Dessa maneira, como sugere a doutrina, ao analisar a questão da publicidade, é
preciso evidenciar o reconhecimento do direito a receber informação publicitária ade-
quada12, sem o indesejado assédio de consumo. Neste sentido, um ponto importante ao
direito do consumidor se refere à necessidade de compatibilizar os direitos fundamen-
tais e a livre-iniciativa econômica. Evidentemente, é um grande desaf‌io, em especial, a
partir do momento em que a proliferação da concorrência entre as fornecedoras enseja
a busca por novos mecanismos de captação de consumidores que, por vezes, afrontam
os direitos fundamentais.13
Assim, é relevante apontar, desde já, que a def‌inição em si de publicidade é um
exercício tormentoso, af‌inal, não porque se trata de um conceito de difícil alcance, mas
sim porque a sua dimensão e o seu enquadramento social e jurídico não são unânimes.14
Entretanto, o CDC regula de maneira expressa a publicidade, trazendo diversas con-
sequências jurídicas, no âmbito administrativo, cível e penal, especialmente levando
em consideração às consequências decorrentes das práticas de marketing promovidas
de maneira ilícita.
Com rigor, nota-se que a prática publicitária é um dos temas que apresenta gran-
des riscos para o consumidor. Isso porque há a dif‌iculdade de harmonizar, de um lado,
o desejo de sedução e a necessidade de informação adequada, com outro, inerente ao
respeito às regras e valores que sustentam o sistema jurídico. Além disso, é necessário
que a publicidade se fundamente na ideia de convivência social, inspirando o consumo
saudável, mas não o consumismo.15
Assim, visando partir para as devidas considerações f‌inais, o texto apresentará o
tratamento jurídico conferido à publicidade de consumo no Brasil, através da análise
dos dispositivos do CDC a respeito do assunto, tanto no que se refere aos requisitos
para que a publicidade seja considerada lícita, quanto pela qualif‌icação das publicidades
ilícitas, sejam enganosas, sejam abusivas.
Logo em seguida, serão expostos os problemas jurídicos relacionados às novas
tecnologias, levando em consideração o recorrente uso de dados pessoais para a
promoção de publicidades, em especial àquelas indesejadas. Neste ponto, desta-
12. FARIAS, Edilsom. Liberdade de expressão e comunicação. Teoria e proteção constitucional. São Paulo: RT, 2004.
p. 179.
13. RUARO, Regina Linden. O direito fundamental à proteção de dados pessoais do consumidor e o livre mercado.
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 2018, v. 118, p. 196, jul./ago. 2018
14. FEDERIGHI, Suzana Maria Catta Preta. Publicidade abusiva. Incitação à violência. São Paulo: Juarez de Oliveira,
1999. p. 64.
15. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor,
São Paulo, n. 9, p. 25-57, jan./mar. 1994.
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