O direito ao sossego frente as mudanças de paradigmas nos direitos fundamentais

AutorArthur Pinheiro Basan
Páginas11-62
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O DIREITO AO SOSSEGO FRENTE AS
MUDANÇAS DE PARADIGMAS NOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS
Inicialmente é importante destacar que o Direito encontra-se inserido na área de ci-
ências humanas, sendo naturalmente inf‌luenciado pelas transformações políticas, sociais e
culturais ocorridas em determinado contexto histórico analisado. Dessa maneira, é evidente
a importância de analisar a mudança de paradigmas nos direitos fundamentais, contex-
tualizando o tema e demonstrando a sua relação com a atual Sociedade da Informação.
Neste ponto, o termo “paradigma” dá indícios de ter seu apogeu nos estudos de
Thomas Kuhn, o qual, em resumo, analisando o comportamento dos estudiosos, bem
como a existência das denominadas revoluções científ‌icas, descreveu “paradigma”
como sendo padrões desenvolvidos e reconhecidos por uma comunidade científ‌ica e
que servem de modelos ou bases para outros estudos, como um referencial de conceitos
e ideias basilares já metodologicamente reconhecidas.1
Diante disso, é relevante notar que, quanto aos direitos fundamentais, especialmente
a partir do século XIX, passou-se do positivismo normativista clássico para o estudo
jurídico alinhado ao pensamento contemporâneo, diante de uma nova compreensão
de posicionamento do Direito na sociedade. Dessa maneira, é possível af‌irmar que
houve uma transformação da visão sistemática à visão sistêmica2, de modo que o estudo
jurídico não se limita mais apenas ao sistema do Direito, e sim, ao Direito incluído no
sistema social. Em outras palavras, o Direito deve ser compreendido não como um todo
composto de partes individuais, isto é, composto somente de normas, mas como um
todo em relação com outro todo mais extenso, a saber, a sociedade.
Dessa, forma, o Direito apresenta-se como um subsistema do sistema social, por
este, obviamente, inf‌luenciado3, de acordo também com o pensamento de Norberto
Bobbio, ao descrever a ideia do direito como subsistema do sistema global da sociedade,
isto é, um ramo da ciência geral da sociedade não mais puro e autônomo mas sim inter-
relacionado com os sistemas político e econômico, em aliança com as ciências sociais.4
1. KUHN, Thomas. S. A estrutura das revoluções científ‌icas. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 54.
2. LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no direito. Trad. Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2011. v. 3: Do século XX à pós-modernidade, p. 237.
3. Neste sentido, é possível perceber que “o sistema jurídico está aberto ao ambiente. Por exemplo, atribui normativa-
mente a capacidade jurídica como consequência do nascimento”. LOSANO, Mario G. Sistema e estrutura no direito.
Trad. Carlo Alberto Dastoli. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. v. 3: Do século XX à pós-modernidade, p. 403.
4. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani.
Barueri: Manole, 2007. p. 46.
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Com efeito, pode-se qualif‌icar o Direito como fechado do ponto de vista norma-
tivo porém aberto do ponto de vista epistemológico, isto é, o Direito é fechado em seu
subsistema normativo, mas necessariamente é aberto em seu funcionamento ao inte-
ragir com os outros subsistemas, como o político e o econômico, por exemplo. Sendo
assim, o Direito necessariamente reage às transformações sociais ocorridas em outros
subsistemas, em razão da mudança de valores sociais.5
Tais apontamentos se fazem necessários pois é preciso deixar claro que não há como
efetuar um estudo jurídico coerente desatrelado das mutações sociais por que passa a
sociedade no determinado momento em que se visa o debate científ‌ico. Na perspectiva
positivista, Norberto Bobbio defende que o ordenamento, para sua inteireza científ‌ica
necessária, deve se pautar pelas características de unidade, coerência e completude,
isto é, “são estas três características que fazem com que o Direito, no seu conjunto, seja
um ordenamento e, portanto, uma entidade nova, distinta das normas singulares que o
constituem”.6
Conforme se nota, em especial quando se propõe ao reconhecimento de um novo
direito, como pretende o presente trabalho, demonstrar a devida contextualização jurí-
dica é crucial. Não obstante, é importante levar em consideração que o direito ao sossego
será evidenciado da hermenêutica do ordenamento jurídico brasileiro, isto é, das normas
jurídicas já existentes, especialmente a partir do direito de proteção de dados pessoais,
mas, ainda assim, será sugerida, no f‌inal do trabalho, a proposta legislativa necessária
para a devida previsão no CDC do direito em estudo. Tudo isso para promover a máxima
concretização da tese desenvolvida.
Assim, visando o acerto metodológico, é preciso destacar brevemente quais foram
os paradigmas que circundaram a sociedade, em especial no que se refere à noção dos
direitos fundamentais, para, assim, situar o estudo jurídico ao paradigma tecnológico7,
contextualizado à atual Sociedade da Informação.
Oportuno evidenciar, portanto, que Direito, considerado como subsistema,
supera a ideia estruturalista de mero relacionamento hierárquico de normas, confor-
me o pensamento positivista normativista clássico8, para se concretizar de maneira
analítica, concedendo ordenação também valorativa. Neste sentido, Claus-Wilhelm
Canaris descreve a necessidade de se colocar em sintonia a globalidade das normas,
5. Nas palavras de Niklas Luhmann “o próprio sistema jurídico parece reagir ao que aparentemente se apresenta
como transformação dos valores, mas que no fundo vem a ser um processo muito mais amplo, condicionado não
só pela diferença entre gerações, mas de distintas maneiras. [...] [...] O que se quer dizer é tão só que as normas
se encontram providas de suposições reais que podem ser evidenciadas no próprio sistema jurídico como erro
ou resultar inadequadas como alteração das condições. Isso se evidenciam sobretudo, em face da dinâmica dos
desenvolvimentos técnico e científ‌ico [...]. LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. São Paulo: Martins Fontes,
2016. p. 751.
6. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de f‌ilosof‌ia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 198.
7. Segundo Manuel Castells, “o paradigma da tecnologia da informação não evolui para seu fechamento como um
sistema, mas rumo à abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e impositivo em sua materialidade,
mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em forma
de rede não são seus principais atributos.” CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2018. p. 128.
8. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico. Lições de f‌ilosof‌ia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 83.
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2 • O DIREITO AO SOSSEGO FRENTE AS MUDANÇAS DE PARADIGMAS NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
em um isolamento científ‌ico do Direito, entretanto, sem se fechar ao seu entorno,
composto por valores que os circunda, numa forma historicamente justif‌icada9, con-
forme supracitado.
Tal preocupação se justif‌ica a partir da compreensão de que o Direito, sem o seu
devido contexto, pode se tornar mero texto normativo, ilhado no mar de normas, sem
qualquer tipo de efetividade social ou mesmo concretização fática. É preciso, portanto,
que o jurista vá além do complexo de normas e dos conceitos gerais e abstratos positi-
vados, para contextualizar as leis estudadas ao contexto social vigente.
Conforme se percebe, o ordenamento, de uma maneira geral, transmudou-se da
estrutura à função, ao positivar também algumas sanções premiais, isto é, nos dizeres
de Norberto Bobbio, da passagem do Estado que se limita a proteger algumas atividades
produtivas para si, quando intervém, ao Estado que também se propõe a dirigir a ativi-
dade econômica em seu todo, em direção a uma ou mais funções, ou seja, a passagem
do Estado apenas protecionista para o Estado programático.10
Com isso, longe de se considerar o Direito, como por muito tempo foi, uma ciên-
cia autônoma e pura, procura-se cada vez mais relação interdisciplinar com as ciências
sociais11, principalmente ao se tratar das ref‌lexões necessárias ao mundo jurídico, como
novas possibilidades de riscos, trazidas pelo avanço da tecnologia.12 Neste ponto, Danilo
Doneda destaca a importância de se buscar novas ferramentas para a reaf‌irmação da
proteção da pessoa, na medida em que a tecnologia impõe novas questões e problemas
que exigem dos juristas novas respostas.13
Diante de tudo isso, o que se almeja é demonstrar que, sendo o Direito uma ciência
inserida dentro das ciências sociais, visando o acerto metodológico da defesa contra
importunações publicitárias, é preciso se atentar para o atual momento contextual de
crescimento das tecnologias de comunicação e informação. É, af‌inal, o que se pretende
com a contextualização do presente trabalho à Sociedade da Informação.
Em razão disso, torna-se conveniente examinar, de forma breve, a contextualização
do direito ao sossego, como faceta negativa da proteção de dados pessoais, à luz da alte-
ração dos paradigmas dos direitos fundamentais, demonstrando a evolução dos modos
de produção, hoje fortemente inf‌luenciados pelo uso de dados pessoais no mercado
9. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2012. p. 66.
10. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani.
Barueri: Manole, 2007. p. 71.
11. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani.
Barueri: Manole, 2007. p. 46.
12. BECK, Ulrich. A metamorfose do mundo: novos conceitos para uma nova realidade. Trad. Maria Luiza Borges. Rio
de Janeiro: Zahar. 2018. p. 19.
13. Af‌irma o autor que “os ref‌lexos são imediatos no direito, pois ele deve mostrar-se apto a responder à novidade
proposta pela tecnologia com a reaf‌irmação de seu valor fundamental – a pessoa humana – e, ao mesmo tempo,
fornecer a segurança necessária para que haja a previsibilidade e segurança devidas para a viabilidade da estrutura
econômica dentro da tábua axiológica constitucional.” DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados
pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 75.
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