As redes tribais e as notícias falsas venceram a Justiça Eleitoral

AutorFelipe Recondo - Iago Bolivar
Páginas251-254
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AS REDES TRIBAIS E AS NOTÍCIAS FALSAS
VENCERAM A JUSTIÇA ELEITORAL
Felipe Recondo | Iago Bolivar
22 | 10 | 2018
TSE subestimou o desao que teria pela frente com um
misto de desconhecimento dos riscos e falta de informação.
Há exatamente um ano, o JOTA publicou um texto com uma
pergunta aparentemente retórica cuja resposta já nos era evidente e
que os fatos apenas escancararam: “TSE consegue scalizar políticos
de mil faces nas redes?”259.
A aposta – já segura naquele momento – era de que as redes sociais
com todas as suas engrenagens – robôs, impulsionamento, fake news,
velocidade e invisibilidade de rastros) driblariam a Justiça Eleitoral
e transformariam a campanha eleitoral numa disputa cujas regras
seriam de difícil aplicação.
Havia no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um misto de des-
conhecimento dos riscos potenciais e falta de informação segura
para lidar com os novos instrumentos. As informações que a Justiça
Eleitoral recebia vinham mais diretamente de Google e Facebook,
ambos interessados nas novas possibilidades de negócios abertas pela
nova lei eleitoral, que, por exemplo, abriu as portas para anúncios
das campanhas nas redes.
Questionado depois da publicação do artigo, um membro do TSE
nos disse que o WhatsApp não era um problema para as eleições
deste ano. Anal, já era possível fazer campanha por SMS nas outras
eleições e não houve contratempos ou manipulações por causa disso.
259 BOLIVAR, Iago; RECONDO, Felipe. TSE consegue scalizar políticos
de mil faces nas redes? JOTA, 28 out. 2017. Disponível em:
www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tse-consegue-scalizar-politi-
cos-de-mil-faces-nas-redes-28102017>. Acesso em: 12 fev. 2019.
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
Outro integrante simplesmente não sabia como era feito um im-
pulsionamento de conteúdo pelas redes sociais. Nem tinha ideia do
que fazer se um eleitor – empresário, por exemplo – impulsionasse
por conta própria material a favor de um candidato. Como scalizar?
Como provar? Como controlar?
E o então presidente do TSE, ministro Luiz Fux, avocou para
o tribunal a tarefa de combater as fake news. Com a conança de
quem não sabia exatamente do que estava falando, aventou o uso da
bomba atômica – a anulação das eleições – como mecanismo para
combater as notícias falsas. Uma das lições do caso Dilma Rousseff
é que não podemos contar com o TSE para isso.
Uma promessa vazia que, pela óbvia falta de resultados, só poderia
terminar como terminou – levantando dúvidas sobre a efetividade
da Justiça Eleitoral. O problema não era impedir a existência das
fake news. Algo impossível. Mas o fundamental era regular o uso das
redes sociais pelas campanhas para evitar os efeitos da disseminação
de mentiras.
Quem acreditou em Fux pergunta-se hoje por que o TSE não
foi capaz de impedir a disseminação de notícias falsas por diversas
campanhas. Quem acredita que a Justiça Eleitoral é capaz, com seus
parcos instrumentos, de proteger o eleitor de fake news, por exemplo,
deveria repensar sua fé.
O que sobra deste processo?
Primeiro, o discurso de Fernando Haddad, candidato do PT, que
já levou ao TSE o pedido de impugnação da candidatura de Jair
Bolsonaro, do PSL. O resultado das urnas, projetam as pesquisas,
será contundente, mas as suspeitas levantadas sobre manipulação do
processo eleitoral servirá de discurso aos anti-Bolsonaro. E podem
dar ensejo a um terceiro turno das eleições, em tribunais que podem
ser vistos como corresponsáveis pelo problema.
Apenas a título de lembrança, quando encerrada a contagem dos
votos em 2014, o candidato derrotado Aécio Neves acionou o TSE,
pedindo a cassação da chapa Dilma-Temer. O então presidente do
tribunal, Dias Toffoli, levantou a voz para dizer que não haveria ter-
ceiro turno. Mas houve, inclusive com seu beneplácito. O tribunal
manteve sobre o governo Dilma Rousseff uma ameaça permanente.
E há quem agora defenda – ou recomende – o mesmo estratagema:
que o processo contra Bolsonaro por se beneciar de um ainda não
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
comprovado envio em massa de mensagens de WhatsApp de forma
ilegal funcione como instrumento de pressão para que ande na linha.
Seria uma espécie de realpolitik judicial – dar ao TSE os seus dias
de “centrão”.
Se tiverem a solução para que se evitem ou se coíbam fake news,
por favor nos apresentem, nós ainda não descobrimos o milagre.
Rosa Weber, presidente do TSE
Depois, restará a conssão da atual presidente do TSE, ministra
Rosa Weber, de que a Justiça Eleitoral ainda está aprendendo a lidar
com as fake news. E, portanto, com as redes sociais, robôs etc. “Se
tiverem a solução para que se evitem ou se coíbam fake news, por
favor nos apresentem, nós ainda não descobrimos o milagre”, ela disse.
Enquanto o ministro do tribunal, Luís Felipe Salomão mandava
tirar do ar propagandas de rádio e TV razoáveis ou irrazoáveis, como
a que relacionava Bolsonaro e tortura – usando frases realmente ditas
no passado a favor da tortura e tratando como herói nacional um
militar responsável por torturas e mortes na ditadura –, a realidade
acontecia ao largo dos gabinetes do TSE.
Se o tribunal não sabia como lidar com isso, por que permaneceu
inerte? Por que assistiu passivamente à tramitação da legislação no
Congresso que permitia o impulsionamento de campanha nas redes
sociais sem alertar para os problemas potenciais? Ou por que não
fechou as brechas via resolução?
Perguntas como estas servem como provocação para o futuro, para
rediscussão das campanhas eleitorais, aperfeiçoamento do sistema e
debate a frio do uso das redes sociais no processo. As regras aprovadas
pelo Congresso ajudaram a criar o cenário para estas eleições de
apenas 45 dias de campanha em que as mentiras espalhadas pela
internet têm, às vésperas do segundo turno, mais importância que
as propostas ainda desconhecidas do candidato que sairá vencedor.
Também ajudaram a compor o quadro a disseminação do WhatsApp
como ferramenta ubíqua de comunicação entre os brasileiros, em par-
te permitida pelos planos de dados que limitam a web, mas dão acesso
ilimitado a mensagens e redes. Dentro dos grupos do WhatsApp, seja
da família ou da escola, vale menos a pequena bio do autor, seus títulos
e validações prossionais, e mais seus laços microssociais (tio, irmão,
colega) em um ambiente que dá um bônus para quem fala mais alto,
com mais veemência. Nessas “redes tribais”, os moderados tendem
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
a se manifestar no início, mas depois a desistir em nome dos laços
de intimidade ou sob o peso da contundência semiprogramada dos
memes e das notícias falsas. Nesse contexto, as razões políticas para
o resultado que se avizinha são mais decisivas do que mensagens em
massa – via caixa 2 ou caixa paralelo.
Sobre estes últimos aspectos, trataremos em um próximo artigo, já
com o novo presidente eleito. Uma última observação é o momento
em que todas estas discussões estão sendo feitas. Nos Estados Unidos,
o choque veio no momento da apuração, da qual Donald Trump
emergiu como o vencedor improvável. Aqui, a surpresa é notícia
velha, já pregurada nas pesquisas e no espanto cada vez mais visível
das autoridades eleitorais.

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