Bolsonaro, Candidato e réu: a insegurança provocada pelo Stf

AutorThomaz Pereira - Diego Werneck Arguelhes
Páginas246-250
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BOLSONARO, CANDIDATO E RÉU: A
INSEGURANÇA PROVOCADA PELO STF
Thomaz Pereira | Diego Werneck Arguelhes
29 | 08 | 2018
A Constituição é clara, mas Supremo gera
incertezas em cenário já conturbado.
Pode um réu ser eleito presidente da República? Ter uma denúncia
recebida contra si, sem ainda uma condenação, impediria alguém
de se eleger à presidência?
O ministro Celso de Mello disse que “[…] é algo que temos que
debater mais”;
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o ministro Marco Aurélio, por sua vez, vê aqui uma
questão “em aberto”, que gera insegurança para a eleição.250
Essa pergunta e essas reações não apareceram em abstrato. Nesse
momento, surgem diante da possibilidade de Jair Bolsonaro, candi-
dato à Presidência, virar réu perante o Supremo.
251
Mas, em 2017,
249 AMORIM, Felipe. Celso de Mello sobre eleição de réu à Presidência:
“temos que debater mais”. UOL, 23 ago. 2018. Disponível em: -
tps://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/08/23/
celso-de-mello-diz-que-eleicao-de-reu-a-presidencia-deve-ser-debatida.
htm>. Acesso em: 12 fev. 2019.
250 MOURA, Rafael Moraes; PUPO, Amanda. Marco Aurélio diz que
dúvida sobre réu assumir Planalto gera “insegurança”. UOL, 22 ago.
2018. Disponível em: -
es/2018/noticias/agencia-estado/2018/08/22/marco-aurelio-diz-que-duvi-
da-sobre-reu-assumir-planalto-gera-inseguranca.htm>. Acesso em: 12
fev. 2019.
251 FALCÃO, Márcio; TEIXEIRA, Matheus. No julgamento de Bolsonaro,
Roberto Barroso fala em tipicar crime de homofobia. JOTA, 29 ago.
2018. Disponível em:
ro-barroso-em-tipicar-crime-de-homofobia-29082018>. Acesso em:
12 fev. 2019.
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
o ponto foi levantado pelo ministro Fux em conexão com a situação
de Lula,252 cuja situação não se enquadrava na Lei da Ficha Limpa
por, na época, ainda não ter sido condenado em 2ª instância. Em
ambos os cenários, a questão foi rapidamente repercutida por uma
imprensa ávida por declarações bombásticas de ministros do Supremo
e em meio a um clima geral – dentro e fora do STF – de querer
tutelar o eleitor.
Mais importante do que as respostas dos ministros é a existência da
pergunta. Por que essa questão estaria “em aberto”? Quem fez essa
pergunta ao Supremo? Qual a origem dessa alegada “insegurança”?
A resposta a essas três perguntas é: os próprios ministros do Supremo.
A Constituição brasileira estabelece expressamente que: “O
Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode
ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções
(art. 86, § 4º)”.
A consequência prática dessa imunidade temporária é a impossibi-
lidade, enquanto dure o mandato, de que “tenha curso ou se instaure
processo penal contra o Presidente da República por crimes não
funcionais” (Sepúlveda Pertence, HC 83.154253)
O signicado dessa regra, portanto, parecia bastante claro para o
Supremo. É possível um réu ser eleito presidente – e a Constituição
determina que quaisquer ações penais que corressem contra ele antes
da data de sua posse, envolvendo crimes não-funcionais, cariam
suspensas até o m do seu mandato.
Não haveria motivo, portanto, para qualquer “insegurança” em
relação a essa questão, ou qualquer indicação de que ela precisaria ser
debatida pelo Supremo. Ela não estava “em aberto” – não porque não
tivesse sido colocada, mas porque os constituintes a enfrentaram e a
responderam, e sua interpretação pelo Supremo vinha sendo estável.
252 BERGAMO, Mônica. ‘Não tem sentido candidato com denúncia con-
correr’, diz ministro Fux. Folha de S. Paulo, 05 nov. 2017. Disponível em:
-
do-candidato-com-denuncia-concorrer-diz-ministro-fux.shtml>. Acesso
em: 12 fev. 2019.
253 O acórdão encontra-se disponível em: SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. Coord. de Análide de Jurisprudência. Disponível em:
-
cID=79272>. Acesso em: 12 fev. 2019.
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
Quem começou a alimentar insegurança foi o próprio Supremo.
As declarações de Fux, Marco Aurélio e Celso de Mello têm uma
origem comum – a ADPF 402254, proposta pela REDE em 2016.
A Constituição também prevê que, “[…] nas infrações penais co-
muns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal
Federal” e “[…] nos crimes de responsabilidade, após a instauração
do processo pelo Senado Federal” “[…] o Presidente cará suspen-
so de suas funções” por até 180 dias. Com base nesse dispositivo, a
REDE criou uma controvérsia interpretativa inédita,255 e de grande
impacto sobre organização dos poderes no Brasil. Pedia ao Supremo
que entendesse, a partir dessa regra aplicável apenas ao Presidente,
que outros membros da linha sucessória – vice-presidente, presidente
da Câmara, presidente do Senado, ministros do Supremo – teriam
que ser suspensos de suas funções caso se tornassem réus, pois even-
tualmente viriam a ocupar a cadeira de Presidente. Essa ação tinha
Eduardo Cunha como seu alvo original, mas ele saiu do cargo antes
de o Supremo começar a julgar.
O julgamento da ADPF 402 foi interrompido por um pedido de
vista quando já havia seis votos concordando com a REDE. Mas,
mesmo ainda sem decisão, esse caso já gerou improváveis frutos.
Foi utilizado na polêmica liminar do ministro Marco Aurélio256 que
removeu Renan Calheiros da presidência do Senado. Submetida ao
plenário, a liminar não foi conrmada, em especial diante do voto
do ministro Celso de Mello, que reticou seu voto anterior para
254 As informações do processo encontram-se disponíveis em: SUPREMO
TRINUL FEDERAL. ADPF 402. Disponível em:
br/processos/detalhe.asp?incidente=4975492>. Acesso em: 12 fev. 2019.
255 ARGUELHES, Diego Werneck. Linha sucessória: os perigos da ação da
Rede no Supremo. JOTA, 3 nov. 2016. Disponível em: .
jota.info/stf/supra/linha-sucessoria-os-perigos-da-acao-da-rede-no-supre-
mo-03112016>. Acesso em: 12 fev. 2019.
256 PEREIRA, Thomaz. Um Supremo enfraquecido. Folha de S. Paulo,
11 dez. 2016. Disponível em: -
niao/2016/12/1840218-um-supremo-enfraquecido.shtml>. Acesso em:
12 fev. 2019.
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
permitir que, mesmo réu em ação penal, Renan poderia se manter
na presidência do Senado, com a condição de não assumir a cadeira
do presidente da República.257
Ou seja, na ADPF 402, pede-se ao Supremo que faça uma analogia
seletiva entre o Presidente e outros chefes de poder. Seletiva, por-
que, ao contrário do que a Constituição expressamente prevê para o
Presidente, a analogia imaginada não diferencia crimes cometidos no
cargo de crimes anteriores, não impõe o limite de 180 dias para a sus-
pensão, e não inclui a exigência de autorização prévia da Câmara para
que deputados e senadores sejam denunciados perante o Supremo.
O que se pedia ao Supremo, portanto, era que inventasse para
senadores e deputados réus uma regra implícita e mais severa do que
a regra explícita menos severas existente para o caso do Presidente.
A partir dessa tentativa de analogia seletiva, os ministros Celso de
Mello e Marco Aurélio se perguntam: o presidente eleito pode assu-
mir o cargo, caso seja réu em uma ação penal por crime anterior ao
cargo e estranho à função?
Há muito pouco tempo, essa pergunta poderia gurar, sem qualquer
receio ou controvérsia, na primeira fase da prova da OAB ou de qual-
quer concurso para juiz ou promotor. A resposta, conforme a regra
expressa na Constituição, seria que um réu pode assumir o cargo de
presidente da república, mas esta ação cará suspensa durante o seu
mandato e, ao seu m, voltará a correr – suspendendo-se também,
durante esse período o curso da prescrição.
De onde vem, então, a força da ideia de impedir um “réu Presidente”
ou mesmo um “réu candidato” – alternativa que, segundo os ministros,
ainda estaria em aberto e precisaria ser debatida?
Essa tese exigiria que, por uma analogia da analogia imperfeita
na ADPF 402, levantada como argumento em julgamento ainda
não nalizado, fosse deixada de lado a regra expressa que regula a
situação especíca do presidente, e a partir do qual se fez a analogia
inicial. A base do salto, portanto, é o julgamento inconcluso da tese
257 BOLDRINI, Angela; CARVALHO, Daniel; CASADO, Letícia;
TUROLLO JR., Reynaldo. Por 6 a 3, plenário do STF mantém Renan
na presidência do Senado. Folha de S. Paulo, 7 dez. 2016. Disponível
em: -
rio-do-stf-mantem-renan-na-presidencia-do-senado.shtml>. Acesso em:
12 fev. 2019.
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O SUPREMO E O PROCESSO ELEITORAL
controversa da ADPF 402. Note-se que o ministro Marco Aurélio, em
especial, armou que a candidatura de Bolsonaro “gera insegurança”
justamente por causa dos votos já proferidos na ADPF 402258.
Se o leitor está com diculdade de entender como chegamos até
aqui, talvez seja porque o caminho não faz sentido mesmo. Ele co-
meça ignorando o signicado até hoje pacíco de uma regra cons-
titucional expressa, e termina por restringir, por criação judicial, a
elegibilidade à presidência em nível mais severo do que faria a própria
Lei da Ficha Limpa.
Esse movimento lembra cena típica de antigos desenhos animados.
Um personagem ignora a lei da gravidade para se alçar às alturas em-
pilhando apenas duas caixas – removendo sucessivamente a de baixo
para rapidamente colocá-la sobre a outra, ganhando assim altura em
uma torre erguida sobre crescente vazio.
Da mesma forma, nesse caso, empilha-se analogia sobre analo-
gia – e decisão em aberto sobre decisão em aberto – para alçar-se a
uma interpretação construída sem qualquer apoio relevante no texto
constitucional.
Há muitas incertezas em relação às próximas eleições. Mas, se há
insegurança quanto a esta questão constitucional especíca, ela existe
apesar da Constituição, e não por causa dela. E a responsabilidade
por isso é também, mais uma vez, dos ministros do Supremo.
258 TEIXEIRA, Matheus. Para Marco Aurélio, fato de Bolsonaro ser réu
gera insegurança à candidatura. JOTA, 22 ago. 2018. Disponível em:
-
naro-ser-reu-gera-inseguranca-a-candidatura-22082018>. Acesso em:
12 fev. 2019.

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