Caminhos da sabedoria

AutorLuis Manuel Fonseca Pires
Páginas29-52
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Capítulo I
CAMINHOS DA SOBERANIA
Soberania é o ponto de partida para compreender o estado de
exceção na história e os estados de exceção na contemporaneidade.
Conhecer seu percurso a partir do Renascimento e por toda a Idade
Moderna (final do século XV até 1789) permite entender traços de uma
origem que a marcam, fissuras não completamente superadas, caracte-
rísticas que contribuem à compreensão dos seus desvios e desvarios na
atualidade, na qual governos como o de Donald Trump nos Estados
Unidos da América, Viktor Orban na Hungria, Rodrigo Duterte nas
Filipinas, Daniel Ortega na Nicarágua, e Jair Bolsonaro no Brasil, em nome
do povo, afrontam recorrentemente os fundamentos da democracia.
Jean Bodin (1530-1596), autor renascentista, jurista e político fran-
cês, é a referência inicial. Define “república” como o “(...) reto governo de
vários lares e do que lhes é comum com poder soberano”. Um conjunto de fa-
mílias sob uma autoridade. A soberania alcança condição, em seu pensa-
mento político, de fundamento principal à constituição do Estado (“Re-
pública” era o nome, em seu tempo, da organização política que hoje
denominamos Estado), e por isto deve ser um “(...) poder absoluto e perpé-
tuo de uma República”. Sem limites. Não há responsabilidades, não existe
restrição temporal, nada pode conter a potência da soberania.8
8 BODIN, Jean. Os seis livros da República. Trad. José Carlos Orsi Morel. São Paulo:
Ícone, 2011, p. 71, pp. 195-198.
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LUIS MANUEL FONSECA PIRES
Mas faço uma breve suspensão da minha narrativa sobre a sobe-
rania porque acredito necessário esclarecer outros sentidos atribuídos
à palavra “República” no curso da história. Mesmo brevemente, para
não me distanciar do fio condutor – a soberania –, algumas palavras
precisam ser ditas. Uma síntese que me parece adequada é a das his-
toriadoras Lília M. Schwarcz e Heloísa M. Starling: herança dos ele-
mentos que compunham a palavra politeia na Grécia Antiga, o seu
significado era de uma comunidade política formada por homens livres,
uma ideia em oposição à tirania que representava a forma de governo
na qual um ou mais homens governavam de acordo com a sua vonta-
de. Era utilizada tanto para se referir à relação entre governo e gover-
nados, como para se referir a “uma vida livre entre iguais”, e “(...) foi
essa ambiguidade de sentidos que Cícero (106-43 a.C.) conservou ao traduzir
politeia para res publica”, isto é, “(...) uma forma política de resistência e de
prevenção às tiranias iniciadas por volta de 509 a.C. com a expulsão do últi-
mo rei, Tarquínio, o Soberbo, e que se encerrou com o principado de Augusto,
a partir de 27 a.C.”. O termo “República”, na Roma Antiga, signifi-
cava a administração capaz de atender às expectativas do povo e, num
sentido mais amplo, “(...) um tipo de comunidade de natureza política em
que as pessoas se agregam em vista do bem, do direito e do interesse comuns”.
Instituições que associam justiça e liberdade, esta foi a mensagem
constituída na Idade Antiga. A mensagem que ficou foi a importância
da política e da participação do cidadão na vida pública. No século
XVII, contextualizam as historiadoras, a palavra “República” é intro-
duzida no Brasil pela visão da metrópole para denominar a gestão
administrativa em vilas e cidades, mas, na primeira metade do século
XVIII, um novo significado é agregado, “sedição”: republicanos são
os colonos armados que se reúnem contra a ordem pública. Entre 1860
e 1889, o termo “República”, no Brasil, reduziu-se para significar
simultaneamente: (i) forma de governo que o seu contrário não é a tirania
dos antigos, mas a monarquia, e (ii) sinônimo de democracia.9 A res-
peito da passagem da Idade Moderna ao início da Idade Contempo-
rânea, o cientista político John Keane acrescenta que “(...) o pensamento
9 SCHMITT, Carl. Teologia política. Trad. Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, pp. 11-12, 16-17.

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