Capítulo X - Sentença Nula, Anulável e Inexistente

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A Sentença no Processo do Trabalho
Capítulo X
Sentença Nula, Anulável e Inexistente
Considerações propedêuticas
Uma das tarefas mais tormentosas para a doutrina tem sido, sem dúvida, a de estabe-
lecer os limites exatos dos terrenos da nulidade, da anulabilidade e da inexistência dos atos
processuais, em geral, e da sentença, em particular. Muito já se escreveu a respeito do assunto,
mas, apesar disso, diversas áreas nebulosas, que envolvem as zonas limítrofes desses terrenos,
ainda não foram dissipadas. Como consequência dessa indenição, subsistem, no espírito de
quantos sejam chamados a resolver problemas que digam respeito à validade ou invalidade
dos atos processuais, ou à existência ou inexistência destes, hesitações angustiantes que, por
sua vez, servem para alimentar as controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais acerca da
matéria — controvérsias que, em boa medida, emanam da falta de uma disciplina legal mais
eciente sobre assunto de tamanha relevância prática.
Parecem, por isso, ter sido formulados com vistas à nossa realidade normativa
os comentários constantes do “Novíssimo Digesto Italiano” (verbete “Nullità processuali”),
a seguir reproduzidos: “O complexo de normas, através das quais o legislador pretendeu
congurar a disciplina das nulidades dos atos processuais civis está longe de exaurir o com-
plexo quadro da matéria: basta lembrar que as regras sobre as nulidades foram formuladas
relativamente aos vícios formais e é discutida e discutível a sua aplicabilidade aos vícios de
fundo. Esta insuciência da disciplina normativa é perceptível quando se pensa que o legis-
lador cuidou de regular aspectos até marginais ao regime das nulidades, como a legitimação
para levantar o vício do ato, o poder de o juiz renová-lo etc. Essas disposições apresentam
interesse secundário, e o intérprete tem, muitas vezes, que buscar fora do Código solução
para problemas mais relevantes, como, v. g. , o da inexistência, a que a lei absolutamente não
se refere”.
O estatuto de processo civil brasileiro de 2015 dedicou os arts. 276 a 283 para tratar do
tema referente às nulidades (Título III, Livro IV, Parte Geral). Aí, contudo, são tratadas não
somente as nulidades, mas as anulabilidades (caso, e. g., dos arts. 277 e 278, caput), fazendo
gerar uma certa confusão na mente de intérpretes desavisados. Dos atos inexistentes nada se
diz no mencionado Título. Em suma, a disciplina legal, entre nós, dos regimes da nulidade, da
anulabilidade e da inexistência dos atos processuais é insatisfatória, sendo a causa principal
das dissensões hoje instaladas na doutrina e na jurisprudência.
O processo do trabalho, impulsionado por sua ontológica tendência à simplicação
(que lhe atribui um aparente caráter de simplicidade), e beirando as raias da simploriedade,
cogita das nulidades (e, tão só, destas) nos arts. 794 a 798.
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Manoel Antonio Teixeira Filho
É curioso observar que, de um lado, a má disciplina legal, como dissemos, tem contri-
buído para as disputas doutrinárias sobre o tema, e, de outro, que a imprecisão dos conceitos
doutrinais tem levado a jurisprudência a desnortear-se, muitas vezes, diante dos casos con-
cretos, ora considerando nulo o que é anulável (e vice-versa), ora declarando nulo o que, na
verdade, é inexistente.
Parece-nos indispensável, em razão disso, que se proceda a um adequado acertamento
legislativo do assunto, a m de serem eliminadas, o quanto possível, as controvérsias que, até
o momento, vêm atormentando juízes, advogados, membros do Ministério Público, assessores,
professores e acadêmicos de Direito e tantos quantos têm sido instados a pronunciar-se a
respeito. Enquanto não ocorrer o acertamento normativo preconizado, caberá à doutrina,
com sua vocação cientíca, mourejar nesse campo, não apenas para solucionar, ainda que
provisoriamente, o problema, mas para colocar à disposição do legislador os elementos
necessários à denitiva pacicação da matéria.
Tentemos, em decorrência disso, fornecer alguns contributos — ainda que, reconheci-
damente, modestos — para o atingimento desse objetivo, começando pela enunciação dos
conceitos de: a) nulidade; b) anulabilidade e c) inexistência dos atos processuais.
a) Nulidade
Costumam os juristas armar, com uma certa entonação dogmática, que ato nulo é o
que não produz efeitos jurídicos (quod nullum est nullum producit eectus). Essa denição,
embora consagrada, é imperfeita por levar em conta não a natureza, a essência do ato e,
sim, a sua consequência, expressa na inaptidão para produzir os efeitos previstos no orde-
namento jurídico. Examina-se, aí, em suma, não o elemento interno do ato, o seu conteúdo,
mas o seu aspecto meramente externo. Além disso, no plano processual, o ato nulo produz
efeitos, enquanto não for invalidado, sendo certo que se submete ao fenômeno jurídico da
coisa julgada material, e, decorrido o prazo para o exercício da ação rescisória, torna-se
denitivamente convalidado, vale dizer, imutável.
Antes de deitarmos um conceito de nulidade, faz-se recomendável advertir que esta não
deve ser confundida com inecácia, conquanto ambos os vocábulos venham sendo indistin-
tamente empregados por uma doutrina pouco preocupada com os compromissos cientícos.
A nulidade, como diz Teresa Arr uda Alvim Pinto, “é o estado em que se encontra um
ato, que lhe torna passível de deixar de produzir seus efeitos próprios e, em alguns casos,
destroem-se os já produzidos”.(73) A inecácia, por seu turno, signica a efetiva produção dos
efeitos jurídicos inerentes ao ato processual. Sob esse ângulo, ca possível compreender--se
a existência de atos que, embora válidos, sejam inecazes, ou seja, não têm aptidão para
produzir os efeitos pretendidos. Uma s entença condenatória, por exemplo, da qual se tenha
interposto recurso, a despeito de ser um ato formalmente válido, só terá ecácia de título
executivo (execução denitiva) depois de julgado o recurso e desde que o tribunal negue
provimento a este. Em outra obra, aliás, pudemos manifestar a opinião de que a sentença
(73) Nulidade da Sentença. São Paulo: RT, 1987. p. 62-63.
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