Casamento válido

AutorMarília Pedroso Xavier
Ocupação do AutorProfessora da graduação e da pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora em Direito Civil pela USP. Mestre e graduada em Direito pela UFPR. Coordenadora de Direito Privado da Escola Superior de Advocacia do Paraná. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito Contratual - IBDCONT. Advogada. Mediadora.
Páginas105-134
CASAMENTO VÁLIDO
Marília Pedroso Xavier
Professora da graduação e da pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da
UFPR. Doutora em Direito Civil pela USP. Mestre e graduada em Direito pela UFPR.
Coordenadora de Direito Privado da Escola Superior de Advocacia do Paraná. Dire-
tora do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCONT. Advogada. Mediadora.
Sumário: 1. Introdução – 2. O desenho da família matrimonializada: do singular ao plural – 3. Dis-
posições gerais e natureza jurídica do casamento – 4. Capacidade matrimonial – 5. Impedimentos
e causas suspensivas – 6. O processo de habilitação para o casamento – 7. Celebração do casamen-
to – 8. Espécies de casamento – 9. Das provas do casamento – 10. Conclusão – 11. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente capítulo se destina à análise do casamento a partir de sua disciplina
pelo Código Civil de 2002. Antes de adentrar ao estudo dogmático do tema, entretan-
to, faz-se necessário estabelecer algumas premissas problematizantes que permeiam
uma visão crítica do Direito das Famílias brasileiro contemporâneo.
Conforme a oportuna advertência de Luiz Edson Fachin, é preciso saber a quem
e a que o Direito serve1. Nesse sentido, é certo que o Direito Civil não pode mais ser
visto por uma ótica estática, atemporal e desideologizada.2
Assim, ao analisar o tratamento legislativo conferido ao casamento, não se
pode deixar de lamentar a opção do codif‌icador ao principiar o quarto livro da Parte
Especial com as disposições gerais do matrimônio, como se este fosse o modelo
“paradigma” que ocuparia o topo de uma concepção hierarquizada das entidades
familiares3. Parece mais acertada a democrática solução adotada pelo Estatuto das
Famílias (Projeto de Lei n.º 2.285/2007), uma vez que inicia seus dispositivos pres-
tigiando uma perspectiva plural dos arranjos familiares.
Outro fundamento que enseja renovar esforços para uma desconstrução da
preponderância do discurso jurídico do casamento4 é o fato de que o Código Civil
dedica cerca de cento e cinquenta artigos (direta ou indiretamente) a este tema. Já a
união estável recebeu enfrentamento específ‌ico em apenas cinco dispositivos.
1. FACHIN, Luiz Edson. A “reconstitucionalização” do direito civil brasileiro. In: FACHIN, Luiz Edson.
Questões do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 11-20.
2. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 35.
3. NEVARES, Ana Luiza Maia. Entidades familiares na constituição: críticas à concepção hierarquizada. In:
RAMOS, Carmen Lucia et al. (Org.). Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
4. Sobre o tema: NAMUR, Samir. A desconstrução da preponderância do discurso jurídico do casamento no direito
de família. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
MARÍLIA PEDROSO XAVIER
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Longe de ser uma questão puramente aritmética, percebe-se que o matrimônio
recebeu tratamento detalhado e preciso em detrimento de outras formas igualmente
legítimas de exercer a conjugalidade. Com isso, identif‌ica-se um processo de margi-
nalização e de desproteção destas.5
De igual modo, nota-se que, não obstante todos os esforços empreendidos pela
civilística em relação à despatrimonialização e à repersonalização do Direito Civil6,
há prevalência na quantidade de artigos dedicados ao “direito patrimonial de família”
em relação ao subtítulo “direito pessoal de família”, o que subverte a relação do ser
versus ter.
O Código Civil “nasce excludente”7, pois sequer menciona inúmeros temas que
estão no centro dos debates hodiernos e das preocupações dos estudiosos do Direito
das Famílias (tais como efeitos jurídicos das famílias simultâneas, entre outros);
ademais, não trata diretamente das famílias monoparentais, das anaparentais e das
relações homoafetivas.
Importante frisar que com o tom crítico assumido não se está a defender a desim-
portância do casamento: ao contrário, o que se crê é na igual relevância e dignidade
de todos os arranjos, principalmente quando edif‌icados por uma nova codif‌icação
que assume como diretrizes teóricas eticidade, socialidade e operabilidade.
Ao olhar para a realidade dos fatos, percebe-se uma contínua redução do número
de casamentos a partir do ano de 2016. De acordo com os dados do Instituto Brasi-
leiro de Geograf‌ia e Estatística –IBGE coletados no CENSO de 20108, na década de
2000 houve progressivo aumento no número de casamentos celebrados. A título de
ilustração, em 2003 foram registrados 748.981 casamentos, ao passo que em 2007
foram celebrados 916.006 e em 2010 977.620 casamentos.9 Ou seja, o número de
casamentos celebrados aumentou em cerca de trinta por cento no período de sete anos.
Todavia, ao se analisar a série histórica compreendida entre 2013 e 2018 forne-
cida pelo IBGE10, houve um crescimento entre 2013 e 2015, chegando-se ao pico de
5. SILVA, Marcos Alves; CARBONERA, Silvana; LAUAND DE PAULA, Tatiana. Conjugalidade: possíveis
intesecções entre economia, política e o amor. In: Eroulths CORTIANO JUNIOR; Jussara Maria Leal de
MEIRELLES; Luiz Edson FACHIN, Paulo NALIN (Org.). Apontamentos críticos para o direito civil brasileiro
contemporâneo: Anais do Projeto de Pesquisa Virada de Copérnico. Curitiba: Juruá, 2007, p. 233-259.
6. Nesse sentido, ver as seguintes obras: CARVALHO, Orlando de. Para uma teoria da relação jurídica civil: a
teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites. 2. ed. Coimbra: Centelha, 1981; especif‌icamente sobre
o direito de família no âmbito nacional sugere-se LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações
de família. Jus Navigandi. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/5201. Acesso em: 20 de fev. 2021.
7. FACHIN, Luiz Edson. Direito além do novo Código civil: novas situações sociais, f‌iliação e família. Revista
Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v. 5, n. 17, p. 7-35, 2003.
8. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas do Registro Civil 2003-2010.
Disponível em: http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=RGC320. Acesso em: 20 fev. 2021.
9 . Deve-se registrar, todavia, que no ano de 2009 houve leve f‌lutuação nesta taxa, caindo de 959.901 casamentos
em 2008 para 935.916. Em 2010 houve evidente retomada no aumento.
10. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Tabela 4781–Casamentos, por lugar de nas-
cimento dos cônjuges e lugar do registro. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/4781#resultado.
Acesso em: 20 fev. 2021.

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