Famílias LGBTI+

AutorAndressa Regina Bissolotti dos Santos e Francielle Elisabet Nogueira Lima
Ocupação do AutorDoutoranda e Mestra em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora visitante do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior. Professora universitária. Advogada. / Doutoranda em Direito das Relações Sociais pela UFPR e Mestra em ...
Páginas233-256
FAMÍLIAS LGBTI+1
Andressa Regina Bissolotti dos Santos
Doutoranda e Mestra em Direitos Humanos e Democracia pela Universidade Federal
do Paraná. Pesquisadora visitante do Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra, nanciada pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior.
Professora universitária. Advogada.
Francielle Elisabet Nogueira Lima
Doutoranda em Direito das Relações Sociais pela UFPR e Mestra em Direitos Hu-
manos e Democracia pela mesma instituição. Pós-graduada em Direito das Famílias
e Sucessões pela ABDConst, bem como em Direito Homoafetivo e Gênero pela
Unisanta. Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. Trajetórias do direito a constituir família: a união estável e o casamento
entre pessoas do mesmo gênero – 3. Lesbo/homoparentalidades: aspectos relevantes e desaos – 4.
Transparentalidades: entre invisibilidades e inadequações normativas – 5. Aspectos relativos à lia-
ção: possíveis conitos entre autoridade parental e o exercício de direitos existenciais por crianças
e adolescentes – 6. Considerações nais – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Desde os anos 60 os parâmetros do que seja a família jurídica e culturalmente
legítima têm sido consistentemente questionados. No que toca ao surgimento de
um movimento organizado de pessoas, reivindicando o direito de viver experiências
subjetivas e arranjos sexuais e afetivos fora dos parâmetros tradicionais, a literatura
costuma localizá-lo em f‌ins dos anos 70 (SIMÕES; FACCHINI, 2009).
Esse movimento, que podemos de maneira ampla aqui categorizar como
movimento LGBTI+2, enfrentaria uma série de desaf‌ios desde o seu surgimento e
contribuiria para a intensa modif‌icação e ampliação das formas culturalmente e
juridicamente autorizadas de ser e de viver, inclusive em família.3
1. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
2. Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneras, Travestis, Transexuais e Intersex. O uso do símbolo
+ indicaria uma abertura, com a intenção de fazer dessa denominação a mais inclusiva possível em relação
a outras pessoas que possam não se sentir contempladas com as experiências indicadas.
3. Para uma análise mais aprofundada das intensas transformações vividas por esse movimento, bem como
das transformações jurídicas em decorrência de sua atuação por direitos, ver: (DOS SANTOS, 2017).
ANDRESSA REGINA BISSOLOTTI DOS SANTOS E FRANCIELLE ELISABET NOGUEIRA LIMA
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Desde a necessária resistência ao autoritarismo moral durante a Ditadura Mili-
tar,4 a intensa participação na Constituinte na intenção de se ver contemplados pelas
garantias constitucionais, o enfrentamento dramático à epidemia de HIV/AIDS, as
formas de atuação desse grupo, bem como suas conexões, se alteraram e se expan-
diram, na formação desse que poderia ser hoje facilmente identif‌icado como um dos
principais atores no cenário político contemporâneo.
Nesse caminhar, as lutas por direitos e pela inclusão no universo do jurídico
foram essenciais. Seja com atuações no Legislativo5 ou no Judiciário; seja por neces-
sidades profundamente práticas e cotidianas ou por uma demanda mais ampla de se
ver incluída/o no conceito de cidadania e sujeito de direitos, o movimento LGBTI+,
juntamente com diversas e diversos juristas defensoras e defensores da igualdade e
da diferença6 transformaram institutos clássicos do direito.
Boa parte dessas transformações vieram exatamente pelo caminho do Direito
das Famílias. Marcada pela Metodologia Civil-Constitucional7 e por um olhar cada
vez mais focado nas experiências concretas das pessoas, essa área do Direito foi res-
ponsável pelas primeiras grandes transformações jurídicas no sentido de garantia
de direitos às pessoas LGBTI+.
Atualmente, muito se avançou no sentido da igualdade. Tanto no âmbito do
Direito das Famílias, em seus aspectos horizontal (conjugalidades) e vertical (f‌ilia-
ção), mas também no próprio direito à existência e de ser quem se é. Mas desaf‌ios
ainda permanecem, exigindo de prof‌issionais e acadêmicas/os uma postura crítica e
criativa frente a eles. Neste capítulo, proporemos um breve relato dos direitos atual-
mente conquistados e de suas trajetórias, para então avançarmos de forma a propor
aspectos críticos ao debate.
4. Indica-se para aprofundamento das discussões acerca da perseguição a pessoas LGBTI+ durante a ditadura
Militar, bem como as resistências a essa perseguição, obra organizada por James Green e Renan Quinalha,
intitulada “Ditadura e Homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade” (2014).
5. Como amplamente analisado por Mello (2004), no entanto, a tentativa de incidência no Legislativo acabou
por de demonstrar infrutífera, com a presença de grupos conservadores organizados em prol da promoção
da ideia de que “família” é apenas aquela composta de forma heterossexual. Tal dif‌iculdade em avançar
qualquer pauta relacionada aos direitos de pessoas LGBTI+ nesse campo, em verdade, é que explica a
necessidade do Judiciário de acabar preenchendo certas lacunas, através da aplicação direta dos direitos
6. Fala-se em defensoras e defensores da “igualdade e da diferença”, no sentido de compreender que defen-
der direitos advindos do reconhecimento de formas de ser diversas envolve tanto a luta por igualdade de
direitos, quanto também a pelo direito a existir na diferença, sem ser necessário replicar as formas de ser e
viver reconhecidas pelas maiorias como mais “adequadas” ou “normais”.
7. Nas palavras de Lôbo (2014, p. 19-30), o Direito Civil Constitucional deveria ser tomado como uma “meto-
dologia de estudo, pesquisa e de aplicação do Direito Civil”. Para esses autores tratar-se-ia, portanto, não de
uma nova área no campo dos estudos do direito, mas sim de uma nova forma de olhar para as questões do
Direito Civil, a possibilitar a construção de uma hermenêutica comprometida com os direitos fundamentais
constitucionalmente assegurados. Nesse sentido, cite-se ainda as palavras de Maria Celina Bodin de Moraes:
“é Direito Civil Constitucional todo o Direito Civil, e não apenas aquele que recebe a expressa indumentária
constitucional, desde que se imprima às disposições de natureza civil uma ótica de análise através da qual se
pressupõe a incidência direta e imediata das normas constitucionais sobre todas as relações interprivadas”
(MORAES, 1999).

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