Casuística a respeito da necessidade de observância dos deveres de conduta na relação obrigacional e, em especial, nas negociações preliminares

AutorGabriel Machado Marinelli
Páginas269-284
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CAPÍTULO 6
CASUÍSTICA A RESPEITO DA
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS
DEVERES DE CONDUTA NA RELAÇÃO
OBRIGACIONAL E, EM ESPECIAL, NAS
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
Como observado em capítulo anterior, estando os deveres de
conduta diretamente relacionados com a cláusula geral da boa-fé, a análise
casuística do tema em estudo permite dar contornos mais concretos ao
que se entende por observância desses deveres na relação obrigacional,
especialmente no campo das negociações preliminares.
Apesar de o objeto de análise se referir, de modo especial, às
negociações preliminares, tendo em vista o largo alcance da boa-fé
objetiva no campo contratual, a análise abrangerá, também, situações
concretas envolvendo contratos já celebrados, sem prejuízo do exame
de casos em que o desrespeito aos deveres anexos tenha tido lugar na
fase pré-contratual.
A circunstância fática que envolve o primeiro caso objeto de análise
diz respeito à relação contratual consubstanciada em contrato de locação
em que o fiador, garantidor da locatária, mesmo casado sob o regime da
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GABRIEL MACHADO MARINELLI
comunhão universal de bens, obrigou-se como tal sem a devida anuência
do cônjuge.645 Eis o teor da ementa646:
AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE TERCEIRO.
CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA CONCEDIDA SEM
OUTORGA UXÓRIA. DECLARAÇÃO FALSA DO
CÔNJUGE VARÃO ACERCA DO SEU ESTADO CIVIL.
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1)
Ao declarar estado civil diverso daquele que verdadeiramente
ostenta, o fiador (cônjuge varão) violou os princípios da boa-fé
objetiva e da lealdade contratual, por isso que não pode se
aproveitar da própria torpeza a fim de se eximir da responsabilidade
que assumira, em prejuízo dos locadores, que, no caso, são
considerados terceiros de boa-fé. 2) Contudo, a embargante não
pode sofrer as consequências negativas decorrentes do
procedimento indigno do cônjuge varão. Assim, emerge como
correta a solução aplicada pelo sentenciante de piso no sentido
de entender por eficaz a fiança prestada, ressalvando, contudo,
de seus efeitos a meação da ora recorrente (embargante), vez que
esta não participou do negócio jurídico em questão. 3) Recurso
ao qual se nega provimento.
Apesar do disposto no art. 1.647, inc. III, do Código Civil647,
bem como da orientação dada pela Súmula n. 332 do Superior Tribunal
de Justiça, segundo a qual “A fiança prestada sem autorização de um
dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia”, a decisão objeto
de exame entendeu eficaz a fiança prestada, ressalvando, contudo, a
meação do cônjuge que deixou de dar anuência, tudo isso porque o
comportamento do fiador atentaria contra o princípio da boa-fé objetiva
e da lealdade contratual.
645 Agravo interno na Apelação Cível n. 2009.001.08581, da 2a Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
646 Disponível em http://www.tjrj.jus.br/. Acesso em 23 nov. 2013.
647 Veja-se: “Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges
pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: / (...) / III
– prestar fiança ou aval; (...)”.

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