A responsabilidade civil pela ruptura injustificada de negociações e o dever de reparar

AutorGabriel Machado Marinelli
Páginas225-267
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CAPÍTULO 5
A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA
RUPTURA INJUSTIFICADA DE
NEGOCIAÇÕES E O DEVER DE REPARAR
Compreendidos o enquadramento e a extensão da fase de tratativas,
bem como demonstrada a importância da correlação entre o princípio
da autonomia privada e o princípio da boa-fé objetiva – juntamente com
o exame de seus respectivos deveres anexos –, o estudo da responsabilidade
civil pela ruptura injustificada de negociações preliminares e o correlato
dever de reparar os danos causados pelo sujeito responsável pelo
rompimento será, agora, dividido em três frentes. Na primeira, buscar-
se-á delinear as características da responsabilidade pré-contratual,
amplamente considerada, e a sua natureza jurídica; na segunda, o objetivo
será o exame da caracterização da ruptura injustificada das negociações;
e, por fim, na terceira, serão analisados os tipos de danos a serem reparados
na hipótese da responsabilidade objeto deste estudo.
5.1 A CULPA IN CONTRAHENDO E A NATUREZA JURÍDICA DA
RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL
Sob qualquer enfoque que se veja, a responsabilidade civil é a
obrigação de reparar danos causados à pessoa ou ao seu patrimônio. O
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GABRIEL MACHADO MARINELLI
Código Civil de 2002 enumera uma série de situações jurídicas em que
se observa a presença da obrigação de reparar danos e, portanto, a presença
da responsabilidade civil. Há, no sistema desse diploma legal, uma divisão
da responsabilidade civil em duas categorias: (i) extracontratual, delitual
ou aquiliana; e (ii) contratual ou negocial.537
O regramento geral da responsabilidade civil extracontratual
encontra guarida nos arts. 186, 187 e 188, combinados com o art. 927
e seguintes, todos do Código Civil. Já o regramento da responsabilidade
civil contratual tem por base os preceitos contidos nos arts. 389 e
seguintes, também do Código Civil.
Todavia, a compreensão desta “separação” tem sofrido algumas
mudanças. A responsabilidade civil surgiu, como visto, em um contexto
social no qual se buscava ressaltar o dever de diligência do indivíduo. A
propósito, Lucíola Fabrete Lopes Nerilo indica que a existência da
responsabilidade civil dependia, necessariamente, da apuração da culpa
na conduta do agente. A responsabilização, portanto, estava estritamente
ligada à antijuridicidade do comportamento do agente e não ao dano
efetivamente causado. Após, verificou-se a necessidade de se voltar a
atenção para a vítima do dano e não somente para seu causador, que,
em certas circunstâncias, passaria a ter o dever de reparar os danos
independentemente da censurabilidade de sua conduta. Tem-se, com
isso, também já se disse aqui, o desenvolvimento da responsabilidade
objetiva, que assume uma função notadamente reparadora e desvincula
a produção dos efeitos dessa função da culpa do agente.538
537 O nome responsabilidade negocial é empregado por NORONHA, Fernando. Direito
das obrigações. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 451. Essa terminologia se justifica pelo
fato de a responsabilidade contratual abranger, também, “o inadimplemento ou mora
relativos a qualquer obrigação, ainda que proveniente de um negócio unilateral (como
o testamento, a procuração ou a promessa de recompensa)” (BITELLI, Marcos Alberto
Sant’Anna. “O acordo de não divulgação (NDA) e a questão do rompimento das
negociações”. Revista dos Tribunais Online – Thomson Reuters. DTR\2012\450521, p.
1. Disponível em http://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em 12 jul. 2012).
538 NERILO, Lucíola Fabrete Lopes. “A responsabilidade civil pelo descumprimento
da cláusula geral de boa-fé nos contratos”. Revista dos Tribunais Online – Thomson Reuters.
DTR\2007\779, p. 12. Disponível em http://www.revistadostribunais.com.br. Acesso
em 13 jul. 2012.
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CAPÍTULO 5 - A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA RUPTURA INJUSTIFICADA...
A responsabilidade civil, hoje, tem sido considerada por boa parte
da doutrina nacional em seu aspecto único, diferenciando-se suas diversas
hipóteses de caracterização tão somente no plano da origem da ilicitude
e não no dever de reparar.539 A esse respeito, a doutrina elucida:
Apesar da doutrina ter praticamente esgotado o assunto sobre a
distinção entre a responsabilidade civil contratual e a aquiliana,
e, acima de tudo, ter concluído pela unidade teórica do instituto
da responsabilidade civil, por vezes, a práxis do direito trai a sua
ciência e o seu embasamento científico, justificando, mesmo que
brevemente, relembrar pontos de convergência e similitude.
A distinção entre responsabilidade extracontratual ou aquiliana e
a contratual reside no plano da origem da ilicitude, “(...) uma,
assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou
não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra, re-
sultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos
próprios das obrigações, incluindo os deveres acessórios de con-
duta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação
obrigacional)”.540 Em outros termos, se a violação do direito, in
539 Com isso, não se quer concluir que a caracterização da responsabilidade civil
extracontratual e a responsabilidade civil contratual não gerem consequências práticas
distintas, sobretudo no que se refere, conforme se verá adiante, à observância do interesse
positivo ou interesse negativo na hipótese de indenização. Embora trate do assunto da
perspectiva da inexecução dos contratos, afigura-se sempre útil a diferenciação feita por
Darcy Bessone entre a ação delitual e a ação contratual que, guardadas as devidas
proporções, ilustram bem o multifacetado campo da indenização: “A ação delitual
distingue-se da ação contratual: pelo fundamento, pelo objeto e pela extensão da
responsabilidade. / Sob o primeiro aspecto, já vimos que a ação contratual funda-se no
direito produzido pelo contrato; a ação delitual, diversamente, tem por fundamento a
culpa, isto é, uma conduta diferente da que deveria ser observada. Particularizando: a
parte contrata para cumprir o convencionado e, não o cumprindo, conduz-se de modo
anormal, cometendo delito civil. / O objeto também não é o mesmo nas duas ações; na
primeira, o autor pede a satisfação da promessa, na espécie constante da avença, ou,
não sendo possível, no seu equivalente em dinheiro; na segunda, reclama o ressarcimento
dos prejuízos decorrentes de seu descumprimento. / Por fim, a extensão da
responsabilidade não se afere pela mesma craveira: na ação contratual, a indenização
equivale ao prometido, no contrato, pelo inadimplente; na ação delitual, apuram-se os
prejuízos originados da inexecução, cujo montante será outro” (BESSONE, Darcy. Do
contrato: teoria geral. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 196).
540 ANTUNES VARELA, João de Matos. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense,
1978, p. 511.

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