O direito obrigacional: relações intersubjetivas

AutorGabriel Machado Marinelli
Páginas77-97
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CAPÍTULO 2
O DIREITO OBRIGACIONAL:
RELAÇÕES INTERSUBJETIVAS
A visão linear que coloca como elementos da relação obrigacional o
credor, o devedor e a prestação1, hoje, cada vez mais, é vista como algo
dinâmico, por dois motivos. Primeiro, pelo fato de a prestação poder se
relacionar ao próprio débito ou à responsabilização do sujeito – prestação
primária e prestação secundária, respectivamente2; segundo – e principalmente
– porque a obrigação é uma relação jurídica complexa que compreende
diversos deveres de prestação e conduta. Em outras palavras, a relação
obrigacional é formada por um conjunto de fatos e de acontecimentos que
repercutem na esfera jurídica de cada sujeito, tendo como objetivo central
a satisfação mais completa e adequada ao credor, dentro das possibilidades
1 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 31.
2 Conforme Clóvis do Couto e Silva estabelece, “A prestação primária corresponde ao
débito; e a prestação secundária, a qual se relaciona com perdas e danos, constitui a
responsabilidade. É preciso, porém, ter presente que a responsabilidade é elemento da
obrigação e coexiste com o débito. Não é totalmente correto afirmar que a
responsabilidade surge, apenas, quando se manifesta adimplemento insatisfatório ou
recusa em adimplir. Em tal caso, pode o credor prejudicado pôr em atividade um dos
dois elementos que formam a obrigação perfeita: débito e responsabilidade.” (SILVA,
Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. 5. reimpressão. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2011, p. 83).
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GABRIEL MACHADO MARINELLI
do caso. Daí por que se considerar a relação obrigacional como um processo.3
Nesse sentido, os deveres da relação obrigacional vão além da mera prestação
do devedor – tanto o devedor quanto o credor possuem deveres de
consideração e colaboração recíprocos. Toda obrigação caracteriza-se por
possuir um dever primário relativo ao seu cumprimento e deveres de segunda
ordem, chamados deveres de conduta.4
João de Matos Antunes Varela5 pondera:
(...) a expressão relação obrigacional, à semelhança do que
acontece com a designação estatuto real (no capítulo dos direitos
reais), retrata melhor a verdadeira fisionomia dos direitos de
crédito. São verdadeiros processos intersubjetivos que, englobando
normalmente vários poderes e deveres, se desenrolam no tempo, para
satisfação do interesse de uma pessoa, mediante a cooperação de uma
outra. Será essa (relação obrigacional) a expressão doravante usada
para referir não só as obrigações simples, mas principalmente as
relações creditórias complexas, como as constituídas pela maior
parte dos contratos típicos (compra e venda, locação, sociedade,
mandato, empreitada, trabalho, etc.), dos quais derivam dois
ou mais direitos de obrigações, alguns deveres secundários de
prestação e múltiplos deveres acessórios de conduta.
Essa leitura da relação obrigacional é importante, sobretudo para que
não se perca de vista que a obrigação não pode subsistir como forma de
aprisionamento do devedor, com a retirada lesiva de parte da sua liberdade.
Claro está, já se disse aqui, que o credor tem direito à prestação, isto é,
direito ao crédito. Esse direito deve ser entendido em termos relativos, no
que diz respeito a se relacionar a determinada pessoa. Nesse sentido, no
3 SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. 5. reimpressão. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2011, p. 39.
4 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Tradução de Jaime Santos Briz. Madrid:
Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, pp. 20-22.
5 CALIXTO, Marcelo Junqueira. “Reflexões em torno do conceito de obrigação, seus
elementos e suas fontes”. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Obrigações: estudos na
perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5.

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