Classificação aplicada às nulidades processuais penais

AutorRosmar Rodrigues Alencar
Páginas507-617
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CAPÍTULO 11
CLASSIFICAÇÃO APLICADA ÀS NULIDADES
PROCESSUAIS PENAIS
11.1
Classificação das nulidades da investigação preliminar
Tal como no processo penal, durante o inquérito policial
podem ser praticados atos procedimentais que não sejam
respaldados pelos ditames legais, nem reconhecidos como ju-
rídicos pela jurisprudência dos tribunais. Como o inquérito
policial é espécie do gênero investigação preliminar, também
às demais formas de persecução penal fora do juízo pode ser
aplicado o mesmo raciocínio. A relação entre normas de ili-
citude e de invalidação do ato reconhecido como defeituoso
na fase pré-processual tem estrutura similar às normas do
processo penal inseridas no sistema de nulidades processuais
penais.
Doutrinária e jurisprudencialmente, contudo, prevalece
o entendimento de que não há nulidade no inquérito poli-
cial, bem como que os vícios deste instrumento de investiga-
ção preliminar não são capazes de macular o processo penal.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
Sobre esse ponto, antes de examinar hipóteses de atos da
investigação preliminar que se afastam dos modelos legais e
suas respectivas consequências, necessário alinhar a dogmá-
tica do tema com as garantias fundamentais.
O sistema de preclusões não seria aplicável para imuni-
zar a investigação contra exame de sua higidez legal, agregan-
do a esse argumento o conteúdo do princípio da inafastabili-
dade do controle do judiciário (art. 5º, XXXV, CF/1988). Daí
concluírem os processualistas que a regularidade do inqué-
rito policial cristaliza imperativo de tutela dos interesses do
investigado, razão pela qual o magistrado deve tomar o cui-
dado que conduzir o processo de forma a aferir se, no curso
do inquérito policial, não foi houve cometimento de “nulidade
absoluta ou relativa (quando alegada)”. Sendo constatada a
“nulidade”, o ato viciado do inquérito “deverá ser repetido
e excluída a respectiva peça que o materializa, sob pena de
contaminação dos atos que dele derivem”. Não sendo o ato
inquisitorial repetido, “ainda que por impossibilidade, sua va-
loração na sentença ensejará a nulidade do processo”549.
As consequências que decorrem da atipicidade procedi-
mental no curso de investigação preliminar são, todavia, em
regra, de espectro menor. A natureza jurídica da investigação
preliminar e, notadamente, a definição do inquérito policial
a partir de suas características delineadas doutrinariamente
são os pilares que determinam uma limitação maior de efeitos
jurídicos diante de vício. No entanto, o fato de ser o inquéri-
to policial uma etapa da persecução penal menos ofensiva ao
status dignitatis do investigado não deve significar ausência
no sistema jurídico de tutela invalidadora sobre irritualidades
prejudiciais aos direitos individuais fundamentais da pessoa
indiciada.
Certo que as características da discricionariedade e dis-
pensabilidade do inquérito policial tornam tal instrumento
549. LOPES JR, Aury; GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Investigação preliminar
no processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.351-352.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
refratário à declaração de nulidades e de contaminação da
ação penal correlata. Porém, a limitação de consequência ju-
rídica ao ato viciado da investigação preliminar é mais decor-
rência da natureza desta do que, propriamente, da ausência
de tutela acerca de ilicitudes que ferem direitos fundamentais.
Daí que, malgrado reconhecendo que o sistema de nuli-
dades disciplinado no Código de Processo Penal não se des-
tina ao reconhecimento de nulidades no inquérito policial,
fato é que é possível, excepcionalmente, e presentes os pres-
supostos legais, construir tanto norma que declare a ilicitude
de procedimento investigativo (cuja instauração, não raras
vezes, é reconhecida como ilegal e como ameaça indevida ao
direito de liberdade), como a norma consequente de desfazi-
mento do ato, de saneamento do ato ou de declaração de con-
validação do ato procedimental ou do próprio procedimento
administrativo de investigação.
Aliás, é nesses casos que se costuma usar a expressão
“trancar” o inquérito policial que, impropriamente, visa re-
tratar o seu encerramento precoce da investigação prelimi-
nar, com seu arquivamento, em virtude do reconhecimento de
caracterização de constrangimento ilegal. A rigor, a expressão
correta é “arquivar”, porquanto, nas palavras de Afrânio Silva
Jardim, “o principal efeito do arquivamento é o de cessar as
investigações”, ainda que rebus sic stantibus550.
De tal modo, valendo-se da estrutura normativa retrata-
da na classificação das nulidades, merecem exame as atipi-
cidades passíveis de acontecer no curso de investigação pre-
liminar, cujos elementos que conformam a comunicação do
sistema irão determinar a qualidade e a extensão das respec-
tivas consequências.
550. JARDIM, Afrânio Silva. Arquivamento e desarquivamento do inquérito poli-
cial. In: Temas atuais de direito. Associação do Ministério Público do Rio de janeiro
(org.). Rio de janeiro: Liber Juris, 1986. p.21.
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