Classificações das nulidades processuais penais

AutorRosmar Rodrigues Alencar
Páginas111-247
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CAPÍTULO 2
CLASSIFICAÇÕES DAS NULIDADES
PROCESSUAIS PENAIS
2.1 Classificação e noção
Parte-se da premissa de que noção é a direção que se dá
ao conceito para se chegar a definição, haja vista que o concei-
to tem textura difusa. Por seu turno, a classificação é a divisão
necessária para se avivar os contornos do conceito, tornando
possível sua definição. A nulidade em sentido amplo, como ví-
cio, é o conceito que carece da noção funcional consistente em
estabelecer balizas para otimizar a proteção de direitos funda-
mentais. Daí se inicia a atividade de classificar, de acordo com
os graus de vícios relacionados à estrutura do ato processual
penal. O fito é possibilitar contornos mais precisos à nulidade
lato sensu, definindo-a a partir de critérios normativos.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
2.1.1 O percurso classificatório das nulidades proces-
suais enquanto entidade normativa e a distinção
entre conceito, noção e definição
Para os objetivos da tese, noção é o conhecimento ele-
mentar sobre um objeto de estudo que serve como passagem
que envolve à atividade que parte do conceito à definição.
Para construir uma classificação sobre as nulidades processu-
ais, é necessário eleger as noções necessárias à delimitação do
conceito e, desse modo, encontrar sua definição.
De tal forma, o conceito de nulidade envolve tudo que
se possa afirmar em relação à nulidade. Suas notas conceitu-
ais, nesse sentido, são múltiplas de diversas ordens. As ten-
tativas definitórias que foram alinhadas no primeiro capítulo
demonstram a riqueza do fenômeno, bem como os diversos
pontos de vista que podem lhe servir.
Cingindo-se ao debate entre nulidade como defeito e nu-
lidade enquanto sanção, constatou-se a insuficiência de um só
termo para descrever o procedimento que se inicia com a inci-
dência deficiente de norma jurídica, passando pela documen-
tação do ato processual viciado, seguindo-se com o reconheci-
mento do defeito pelo juiz e, verificados outros pressupostos,
findando-se com a incidência de outra norma que determina
o seu desfazimento.
Diante das dificuldades que envolve o tema, necessário
particularizar o conceito de nulidade pela noção de parte do
seu conteúdo. Como o conceito de nulidade é muito difuso, a
sua definição deve ser formulada por meio de sua noção de de-
feito. Nulidade é o termo que se usa para rotular a incidência
defeituosa de norma jurídica que constitui um ato processual
penal. Tendo como premissa essa noção – que particulariza o
conceito –, é possível seguir com a atividade de definir, agora
para apresentar uma classificação.
O terreno pantanoso das classificações das nulidades
processuais é fértil para evidenciar as virtudes de um sistema
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
jurídico organizado. Isso porque demonstra que é preciso um
sistema com alta complexidade, com eleição de seus códigos
para a produção normativa de nulidades processuais penais
que encontrem respaldo nas expectativas jurídicas dos en-
volvidos. Busca-se, com essa escolha metódica, a redução de
complexidade do ambiente processual mediante a limitação
das contingências.
Niklas Luhmann realça que o procedimento há de ser
diferenciado (suficientemente complexo) por intermédio de
normas jurídicas específicas da organização, bem como atra-
vés de uma separação de papéis socialmente institucionaliza-
da111. Tal ideia encontra compatibilidade com os fundamentos
do sistema acusatório de processo penal, na medida em que
este trabalha com a ideia central de bem dividir as funções
dos sujeitos processuais envolvidos, delimitando a imparcia-
lidade do juiz para que a produção de normas se dê sem o
comprometimento da legitimidade do procedimento.
A providência tendente a assegurar o apartamento do
juiz relativamente ao Ministério Público é uma das caracte-
rísticas do sistema acusatório. A título de exemplo de violação
a essa regra, tem-se o chamado “compromisso do juiz” com o
“combate à criminalidade” ou ao “crime organizado”, o que
constitui um contrassenso jurídico-constitucional democráti-
co, como apontou Juliana Damasceno112. De fato, causa espé-
cie a nomenclatura escolhida por alguns órgãos do Judiciário,
frente ao sistema acusatório e à necessária imparcialidade do
juiz, a exemplo da expressão “vara de combate à criminali-
dade organizada”. O magistrado, ao contrário, deve se cercar
de limites para impor a pena e não partir para a atividade
investigativa, muita das vezes marcada pela unilateralidade
violadora do contraditório.
111. LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução: Maria da Con-
ceição Côrte-Real. Brasília: Universidade de Brasília, 1980. p.101.
112. SANTOS, Juliana Pinheiro Damasceno e. Limites constitucionais à iniciativa
do juiz no processo penal democrático. Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens
Escritores, 2011. p.134.
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