Conceito e linguagem: em torno do conceito de nulidade no direito processual penal

AutorRosmar Rodrigues Alencar
Páginas49-110
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CAPÍTULO 1
CONCEITO E LINGUAGEM:
EM TORNO DO CONCEITO DE NULIDADE NO
DIREITO PROCESSUAL PENAL
A análise de questões conceituais para a fixação do sig-
nificado das normas que decorrem do fenômeno da nulidade
são parte da estática jurídica, tal como Hans Kelsen eviden-
ciou em sua Teoria Pura do Direito. A conformação do siste-
ma, realizada abstratamente, é estática jurídica, assim como
o é a classificação das nulidades, explicitada com suas defini-
ções e justificativas de validade.
Elucidar conceito e definição de nulidades processuais re-
trata o primeiro aspecto da estática jurídica do tema4. Difere,
portanto, do enfoque dinâmico que será visto mais adiante,
eis que este é levado a efeito no plano concreto e com conside-
rações de natureza pragmática, para regular o caso individual
referentemente às atipicidades processuais em espécie.
4. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 5. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.217.
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1.1 Conceito e definição
Nulidade é termo que enseja vários sentidos. Em face da
sua polissemia e de seu uso diversificado, o ponto inicial deste
estudo é examinar os enunciados centrais que conferem dire-
ção a esse termo para, em seguida, firmar definição útil à sua
função de tutela de garantias fundamentais processuais pe-
nais. O primeiro teor a ser fixado é considerar nulidade como
uma forma de atipicidade (ato processual atípico, deformado
ou defeituoso).
O ponto de partida para estabelecimento de uma noção
de nulidade é o de considerar tal termo como distinto do de
ineficácia. No processo penal, a ineficácia não decorre, como
regra, do ato processual atípico. A atipicidade, por outro lado,
para ser considerada nulidade, necessita de declaração judi-
cial nessa direção. De outro lado, a supressão dos efeitos vai
depender do desfazimento do ato viciado, por intermédio de
decretação judicial de invalidação.
Nesses termos, essa aproximação inicial do tema não é
assimilada pela que Francesco Carnelutti faz, ao dizer que
“nulidade é uma forma agravada de ineficácia, em confronto
com a inadmissibilidade”, quando considerado o seu aspecto
difuso ou contagioso5. De outro turno, a própria expressão nu-
lidade pode significar, com base em senso comum, algo equi-
valente a nulo, zero ou inexistente.
O termo, aliás, é também, não raras vezes, utilizado como
sinônimo de invalidade. Quando inserido no contexto jurídi-
co, não faltam expressões similares e que, nem sempre com
rigor científico, buscam explicar o fenômeno, a exemplo de
anulabilidade, nulidade absoluta, nulidade relativa, irregula-
ridade, atipicidade, ato nulo, ato nulificado, inexistência, ato
viciado, ato defeituoso, dentre outras.
5. CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o processo penal: volume 3. Tradução:
Francisco José Galvão Bruno. Campinas: Bookseller, 2004. p.193-194.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
Nesse diapasão, a relevância do estudo é a de vincar
uma definição com contornos mais precisos às atipicidades,
assim como à sua função protetiva de direitos fundamentais.
Objetiva-se colocar o tema no seu devido lugar no sistema
acusatório de processo penal. O conceito de “nulidade”, di-
fuso, carece, por exemplo, de delineamento dos limites de in-
terpretação do artigo 563, do Código de Processo Penal, que
reza não ser possível declarar nulo um ato, “se da nulidade
não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”6. Esse
texto, em conjunto com as demais disposições legais, deve ser
considerado para a formação de um “conceito de nulidade”
em direito processual penal.
Mais completo é o art. 154, do Projeto nº 156, de 20097.
Sua redação distingue nulidade de invalidação, ao assentar
que “a declaração de nulidade e a invalidação do ato irregular
dependerão de manifestação específica e oportuna do interes-
sado, sempre que houver necessidade de demonstração con-
creta de prejuízo ao regular e efetivo exercício de direito ou
de garantias processuais das partes”. Esse dispositivo manda
observar, na senda do que já se verifica na legislação vigen-
te, que “nenhum ato será declarado nulo se da irregularidade
não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, ou não
houver influído na apuração da verdade substancial ou na de-
cisão da causa”. Ademais, averba que “não se invalidará o ato
quando, realizado de outro modo, alcance a mesma finalidade
da lei, preservada a amplitude de defesa”.
A nulidade, segundo o texto do art. 563, do Código de
Processo Penal, é ínsita ao defeito do ato processual. A decla-
ração lhe é posterior. O Código expressa o vício com o nome
nulidade. Não distingue o texto legislativo a nulidade relativa
1941. Disponível em: .br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.
htm>. Acesso em: 14 jan. 2015.
7. BRASIL. Projeto de lei do Senado n. 156, de 2009. Disponível em:
senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=58827&tp=1>. Acesso em: 14 jan.
2015.
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da absoluta. Ao enfatizar a necessidade de prejuízo às partes
para que o ato possa ser declarado nulo, o Código de Processo
Penal sufraga o entendimento de que a supressão de efeitos
do ato defeituoso depende de manifestação judicial expressa
e fundamentada.
O conceito, desse modo, possibilita o acesso ao conheci-
mento por intermédio dos termos escolhidos pelo legislador
para comunicar o comando enunciado. Com efeito, conceito
é noção de natureza axiológica, valorativa, seletora de pro-
priedades dos predicados (termos) que a ocorrência deve ter
para fazer parte da descrição típica. O conceito legal deve
ter seus elementos compatibilizados com os que constituem
o núcleo constitucional de processo penal contemplado pela
Constituição de 19888.
Daí que o conceito é mais abrangente que a definição. A
definição tende a estabelecer limites, dar-lhe contornos, im-
por diferenciações e assim agregar mais conotação a um certo
conceito, estabelecendo, inclusive, classes, tal como se dá com
a distinção doutrinária e jurisprudencial nulidade absoluta e
nulidade relativa.
Em outras palavras, definir é operação de natureza lógi-
ca, delineadora de limites, fronteiras, lindes que isolam o âm-
bito de irradiação semântica de um conceito, ideia ou noção,
dando-lhe identidade, para que o discurso se construído de
forma coerente.
Para estabelecer definição e classificação das nulidades,
quatro regras devem ser seguidas, conforme explicita Paulo
de Barros Carvalho, notadamente: (1) proporcionalidade da
divisão, isto é, a extensão do termo divisível deve ser igual
ao somatório das extensões dos membros da divisão (em ou-
tros termos, a definição não pode suplantar o texto, devendo
nele encontrar sua base empírica); (2) coerência de critério,
8. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Disponível em: .br/Ccivil_03/Constituicao/Consti-
tuicao.htm>. Acesso em: 14 jan. 2015.
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sem mesclar métodos que resultem na criação de um critério
novo; (3) os membros da definição e divisão devem ser mutu-
amente excludentes, ou seja, sem que se sobreponham e com-
prometam a utilidade da classificação; e (4) a divisão classifi-
catória deve cuidar para não incorrer em saltos, com a criação
de abismos e de pontos não abrangidos, vale dizer, deve fluir
ininterruptamente9.
Volvendo para os requisitos para a edição de um conceito,
albergados pelo Código de Processo Penal, é possível elucidar
definição de “nulidade” que seja referência para o desenvol-
vimento do estudo. Para tanto, não se prescinde do método
dialético comparativo, com o cotejo das definições propostas
pela doutrina. Ademais, é importante considerar o conceito
consignado no Projeto de Código de Processo Penal para o
fim de se adotar terminologia coerente e que desempenhe a
função de garantia das nulidades em matéria criminal.
1.2 Tentativas definitórias
1.2.1 Divergências em torno da escolha do uso do termo
“nulidade”
O termo nulidade não é utilizado pelo legislador de ma-
neira uniforme. O Código de Processo Penal menciona nuli-
dade, em regra, como defeito, vício, ato processual atípico, tal
como se vê nos seus artigos 563 e 564. No entanto, os enun-
ciados são ambíguos, induzindo que a nulidade é também
sanção, quando fala em “declaração de nulidade”, valendo-se
do mesmo rótulo “nulidade” para qualificar o ato processu-
al expurgado. Como exemplo, o artigo 567, do Código, dispõe
que “a incompetência do juízo anula somente os atos decisó-
rios”, como se a incompetência tivesse o condão de dirigir a
9. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São
Paulo: Noeses, 2013. p.120.
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atividade de anular, malgrado explique em sua segunda parte
o processo deve, “quando for declarada a nulidade, ser reme-
tido ao juiz competente”10.
A distorção legislativa, aliada à falta de precisão dos
predicados eleitos pelo legislador, repercutem na doutrina
processual penalista, que evidencia relevantes divergências,
mormente quando se vê que não há tomada de consciência
quanto à natureza da definição, vale dizer, se semântica, sin-
tática ou pragmática11.
Predicado é o termo, ou seja, um nome, no caso, a nuli-
dade. Cuida-se de uma palavra tomada voluntariamente para
designar objetos e seus atributos, em certo contexto comu-
nicativo. A comparação das definições de nulidade seguirá a
lógica dos termos ou lógica dos predicados, consistente no es-
tudo da composição interna dos enunciados simples e, no seu
interior, na análise dos termos sujeito e predicado que com-
põe a oração12.
1941. Disponível em: .br/ccivil_03/decreto -lei/del3689.
htm>. Acesso em: 14 jan. 2015.
11. A partir das ideias de Kant, Charles S. Peirce pondera que o pragmatismo ob-
serva que há divergências de entendimento acerca do teor que se atribui aos fatos.
Os intérpretes “ou atribuem sentidos diferentes às mesmas palavras, ou então um
dos dois lados (ou ambos) usa uma palavra sem um sentido definido. O que se pro-
cura, portanto, é um método que determine o significado real de qualquer conceito,
doutrina, proposição, palavra ou outro signo. O objeto de um signo é uma coisa: seu
significado, outra. Seu objeto é a coisa ou a ocasião, ainda indefinida, à qual ele
deve aplicar-se. Seu significado é a ideia que ele atribui aquele objeto, quer através
de mera suposição, ou como uma ordem, ou como uma asserção”. Relacionando a
noção de objeto aos aspectos semânticos, sintáticos e pragmáticos, Peirce anota que
“toda ideia simples compõe-se de uma dentre três classes; e uma ideia composta é
predominantemente, na maioria dos casos, uma das classes”. Arremata o autor que
“o pragmatismo não se propõe a dizer no que consiste os significados de todos os
signos, mas, simplesmente, a estabelecer um método de determinação dos signifi-
cados dos conceitos intelectuais, isto é, daqueles a partir dos quais podem resultar
raciocínios” (PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução: José Teixeira Coelho
Neto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.193-194).
12. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São
Paulo: Noeses, 2013. p.117.
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1.2.2 Concepções doutrinárias
Neste tópico, serão analisadas formas de uso do termo
nulidade. Ao lado do aspecto semântico, serão alinhadas as
definições sintáticas e pragmáticas, assim classificadas a par-
tir do cotejo doutrinário. O objetivo é verificar divergências e
coincidências, buscando dar utilidade à dificuldade de unifor-
mização do assunto. O ponto de fundamentação constitucio-
nal é o pilar de referência para essa atividade.
1.2.2.1 Nulidade como sanção jurídica
Eugênio Pacelli entende que nulidade é sanção jurídica,
que retira os efeitos do ato nulo ou que lhe limita a eficácia,
não integrando o ato. Explica que a “declaração de nulidade”
é “a consequência jurídica da prática irregular de ato proces-
sual, seja pela não observância da forma prescrita em lei, seja
pelo desvio de finalidade surgido com a sua prática”. Nessa
linha, “a desconformidade do ato com a forma prevista em lei
implica, por primeiro, a sua irregularidade”. A nulidade, sob
esse ponto de vista, não é em si mesma, isto é, só por conta do
ato irregular13.
Sob perspectiva semelhante, Paulo Rangel entende por
nulidade não o vício que inquina o ato, porém “a sanção que
se aplica ao ato viciado, em desconformidade com a lei. A nuli-
dade é a consequência da prática do ato em desconformidade
com a lei e não a desconformidade em si”. Nessa esteira, cha-
ma-se ato nulo aquele que já foi sancionado com o “reconhe-
cimento judicial de invalidade”14.
Fernando da Costa Tourinho Filho difere dois momentos:
a atipicidade enquanto vício do ato processual e a nulidade
13. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p.898.
14. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p.939-941.
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como sanção. Segundo o jurista, os atos realizados dentro do
processo devem ser produzidos conforme a lei, caracterizan-
do a denominada tipicidade do ato processual. De outro lado,
a atipicidade do ato processual pode causar-lhe a nulidade
(absoluta ou relativa) ou a mera irregularidade. Nessa esteira
de raciocínio, “a nulidade é a sanção decretada pelo órgão ju-
risdicional em relação ao ato praticado com inobservância dos
parâmetros normativos. Nulo é o ato imperfeito, defeituoso,
atípico, a que se aplicou a sanção de ineficácia”15.
De outro lado, Renato Brasileiro de Lima compreende
nulidade “como espécie de sanção aplicada ao ato processual
defeituoso, do que deriva a inaptidão para a produção de seus
efeitos regulares”. Em outros termos, sustenta que, “como
desdobramento natural da fixação de regras para a prática de
atos processuais, apenas aqueles realizados em consonância
com tal modelo serão considerados válidos perante o ordena-
mento jurídico e idôneos a produzir os efeitos almejados16. É,
aliás, concepção sufragada por outros autores17.
Assim se manifestam Pedro Dermecian e Jorge Maluly,
referindo a nulidade como consequência jurídica da atipicida-
de18. Da mesma forma Jaques Penteado, que aduz que “a nuli-
dade é a sanção jurídica aplicável ao ato que não se construiu
segundo o padrão legal estabelecido. A finalidade precípua é
a realização da justiça criminal de forma justa, da qual o ins-
trumento é o processo”19.
15. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2003. p.450.
16. LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói: Impetus, 2013.
p.1578.
17. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues de. Curso de direito processual
penal. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p.1203.
18. DERMECIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal.
9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p.721.
19. PENTEADO, Jaques de Camargo. Manual de processo penal. São Paulo: RT,
2013. p.331.
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No direito processual penal argentino, Gabriel Giulio
cataloga nulidade enquanto espécie de sanção processual
que recai sobre o ato processual que refoge ao padrão legal.
Dentre duas acepções que anui serem possíveis (nulidade
como ato sancionável e nulidade como sanção), o processua-
lista conclui ser melhor limitar sua abrangência para o fim de
ser entendida apenas como sanção20.
José Joaquim Calmon de Passos, em trabalho que se in-
sere na teoria geral do processo, com ênfase no processo ci-
vil, explicita que, no gênero invalidade, o que se denomina
de nulidade pode ser traduzir “na retirada da eficácia do ato
maculado por sua imperfeição relevante”. Como se depreen-
de, o processualista tem concepção que aproxima nulidade de
sanção21.
1.2.2.2 Nulidade como defeito do ato processual
Hélio Tornaghi, aproximando-se do direito privado, assi-
mila a noção de nulidade àquela do ato nulo de pleno direito.
Segundo essa concepção, “ato nulo é aquele que não produz
efeitos até que seja convalidado. Se não for convalidável, se o
mal for incurável, não produzirá efeitos nunca”. Distinguindo
inexistência de anulabilidade, o autor entende que “a eficácia
do ato nulo é sujeita a condição suspensiva. Essa é por vezes
possível (nulidade relativa) e de outras impossível (nulidade
absoluta)”22.
A propósito, sobre a “existência do processo”, Afrânio
Silva Jardim se filia ao entendimento de que ela tem relação
com os pressupostos processuais, por serem, na realidade, a
20. GIULIO, Gabriel H. Di. Nulidades procesales. Buenos Aires: Hammurabi, 2005.
p.119.
21. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplica-
das às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.125.
22. TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal: volume 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva,
1989. p.294.
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energia constitutiva do processo e, de conseguinte, dos atos
processuais que o formam. De tal modo, os pressupostos pro-
cessuais só são, segundo essa concepção, os de existência.
Faltando pressuposto processual, decorre a inexistência do
processo e, naturalmente, dos atos que o constituem. Daí que
o autor refuta a noção de “pressupostos processuais de vali-
dade”. Justifica, ademais, que, “em verdade, os atos proces-
suais, mesmo quando praticados contra vedação expressa da
lei, enquanto não desconstituídos, produzem efeitos jurídicos
no processo, efeitos estes que o manto protetor da coisa jul-
gada (no processo penal, só para a acusação, torna perenes”.
E mais adiante o processualista classifica como “condição”
para o desenvolvimento regular do processo aqueles requisi-
tos que a doutrina geralmente insere no rótulo “pressuposto
processual de validade”. A conclusão do autor se sustenta lo-
gicamente quando esclarece que “mesmo quando se invalida
o primeiro ato do processo, terá havido relação processual ao
menos para o reconhecimento da nulidade ab initio”. Nessa
senda, a condição necessária para que a relação jurídica pro-
cessual se “desenvolva”, ainda que defeituosa, “é a inexistên-
cia de decisão judicial invalidando algum ato do processo”. De
outra parte, é condição para que tal desenvolvimento se dê
de forma “regular”, que os atos processuais sejam “válidos”,
assim considerados quando, estando de acordo com a norma,
“não podem ter a sua eficácia retirada pela decisão judicial”23.
Sob outro prisma, discernindo as noções de atos nulos,
anuláveis e irregulares, José Frederico Marques aduz que o
“ato nulo é um ato atípico, imperfeito e ineficaz”. Com essa
ideia, defende que falta a tal ato formalidade essencial, isto é,
não há nele a “adequação ao modelo que a lei traçou, porque,
ao contrário disso, o que se verifica é que foi ele praticado em
dissonância com a norma processual”24.
23. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p.56-67.
24. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal: volume II. 2.
ed. Campinas: Millennium, 2000. p.496.
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Com pensamento equivalente ao que vê nulidade como
defeito, Vicente Greco Filho assenta que se trata de “uma qua-
lificação dos defeitos, mais ou menos graves, do ato e que vão
influir no regime jurídico da decretação de sua invalidade”.
Os efeitos que decorrem da nulidade somente se produzem
após o seu reconhecimento judicial25. Fernando Capez segue
a mesma ideia ao dizer que “nulidade é um vício processual
decorrente da inobservância de exigências legais capaz de in-
validar o processo no todo ou em parte”26.
Denilson Feitoza, a seu turno, compreende que “a nuli-
dade é defeito do ato processual ou do processo, que pode ter
como sanção a ineficácia”. Nesses termos, o processualista vê
nulidade enquanto “característica, qualidade, do ato proces-
sual ou do processo, enquanto a ineficácia é a sanção aplicada
pela inobservância da forma prescrita em lei”27.
Também Ricardo Perlingeiro Silva, sob a ótica processu-
al civil, segue essa senda, destacando que embora se diga que
do nulo nada se extrai, tal conclusão, no âmbito processual,
carece de plausibilidade, pois são inúmeros casos que podem
ser dados “quanto à eficácia de atos processuais nulos”28. Não
há discrepância na argumentação de Adrio Giovannoni que,
apartando nulidade de inexistência, considera os atos proces-
suais como viciados de nulidade29. Identicamente, Augusto
Mario Morello, ao defender que toda nulidade, no processo, é
sempre relativa30.
25. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p.286.
26. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
p.603.
27. FEITOZA, Denilson. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 6. ed. Ni-
terói: Impetus, 2009. p.1006.
28. SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Teoria da inexistência no direito proces-
sual civil. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p.29.
29. GIOVANNONI, Adrio. Los vicios formales en la realización del acto procesal. In:
Estudios de nulidades procesales. Adolfo Alvarado Velloso (org.). Buenos Aires:
Hammurabi, 1980. p.76.
30. MORELLO, Augusto Mario. Las nulidades procesales. Hacia una interpretación
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No âmbito do direito privado, Pontes de Miranda aviva
que a nulidade é “a qualidade mais pejorativa que pode ter o
ato jurídico, por lhe faltar, no suporte fático, certo elemento de
grande relevância, tornando-o deficitário, ou por haver pre-
sença de elemento que a tal ponto o corrói”, referindo-se ao
ferimento de regra jurídica que disponha sobre a forma do ato
ou mesmo a ilicitude do seu objeto31. Essa concepção se filia à
corrente que entende nulidade enquanto espécie de defeito.
A sanção é a desconstituição do ato que, em processo penal,
deve ocorrer por ato do juiz.
Guilherme de Souza Nucci também equipara nulidade
a defeito processual, averbando que nulidades “são os vícios
que contaminam determinados atos processuais, praticados
sem a observância da forma prevista em lei, podendo levar à
sua inutilidade e consequente renovação”32. Norberto Avena,
embora refira às diversas vertentes acerca da definição de
nulidade (vício processual, sanção ou vício e sanção), argu-
menta que nulidade lato sensu é vício que pode atingir um ato
processual33.
Já Teresa Wambier cataloga mais aspectos inerentes à
vertente da nulidade como defeito, vício, descrevendo que
“nulidade é um conceito tipicamente abstrato e diz respeito a
um quid que afeta os atos processuais”, comportando, funda-
mentalmente, três aspectos. O primeiro é “a causa formal da
nulidade, seu elemento constitutivo, o vício ou o defeito que
a produz”, sendo, para a autora, o ponto de maior interesse.
O segundo é “o estado de nulidade, ou seja, o que distingue o
dinámica funcional. In: Estudios de nulidades procesales. Adolfo Alvarado Velloso
(org.). Buenos Aires: Hammurabi, 1980. p.157.
31. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: par-
te geral: tomo IV: validade, nulidade, anulabilidade. Campinas: Bookseller, 2000.
p.77-78.
32. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6. ed.
São Paulo: RT, 2010. p.816.
33. AVENA, Norberto. Processo penal: esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método, 2009. p.836.
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ato nulo dos demais, atual ou potencialmente”, referindo-se
“ao modo de ser nulo”. O terceiro consiste na “consequência
da nulidade”, vale dizer, “o desaparecimento dos efeitos pro-
duzidos pelo ato, ou seja, a ineficácia”34.
Destacando as dificuldades acentuadas em se definir
nulidade, Heráclito Mossin enxerga nulidade como defeito.
Deveras, arremata o processualista penal que “nulidade é a
falta de observância das fórmulas legais capaz de tornar sem
eficácia um ou mais atos processuais, o processo ou a relação
jurídico-processual”35.
Também assimilando definição próxima do gênero defei-
to processual (ilícito), Tácio Lacerda Gama aventa que nuli-
dade “é expressão geral para nominar ilícitos monogenéticos
no plano dogmático”. No entanto, procura estabelecer distin-
ções, classificando o fenômeno representado pelo termo. De
tal sorte, averba que nulidade “pode ser entendida em sua
acepção lata, compreendendo todas as modalidades de ilícitos
monogenéticos, assim os formais como os materiais”. De ou-
tro lado, pondera que, em stricto sensu, nulidade é “ilícito na
prática de atos processuais, de forma ou conteúdo”. Destaca,
todavia, o aspecto sancionatório do termo, ao afirmar que,
“noutra acepção, pode ser tomado como a consequência ou
efeito da ilicitude na criação de normas, daí a possibilidade
de, por exemplo, ver-se reconhecida de uma norma, mas se
discutir se haverá ou não pronúncia de nulidade”36.
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho
e Antonio Scarance Fernandes elegem o termo nulidade como
qualificador negativo do ato processual eivado de atipicidade
(ato nulo). Em outras palavras, os autores entendem nulidade
34. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed.
São Paulo: RT, 2007. p.160.
35. MOSSIN, Heráclito Antônio. Nulidades no direito processual penal. 3. ed. Barue-
ri: Manole, 2005. p.61.
36. GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p.LII.
Teoria da Nulidade.indb 25 29/08/2016 22:17:00
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
como defeito processual. Pode-se afirmar, nessa esteira, que
a nulidade adjetiva o ato processual imperfeito que “por falta
de adequação ao tipo legal pode levar ao reconhecimento de
sua inaptidão para produzir efeitos no mundo jurídico”. A in-
validade seria o momento seguinte à verificação de nulidade,
sempre dependente de reconhecimento judicial expresso37.
Há possibilidade de incluir os autores dentre aqueles
que enxergam nulidade como motivo da imperfeição do ato
processual, bem como expressão das respectivas consequên-
cias dessa imperfeição, como apontam Aramis Nassif e Samir
Hofmeister, considerando que tal corrente apõe à nulidade
dupla natureza38. As dificuldades de precisão dos contornos
do conceito de nulidade decorrem da ambiguidade da expres-
são. Como se depreende, a plurivocidade de sentido pode pro-
vocar o uso de termo com funções distintas, inclusive num
mesmo texto doutrinário.
A seu turno, Paulo Fernandes e Geórgia Bajer discordam
da ideia de nulidade como sanção. Conforme defendem, “os
processualistas modernos não dão às nulidades as caracte-
rísticas de sanções. Para eles nulidade quer dizer ineficácia.
Nulidade, modernamente, é o efeito ou consequência da falta
de cumprimento das disposições legais. É inexata, portanto,
a expressão “sob pena de nulidade”, empregada no jargão fo-
rense”. Os processualistas filiam-se à posição que vê nulidade
como defeito que precisa ser sopesado para dimensionar sua
consequência, apta a retirar do ato ou processo o seu valor e,
desse modo, acarretar-lhe a invalidade, no todo ou em parte39.
37. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNAN-
DES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: RT, 2011.
p.20-21.
38. NASSIF, Aramis; NASSIF, Samir Hofmeister. Considerações sobre nulidades no
processo penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.20.
39. FERNANDES, Paulo Sérgio Leite; FERNANDES, Geórgia Bajer. Nulidades no
processo penal. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.30-31.
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27
TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
Em certa medida, essa concepção encontra respaldo
nas lições consubstanciadas na “Teoria Tridimensional do
Direito”, de Miguel Reale, enxergando que os preceitos ob-
jetivam a realização do valor-fim do direito, enfatizando o
direito como resultado da experiência. O direito processual
penal não se afasta dessa concepção, notadamente porque, na
persecução penal estatal, o juiz, sendo o órgão a quem com-
pete chancelar a validade ou a invalidade de um ato jurídico,
deve observância a um complexo de elementos que informam
sua atividade. Como explica o filósofo, a regra jurídica tem o
poder de obrigar, “primeiro, em virtude de seu fim ou de sua
conformidade com o valor fim do Direito; segundo, por motivo
de sua racionalidade ou conformidade racional com as situa-
ções objetivas (causas intrínsecas)”. Ainda, a regra tem força
coercitiva em virtude de “sua proveniência como ordem de
uma autoridade legítima”. Com essa argumentação, conclui
Miguel Reale que não é indo além do sistema jurídico, porém
é na mesma ordem jurídico positiva que é possível “encontrar
a integração fato-valor-norma à qual corresponde esta outra:
eficácia social, validade ética, validade técnico-jurídica”. A le-
gislação posta deve apresentar tais requisitos, exprimindo o
que o autor denomina de “valor racional de justiça”, sendo
emanada de uma autoridade competente e com “real aplica-
ção por parte dos sujeitos”40.
Citando correntes doutrinárias conflitantes e vez por
outra realçando a noção de ato jurídico viciado (inexistente,
irregular e nulo), enquadrado no gênero atipicidade, Aramis
Nassif e Samir Hofmeister reputam que nulidade é sanção
pela ineficácia. Explicam que “a função da nulidade-sanção
não é a de assegurar o cumprimento das formas por si e em si
mesmas, mas de manter sua teleologia, qual seja, alcançar os
fins das formalidades previstas em lei”41.
40. REALE, Miguel. Fundamentos do direito: contribuição ao estudo da formação,
da natureza e da validade da ordem jurídica positiva. São Paulo: RT, 1940.
p.314-315.
41. NASSIF, Aramis; NASSIF, Samir Hofmeister. Considerações sobre nulidades no
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
Por derradeiro, sob perspectiva crítica que acusa a im-
prestabilidade da categoria “nulidade relativa” para o direito
processual penal, em face de chancelar o “punitivismo”, Aury
Lopes Júnior sublinha que “nulidade mesmo só existirá nos
casos de atipicidade insanável e relevante”. Daí que o mais
importante, segundo o processualista, “é a conjunção dos
conceitos de defeito e possibilidade/impossibilidade de sanea-
mento pela repetição”. Nessa vertente, sustenta que o nulo é
defeito que nega a validade42.
1.2.2.3 Nulidade como ato jurídico inválido
Ricardo Jacobsen Gloeckner realça quatro concepções
de nulidade defendidas doutrinariamente: (1) como vício do
negócio jurídico processual penal; (2) como sanção processu-
al; (3) como ato jurídico inválido; e (4) como tipo processual
e constitucional. O autor declara preferência pela teoria da
nulidade enquanto ato jurídico inválido, ou seja, concepção
que lhe atribui a mácula da invalidade. Conforme leciona, tal
teoria “está associada aos direitos fundamentais do acusado”
e “a ineficácia é a consequência que permite o desfazimen-
to do ato afetado pelo vício de validade”. Sua conclusão é de
que “a nulidade corresponde à inadequação do ato ao modelo
normativo, correspondendo tal anomalia à invalidade. Esta
invalidade precisa ser declarada judicialmente. Como conse-
quência, a retirada dos efeitos do ato inválido constitui-se não
no plano normativo, mas empírico”43.
A distinção de tal concepção (nulidade como ato jurídi-
co inválido) e a outra abordada antes (nulidade como defeito
do ato processual) é bastante tênue. A importância da última
processo penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.20-21.
42. LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional: vo-
lume II. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.429.
43. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no processo penal: introdução prin-
cipiológica à teoria do ato processual irregular. Salvador: Juspodivm, 2013.
p.328-331.
Teoria da Nulidade.indb 28 29/08/2016 22:17:00
29
TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
consiste em determinar proteção maior aos direitos funda-
mentais em jogo no processo. No entanto, do ponto de vista
lógico, não há justificativa para apartar tais teorias, haja vista
que ambas pressupõem um vício do ato processual, caracteri-
zado pela nulidade, vale dizer, um defeito, uma mácula.
Por outro lado, equiparar nulidade e invalidade, como
se esta fosse o consequente necessário, mas que depende de
ato judicial que a declare é incoerente logicamente. Isso por-
que se depende de manifestação judicial, não parece razoável
querer equiparar ambos os momentos.
1.2.2.4 Nulidade como sanção e como defeito
Edilson Mougenot Bonfim, seguindo posição eclética, as-
senta que a nulidade deve ser entendida sob duplo aspecto,
vale dizer: (a) “como vício ou defeito de que padece o ato pro-
cessual atípico, isto é, praticado em desconformidade com as
prescrições legais”; e (b) “como sanção imposta judicialmen-
te, invalidando o ato processual e lhe retirando determinados
efeitos jurídicos”44.
De maneira análoga, Julio Fabbrini Mirabete explica que
nulidade consiste, “sob um aspecto, vício, sob outro, sanção,
podendo ser definida como a inobservância de exigências le-
gais ou uma falta ou falha ou imperfeição jurídica que invalida
ou pode invalidar o ato processual ou todo o processo”45.
Inserindo-se na corrente híbrida, Lúcio Constantino, de-
pois de conceituar como defeito cuja consequência é prejuí-
zo, assevera que “a natureza da nulidade depende do prisma
de visão”. Enfatiza assim que se a nulidade for examinada
“apenas como vício (qualidade), sua natureza jurídica será
de imperfeição”. Entrementes, se for apreciada “como efetiva
44. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.589.
45. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.591.
Teoria da Nulidade.indb 29 29/08/2016 22:17:00
30
ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
decretação de invalidade (consequência), sua natureza jurídi-
ca será de sanção”46.
Sob o prisma da lógica e do viés pragmático da nulidade,
Torquato Castro Júnior parte da premissa de que, “se nulifi-
car é negar efeitos, a norma que determina a nulidade poder-
se-ia expressar como uma forma inversa do modus ponens”,
sem que contudo se permita uma tautologia, “à diferença do
que ocorre com o modus tollens” (note-se que modus ponens é
modo lógico afirmativo de um consequente, enquanto o mo-
dus tollens é uma forma lógica que nega o consequente). A
norma que ordena a nulidade, para o autor, não é uma lei ló-
gica necessariamente verdadeira. Não chega a ser uma tau-
tologia porque a verificação da falsidade do antecedente, na
sua relação intermediada pelo condicional, não determina de
forma inexorável a falsidade do consequente. Eis, neste pon-
to, o campo da pragmática da teoria das nulidades. Isso por-
que o fato que é objeto de incidência da norma não é o que
nasce nulo, porém poderá ser o ato que o tem por suporte.
Abordando as nulidades na perspectiva civilista, o autor se-
gue doutrina que distingue os dois modelos lógicos possíveis
para o fim de representar logicamente o fenômeno: (1) “o pri-
meiro corresponde à hipótese de a nulidade ser irrelevância
e inqualificazione” (algo similar à nulidade como defeito); e
(2) “o segundo funda a nulidade como negação da relevância
própria do ato. Em vez de uma não qualificação, ter-se-ia uma
desqualificação” (esta última mais adequada à concepção de
nulidade como sanção). De acordo com essa posição (aqui
enquadrada como mais próxima da eclética), não há que se
estranhar, sob a perspectiva da pragmática, a suposição dou-
trinária de que haveria um aspecto paradoxal no segundo mo-
delo. Isso porque o alegado paradoxo “só se configura se se
tiver presente a pressuposição de que o mecanismo das nuli-
dades é determinado por uma única norma. Se o mecanismo
46. CONSTANTINO, Lúcio Santoro de. Nulidades no processo penal. 3. ed. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2008. p.29-31.
Teoria da Nulidade.indb 30 29/08/2016 22:17:00
31
TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
funciona por meio de muitas normas distintas, não há parado-
xo, o que parece ser o caso”47.
1.2.2.5
Nulidade como providência saneadora do sistema
jurídico
Fundamentando a noção de que forma é garantia, bem
como salientando a necessidade de uma teoria geral das inva-
lidades comprometida com a efetividade dos direitos funda-
mentais postos na Constituição e com a redução da comple-
xidade, Elmir Duclerc defende a desvinculação dos conceitos
de defeito e sanção, como atrelados à nulidade. Isso porque
a sanção responde de forma precária à função das formas
processuais. O foco, nesse diapasão, deve ser voltado para a
atividade judicial que é ativada pelo sinal de descumprimen-
to de um princípio, de maneira reparadora. Isso quer dizer
que só em último lugar terá cabimento a forma sancionadora.
Para o processualista, a nulidade é a providência judicial de
saneamento que é levado a cabo pelo juiz diante do desaten-
dimento de algum requisito para a prática do ato processual
que, ao final, tenha ferido princípio constitucional. Em outros
termos, de um lado se tem a atividade processual defeituosa e,
de outro, sua invalidade por meio de providência do sistema
jurídico que restabeleça o princípio lato sensu pela atuação do
juiz48.
1.2.2.6 Nulidade como tipo processual e constitucional
Gustavo Badaró, sublinhando que “a tipicidade das for-
mas é uma garantia para as partes e para a correta prestação
47. CASTRO JÚNIOR, Torquato da Silva. A pragmática das nulidades e a teoria do
ato jurídico inexistente: reflexões sobre metáforas e paradoxos da dogmática priva-
tista. São Paulo: Noeses, 2009. p.115-119.
48. DULCLERC, Elmir. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
p.562-563.
Teoria da Nulidade.indb 31 29/08/2016 22:17:00
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
jurisdicional”, vê a nulidade enquanto espécie de atipicidade
do ato processual, isto é, como defeito, vício que, para deixar
de produzir efeitos no processo, carece de “pronunciamento
constitutivo pelo magistrado”49. Embora não seja expresso, a
argumentação do autor conduz à ilação de que considera nu-
lidade como atrelada aos tipos processuais e constitucionais
protetivos das garantias individuais, mormente quando dá
ênfase à “tipicidade das formas”.
1.2.3 Concepções de nulidade fundamentadas nas ciên-
cias da linguagem
As controvérsias em volta do termo “nulidade” são de di-
versas ordens. A importância de esclarecimento do termo e de
adequação forma de seu uso é evidenciada tanto quando são
comparadas as definições, quanto pela divergência jurispru-
dencial que se constata pela pesquisa a repertórios de julga-
dos. A elucidação para a escolha do uso da expressão passa
pelas perspectivas semântica, sintática e pragmática, ou seja,
como na linguagem adotada por Tácio Lacerda Gama, o per-
curso para o esclarecimento da nulidade processual penal en-
volve, respectivamente, o sentido, a estrutura e a função50. O
presente trabalho propõe, ademais, como se verá, a adoção
da teoria convencionalista51 para o fim de se extirpar falta de
critério quanto ao uso da palavra “nulidade”, um dos fatores
da insegurança nessa seara.
1.2.3.1 Concepção semântica
A concepção semântica se refere ao sentido da norma
que define a nulidade processual penal, como é representada
49. BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito processual penal: tomo II. 2. ed. Rio de Ja-
neiro: Elsevier, 2009. p.227-229.
50. GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p.XXXVII.
51. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Efeito vinculante e concretização do direito. Por-
to Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009. p.39.
Teoria da Nulidade.indb 32 29/08/2016 22:17:00
33
TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
a nulidade processual. Nessa esteira, nulidade é norma que
descreve ato processual eivado de uma qualificação negati-
va, notadamente porque a sua prática em descompasso com a
forma estabelecida em lei é capaz de tornar ineficaz o direito
protegido pela norma que determina a feitura do ato proces-
sual com a presença de seus requisitos essenciais e acidentais.
A ótica é o teor pejorativo que recai sobre o ato processual pe-
nal, expressando uma imperfeição processual que pode exigir
refazimento, evidenciando maior ou menor gravidade do de-
feito do ato processual penal.
1.2.3.2 Concepção sintática
Pode-se dizer que a concepção sintática é compreendida
como a estrutura que sustenta, no direito positivo, a norma
que descreve a nulidade processual penal. Entendendo nuli-
dade como ato processual eivado de atipicidade que necessita
de reconhecimento judicial, tem-se que a concepção sintática
definitória de nulidade deve considerar o sujeito processual
competente para declarar a existência de ato processual de-
feituoso, praticado em desconformidade com a Constituição
ou com a legislação.
Sob esse ponto de vista, nulidade é a norma processual
penal individual e concreta, emitida pelo juiz competente para
a condução do procedimento criminal, cuja fundamentação
passa da descrição da hipótese abstrata prevista no direito po-
sitivo ou em precedentes judiciais, para que, constando a ati-
picidade do ato processual (norma pressuposta, antecedente,
da nulidade processual), por meio de silogismo realizado pela
confrontação probatória linguística, declare, concretamente,
a existência do vício, reconhecendo-lhe a nulidade.
1.2.3.3 Concepção pragmática
A concepção pragmática engloba o aspecto da função da
norma que conclui pela nulidade processual penal. O sistema
Teoria da Nulidade.indb 33 29/08/2016 22:17:00
34
ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
jurídico prevê criação de norma declaratória de nulidade e, a
partir daí, outras normas se enlaçam como o objetivo de pro-
duzir maiores ou menores efeitos. Valverde, aliás, pondera que
quando se está formando a teoria da norma como meio de co-
municação, o plano pragmático é o de maior importância, eis
que a norma é tomada como relação interativa. Aqui a dogmá-
tica jurídica intenta constituir modelos empíricos que dão ên-
fase ao estudo da decisão jurídica, sendo o direito um feixe de
procedimentos para a tomada da decisão. De tal sorte, “a prag-
mática é um plano semiótico cuja análise é decisiva, sobretudo
porque é o plano responsável pela institucionalização das nor-
mas jurídicas”52.
Tercio Sampaio Ferraz Júnior, nessa seara pragmática, ex-
plica que normas jurídicas são compreendidas como “discursos,
portanto, do ângulo pragmático, interações em que alguém dá
a entender a outrem alguma coisa, estabelecendo-se, conco-
mitantemente, que tipo de relação há entre quem fala e quem
ouve”. Em outras palavras, o discurso normativo é não só for-
mado por uma mensagem, porém “por uma definição das posi-
ções de orador e ouvinte”53.
Bem apropriado nesse contexto é o Projeto de Código de
Processo Penal nº 156/200954, cujo enunciado do seu art. 154
pode ser base empírica para duas normas jurídicas: a primeira
que reconhece a nulidade; e a segunda que lhe aplica a invali-
dade. Isso porque o texto dispõe que “a declaração de nulidade
e a invalidação do ato irregular dependerão de manifestação es-
pecífica e oportuna do interessado, sempre que houver necessi-
dade de demonstração concreta de prejuízo ao regular e efetivo
exercício de direito ou de garantias processuais das partes”.
52. VALVERDE, Gustavo Sampaio. Coisa julgada em matéria tributária. São Paulo:
Quartier Latin, 2004. p.25.
53. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de prag-
mática da comunicação normativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.53.
54. BRASIL. Projeto de lei do Senado n. 156, de 2009. Disponível em:
senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=58827&tp=1>. Acesso em: 14 jan.
2015.
Teoria da Nulidade.indb 34 29/08/2016 22:17:00
35
TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
Como se depreende, a perspectiva pragmática define nu-
lidade como norma que, reconhecendo a atipicidade do ato
processual viciado, tem a função de produzir consequências,
com a construção de outras normas que implicam convalida-
ção, total ou parcial, ou invalidação, total ou parcial, de atos
processuais. Nesse ponto, tem-se a sede de predileção da
pragmática das nulidades, pois nem sempre há um desenvol-
vimento linear entre a norma que descreve a nulidade, reco-
nhecendo-a, e aquela outra norma que, pressupondo a nuli-
dade, faz incidir a invalidação de ato processual defeituoso.
Tercio Sampaio Ferraz Júnior elucida as relações possí-
veis na comunicação normativa quando aborda dois aspectos
da mensagem normativa: o aspecto-relato e o aspecto-come-
timento. Sob o ângulo pragmático, “a descrição da ação e a
descrição da condição da ação constituem o aspecto relato da
mensagem normativa”. No entanto, aqui não há exaurimento
da sua análise, já que “dela fazem parte o editor e o sujeito
mais a relação meta-complementar que entre ambos se esta-
belece”. O que denomina de “meta-complementaridade” tem
sua determinação ao nível do aspecto-cometimento do discur-
so, sendo prevista, na visão do autor, pelos operadores norma-
tivos. Decerto, “os operadores normativos têm uma dimensão
pragmática além da dimensão sintática, pelas quais, não só é
dado um caráter prescritivo ao discurso ao qualificar-se uma
ação qualquer, mas também lhe é dado um caráter meta-com-
plementar ao qualificar a relação entre emissor e receptor”.
Tais argumentos significam dizer que uma vez construída
uma norma (por exemplo, declaratória de nulidade de ato
processual), o editor (juiz), ao transmitir uma mensagem des-
crevendo a norma individual e concreta com referência a ato
processual atípico, para assim reconhecer a nulidade, “define
posições de tal modo que o endereçado assuma uma relação
complementar (meta-complementaridade)”55.
55. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de prag-
mática da comunicação normativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.55-56.
Teoria da Nulidade.indb 35 29/08/2016 22:17:00
36
ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
A norma declaratória de nulidade emite comando para
que o juiz construa outra norma, por exemplo, que declare
invalidado o ato processual reconhecido como nulo. A partir
dessa segunda mensagem normativa, o juiz pode tanto sim-
plesmente transmitir a mensagem, como pode, além disso, fa-
zer um comentário sobre ela, determinando o refazimento do
ato, ou aplicando o princípio da concatenação, para ordenar o
desfazimento de todos os atos processuais dependentes do ato
nulo.
Torquato Castro Júnior verbera que nulidade é, pragma-
ticamente, a negação do que foi proposto no ato jurídico pro-
cessual
56
. Tal abordagem considera a existência de “regras de
calibração” do sistema que, ao cabo, mitigam a causalidade
necessária entre norma primária e norma secundária, seguin-
do a função da causalidade enquanto postulado operacional.
Em outras palavras, o reconhecimento da nulidade processu-
al, com a descrição da norma declaratória da desconformida-
de, depende de vários fatores que, como regras de calibração,
podem ou não servir de suporte fático para que o juiz construa
a norma de invalidação, descrevendo seu espectro de alcance
relativamente aos atos processuais.
Esse enfoque pragmático é compatível com a noção de
que a relação processual é vínculo que se estabelece entre juiz,
autor e réu, sendo apta a criar uma série de relações sucessivas
que nascem com a produção normativa de nulidade processual
penal. Leva em conta, ademais que os órgãos protagonistas da
relação processual são centros parciais de imputação. No âm-
bito do reconhecimento da nulidade, a função da norma que
reconhece a nulidade será, na senda de Lourival Vilanova, o
estabelecimento de outros deveres positivos ou negativos para
os sujeitos processuais envolvidos na relação processual
57
.
56. CASTRO JÚNIOR, Torquato da Silva. A pragmática das nulidades e a teoria do
ato jurídico inexistente: reflexões sobre metáforas e paradoxos da dogmática priva-
tista. São Paulo: Noeses, 2009. p.234.
57. VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 2. ed. São Paulo: Sarai-
va, 1989. p.191-192.
Teoria da Nulidade.indb 36 29/08/2016 22:17:00
37
TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
1.2.4 Distinções do uso do termo “nulidade” na teoria
geral do direito
O presente tópico visa esclarecer a escolha do uso do ter-
mo “nulidade” como “norma jurídica”. O teórico do direito
poderia questionar: “como ‘nulidade’, algo que a priori ‘não é’
ou ‘não vale’, pode ser uma ‘norma jurídica’”? A perplexidade
aumenta se o teórico pretender inserir o fenômeno “nulida-
de” em um dos planos da teoria do fato jurídico (existência,
validade e eficácia). A polissemia do uso do termo agrava a
situação.
Por ora, importante apartar bem a noção de nulidade
como norma jurídica e nulidade como qualificativo de um ato
jurídico processual. Para alcançar tal objetivo, os estudos vol-
vidos para o direito privado serão tomados como parâmetro
para, dessa forma, reduzir o espaço de dúvida quanto ao uso
do termo.
De tal modo, note-se que ato jurídico processual nulo é,
sob esse enfoque, o ato que foi praticado de forma defeituosa,
em razão da aplicação deficiente de um comando legal. No
entanto, para o processo penal, será ele classificado quando o
juiz realizar outra atividade processual, constituindo a norma
jurídica primária da estrutura nulificadora.
1.2.4.1 Nulidade e os planos da existência, da validade
e da eficácia
Como foi verificado no item anterior, não há uniformida-
de doutrinária quanto ao uso dos termos que designam as ati-
picidades processuais penais e seus respectivos efeitos. A títu-
lo de exemplo, nulidade e invalidade são termos usados como
sinônimos ou para designar fenômenos diversos, o primeiro
perpassando os planos da existência e da validade, enquanto
o segundo repercutindo nos planos da validade e da eficácia.
Teoria da Nulidade.indb 37 29/08/2016 22:17:00
38
ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
Examinando requisitos do negócio jurídico na esfera do
direito civil, Antônio Junqueira de Azevedo observa a inde-
cisão da doutrina para classificar os elementos daquele fato
jurídico de forma a justificar os planos da existência, da va-
lidade e da eficácia (elementos essenciais, naturais e aciden-
tais). O autor propõe que o negócio jurídico, apreciado nos
três planos sucessivos de projeção, tenha sua composição des-
crita por: (1) elementos (constitutivos da parte mais complexa
do negócio jurídico); (2) requisitos (condições impostas para a
satisfação das finalidades); e (3) fatores (tudo o que contribui
para o alcance do resultado, sem fazer parte do negócio jurídi-
co). De tal sorte o autor pondera que são necessários elemen-
tos para que o negócio jurídico “exista”, requisitos para que
ele seja válido e fatores para que se torne eficaz58.
Na seara do direito processual penal, a nulidade se refere
aos elementos do ato processual penal. Como a documenta-
ção do ato processual penal já é apta a dotá-lo de todas as
condições para a produção de efeitos, o cerne dos fenômenos
classificatórios da atipicidade gira em torno da constituição
do ato processual e da sua aptidão para atingir as finalidades
determinadas pelo ordenamento jurídico.
Dessa maneira, a tripartição sugerida entre elementos,
requisitos e fatores não se ajusta perfeitamente ao direito
processual penal. Preferível adotar simplesmente elementos,
que se limitam a facilitar a classificação do vício para, a par-
tir daí, impingir o ato processual com a sanção de invalidade
(desfazimento), caso seja esta a consequência cabível. A divi-
são das espécies de elementos do ato processual penal será
constituída por: (1) elementos estruturais (cuja falta importa
inexistência jurídica); (2) elementos essenciais (cuja ausência
ou vício implica, em regra, nulidade absoluta); (3) elementos
acidentais (cuja falta indica nulidade relativa, como regra, ou
mera irregularidade).
58. AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficá-
cia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.29-30.
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39
TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
Como se vê, o direito privado se distancia do direito pro-
cessual penal, apesar de pontos de contato. A título de exem-
plo, tem-se a classificação que Marcos Bernardes de Mello faz
dos fatos jurídicos, denominando ato jurídico lato sensu aque-
le em que a vontade consciente é o elemento central do seu
suporte de fato. Tal ato jurídico em sentido amplo se biparte
em: (1) ato jurídico em sentido estrito; e (2) negócio jurídico.
Na teoria do autor, tais atos ainda se classificam, consoante a
esfera da Ciência Jurídica em que surgem, “em atos e negó-
cios jurídicos de direito privado ou público, de direito proces-
sual, constitucional, administrativo, civil, comercial e assim
por diante [...]”59.
1.2.4.2 Relação do termo nulidade com a categoria
norma jurídica
Nulidade, como atipicidade, pode se referir ao qualifica-
tivo do ato jurídico processual que não se ajustou ao modelo
legal/constitucional. No entanto, sempre envolve uma cons-
trução normativa. No direito processual penal, é certo que
existem hipóteses abstratas de nulidades, tais quais as do art.
564, do Código (norma jurídica abstrata). Tais nulidades, no
processo, só existirão, se vertidas em vernáculo, mediante re-
conhecimento judicial em ato fundamentado (norma jurídica
concreta). Considerando essa característica, é que este traba-
lho pondera que nulidade é norma jurídica concreta. Sem a
descrição do vício pelo juiz, reconhecendo a prática de um ato
jurídico processual atípico, não se deve falar em nulidade no
processo penal.
Essa concepção tem como premissa o fato de o direito se
inserir no âmbito da cultura, considerando, ademais, a fina-
lidade precípua do direito processual penal. Julio Mayer, de
modo semelhante, aduz que “por ser el derecho un fenómeno
59. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1997. p.2-3.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
cultural, la única manera de compreender su objeto, es acla-
rar su sentido, la función práctica (social) que cumple el fin
para el cual existe o es creado”60. Com essa ideia, o autor faz
menção a método tendente a se afastar do objeto do direito
processual penal para, assim se distanciado, compreendê-lo
melhor. A norma jurídica processual penal, seja a que reco-
nhece a atipicidade, seja a que determina a invalidação, é fru-
to de outras normas que ditam deveres ao funcionário estatal
(magistrado competente). Há pontos de contato com o cons-
tructivismo lógico-semântico61.
Ao tratar do fenômeno das nulidades, antes se está estu-
dando competência e procedimento para tomada de decisões
judiciais. Ainda é Julio Maier que anota que o funcionamento
do sistema do juiz se dá de forma análoga ao sistema do sú-
dito, haja vista que aquele também é um súdito do direito.
Daí arrematar que o juiz, chamado a decidir um caso, além
de avaliar o comportamento dos jurisdicionados e das normas
aplicáveis para dar solução ao caso, “investiga también si pue-
de decidirlo (competencia), por qué vía lo decidirá (procedi-
mento) y cuál es el acto que tiene valor de decisión, y para ello
refiere su comportamento futuro – antecipado mentalmente
– al conocimiento de enunciados normativos ya existentes”62.
1.2.4.2.1 Os conceitos de fato, ato e negócio jurídico e
sua relação com o conceito de nulidade
Marcos Bernardes de Mello não restringe a questão da
validade ao negócio jurídico. Ao revés, a partir da considera-
ção das vicissitudes que têm lugar no plano da validade dos
fatos jurídicos, entende ser imprescindível que os problemas
60. MAIER, Julio B. J. Derecho procesal penal argentino: 1a fundamentos. Buenos
Aires: Hammurabi, 1989. p.37.
61. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São
Paulo: Noeses, 2013.
62. MAIER, Julio B. J. Derecho procesal penal argentino: 1a fundamentos. Buenos
Aires: Hammurabi, 1989. p.46.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
relacionados ao que denomina “validade” sejam estudados
referentemente a todos os atos que possam ser atacados pela
sanção da invalidade. Daí arrematar que “nessa situação es-
tão todos os atos e negócios jurídicos, em todas as áreas do
direito. Não são apenas os negócios jurídicos que podem ser
válidos ou inválidos, mas também os atos jurídicos stricto sen-
su e aqueles outros, especiais, como os atos normativos”. Essa
concepção de validade e de invalidade é mais adequada ao
direito privado, razão pela qual se distancia, em parte, dos
propósitos do direito processual penal63.
Malgrado o autor sustente que a teoria do fato jurídico
proposta pode se amoldar ao direito processual, nota-se que
a atribuição da noção de validade é diversa da que se ado-
ta na presente obra. Isso pelo fato de o jurista entender que
validade é uma espécie de sanção ínsita à noção de defeito,
imposição que decorre da reação infalível do sistema, o que
não se dá no direito processual penal. No processo penal, di-
ferentemente, a atribuição da eiva da nulidade e respectiva
invalidação depende de um ato humano (juiz).
Nulidade processual penal só haverá quando for assim
declarada pelo magistrado competente para conduzir o pro-
cesso. Está ela posta em permeio aos planos da existência e
da validade. Isso porque se tem nesse estudo que nulidade é
um modo de atipicidade que, no processo, é reconhecida por
norma jurídica concreta, isto é, descrita pelo juiz. Em outras
palavras, a nulidade só existirá no processo quando o magis-
trado a reconhecer, dizendo ter sido praticado ato processual
de modo diverso do regulado pelo ordenamento jurídico. Há
nulidade no processo (de forma concreta) quando o juiz reco-
nhece que um ato jurídico processual está eivado de vício, em
virtude de incidência deficiente de outra norma jurídica que
preconiza o modelo daquele ato.
63. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1997. p.3-4.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
Já a invalidação e a convalidação se situam do plano da
validade para o plano da eficácia. De todo modo, para o pro-
cesso penal, não há produção ou supressão de efeitos proces-
suais penais sem que haja um dizer o juiz a respeito. Também
a invalidação e a convalidação são concebidas aqui com ênfa-
se na noção de norma jurídica. Não há, para o direito proces-
sual penal, a incidência de fenômenos sem que haja a respec-
tiva documentação. Tal versão em linguagem é o caminho do
abstrato ao concreto, vale dizer, o juiz faz incidir dispositivos
constitucionais e/ou legais de forma a delinear a hipótese abs-
trata e descrever a sua concreção.
1.2.4.2.2 Norma jurídica perfeita, norma jurídica im-
perfeita e a nulidade como norma reconhe-
cedora de deficiência de incidência de outra
norma jurídica
A norma jurídica se diz perfeita quando sua incidência
se verificou de maneira completa, com o preenchimento de
todos os seus elementos (estruturais, essenciais e acidentais).
Por outro lado, chama-se imperfeita a norma jurídica cuja in-
cidência ocorreu deficientemente por falta ou vício daqueles
elementos. Nesse contexto, nulidade é a categoria de atipici-
dade que se descreve a partir da verificação de ato processual
penal lavrado em desacordo com o ordenamento jurídico.
No direito processual penal clássico italiano, Franco
Cordero busca rigor no uso dos termos para designação de
fenômenos situados no plano da validade. Entrementes, a
terminologia por ele escolhida é diferente da convencionada
neste trabalho, não sendo, ademais, aplicada majoritariamen-
te pelos tribunais brasileiros. Não obstante, seu ponto de vis-
ta é também normativo, ao apontar que “in un ordinamento
chiuso le norme sono il solo criterio per valutare giuridica-
mente gli atti, i quali si dicono perfetti o imperfetti in quanto
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
corrispondano o meno alla rispettiva fattispecie”64.
De outra banda, Marcos Bernardes de Mello explica o
critério para a aferição da existência e da validade do fato
jurídico. Para tanto, fala o autor na noção de “formação do
suporte fáctico”, bipartindo, inicialmente, na possibilidade:
(1) de suficiência do suporte fáctico (quando surge o fato ju-
rídico, ingressando no plano da existência); e (2) de insufici-
ência do suporte fáctico (quando há óbice ao nascimento do
fato jurídico, não chegando o fato a existir juridicamente). Por
outro prisma, o suporte fáctico formado de modo suficiente
pode, todavia, ser deficiente (situando-se no plano da valida-
de ou da eficácia, em virtude: (1) de carecer de algum elemen-
to complementar; ou (2) de imperfeição de algum elemento
nuclear65.
A norma jurídica aplicada é o ponto de partida para clas-
sificar o ato jurídico processual. O grau de vício que recai
sobre o ato jurídico processual penal é mensurado de forma
comparativa. Vale dizer, é a constatação da suficiência dos ele-
mentos que integram o ato processual no confronto com as
normas jurídicas abstratas que regulam sua feitura que serve
de parâmetro para dizer se o vício se classifica como inexis-
tência jurídica, nulidade (absoluta ou relativa) ou irregulari-
dade. Para que seja feito tal reconhecimento, o juiz constrói
norma individual e concreta que cataloga o vício para prepa-
rar a edição da norma seguinte (invalidação ou convalidação).
Veja-se que Franco Cordero classifica diferentemente
os fenômenos em torno da nulidade. Explica que “l’invalidi-
tà consiste nella mancata corrispondenza dell’atto ala fattis-
pecie e questo è um fenômeno che non ammette distinzioni
qualitative”. De tal modo, sua concepção pressupõe várias
formas de invalidade: “le forme di invalidità identificabili nel
nostro ordenamento processuale sono l’inesistenza, la nullità,
64. CORDERO, Franco. Procedura penale. 7. ed. Milano: Giuffrè, 1983. p.841.
65. MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 7. ed.
São Paulo: Saraiva, 1995. p.69-71.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
l’inammissibilità dela domanda e l’inammissibilità dele pro-
ve”. Distingue também o que denomina de invalidade originá-
ria (intrínseca) e derivada (extrínseca ou por decorrência)66.
Enquanto este estudo faz uso do termo nulidade como
vício e invalidação como sanção, realçando a necessidade de
uma atuar descritivo do magistrado que conduz o processo,
aquele jurista se vale do vocábulo invalidade para se referir
a gênero, enquanto inexistência, nulidade, inadmissibilidade
da demanda e inadmissibilidade da prova seriam espécies da-
quela. Atrela, aliás, a gravidade da atipicidade à redução da
aptidão do ato processual para produzir efeitos (operativida-
de), sendo essa concepção mais apropriada ao direito privado.
Na perspectiva do direito processual brasileiro, a catego-
rização do ato processual viciado, por conta da sua formação
a partir de uma norma jurídica imperfeita (deficiência de in-
cidência), vai depender de decretação fundamentada do juiz.
Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e
Antonio Scarance Fernandes evidenciam essa necessidade
mesmo quando abordam o problema da ineficácia dos atos
processuais inconstitucionais, tratando-o como consequên-
cia. No dizer dos autores, “toda vez que houver infringência
a princípio ou norma constitucional-processual que desempe-
nhe função de garantia, a ineficácia do ato praticado em vio-
lação à Lei Maior será a consequência que surgirá da própria
Constituição os dos princípios gerais do ordenamento”67.
Em casos como tais, os princípios e as regras de sta-
tus constitucional são cogentes para o juiz, que deve se va-
ler da estrutura antecedente-consequente68. Consistem em
66. CORDERO, Franco. Procedura penale. 7. ed. Milano: Giuffrè, 1983. p.849-850.
67. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNAN-
DES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: RT, 2011.
p.24.
68. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 5. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.218-219; KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e
do Estado. Tradução: Luís Carlos Borges. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
p.42-45.
Teoria da Nulidade.indb 44 29/08/2016 22:17:00
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
comandos para que emita declaração de inexistência jurídica
do ato processual penal ou de sua nulidade absoluta e, a partir
daí, desconstitua seus efeitos (imposição de invalidação dos
atos viciados). É a interpretação que decorre da assertiva dos
autores: “mas o que vale salientar é que não pode haver me-
ras irregularidades sem sanção, quando se trate de infringên-
cia à norma-garantia”69.
1.3 A estrutura da norma jurídica declaratória de ati-
picidade processual penal
1.3.1 Formação do sentido da norma jurídica processual
penal e a função do enunciado prescritivo
Para chegar à definição, considerando os pontos comuns
expostos pelas diversas vertentes da doutrina, o marco teó-
rico a ser seguido é o que enxerga que as normas jurídicas
possuem a organização interna das proposições condicionais,
às quais estão atreladas consequências que decorrem da re-
alização de fatos. Norma é entendida como unidade de um
sistema, que é o todo unitário. O repertório é a composição
do sistema por suas partes e unidades. A estrutura é formada
pelas relações entre essas partes. Sobre construir a norma,
Paulo de Barros Carvalho delineia que se trata da operação
de “tomar os sentidos de enunciados prescritos no contexto
do sistema de que fazem parte. A norma é proposição prescri-
tiva decorrente do todo que é o ordenamento jurídico”70.
Dentre os possíveis significados para o termo “norma”,
Ricardo Guastini aviva que ela é habitualmente usada para
referir-se aos enunciados do discurso prescritivo. No entanto
69. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNAN-
DES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: RT, 2011.
p.25.
70. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São
Paulo: Noeses, 2013. p.137.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
realça que norma é termo cujo conteúdo não é definido uni-
formente, sendo possível indicar três sentidos: (a) como pres-
crição geral e/ou abstrato, bem como a preceitos singulares e
concretos; (b) como prescrições em sentido estrito (ordens)
ou como todo enunciado do discurso legislativo; e (c) como re-
ferência a enunciados ou a significados de enunciados71. Este
último teor da norma, enquanto resultado da interpretação do
órgão autêntico kelseniano72, serve de base para este estudo.
Sobre o ponto, Paulo de Barros Carvalho discerne que
“uma coisa são os enunciados prescritivos, isto é, usados na
função pragmática de prescrever condutas”; coisa diversa são
as normas jurídicas, “como significações construídas a partir
dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógi-
ca dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas
ou mais proposições prescritivas”73. O autor bem observa que
as construções de significados têm de partir de enunciados
linguísticos, ainda que exista uma forma direta e imediata de
produzir normas jurídicas (de um lado) e uma forma indireta
e mediata (de outro).
1.3.2 Percurso para definição de “nulidade” e sua
função classificatória de atipicidades
Colocada essa noção preliminar, calha revolver à de defi-
nição. Definir é estabelecer contornos, limites. A atividade de
definir não se esgota na delimitação do sentido e do alcance
do conceito genérico. Classificar é, sob essa ótica, também de-
finir, porquanto consiste na atividade de dividir, de traçar os
lindes da matéria bruta contida no conceito.
71. GUASTINI, Riccardo. Distinguiendo: estúdios de teoría e metateoría del dere-
cho. Barcelona: Gedisa, 1999. p.94.
72. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 5. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.394.
73. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São
Paulo: Noeses, 2013. p.129.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
Para definir corretamente, deve-se atentar que, ao esco-
lher um termo, um nome, ou seja, um predicado, melhor valer
de outro diverso para designar fenômeno que não é coinci-
dente com aquele para o qual foi eleita a primeira expressão.
De tal maneira, o trabalho parte da premissa de que “nulida-
de” é um dos termos utilizado pelo ordenamento jurídico para
designar defeitos de atos processuais penais.
Os atos processuais são documentações que resultam
de incidência de normas jurídicas. Sob certo prisma, é a des-
crição da concretização de uma ou mais normas jurídicas. A
atipicidade consiste na imperfeição do ato processual, cuja
declaração é indispensável para, se preenchidos os seus pres-
supostos, ser reconhecida a espécie de “nulidade”. Para tanto,
o juiz aplica outra norma jurídica, que autoriza tal proceder.
1.3.3 O texto legal prescritivo das formas processuais
penais e a estrutura da norma jurídica processual
penal reconhecedora de atipicidade
A atividade do juiz consistente em velar pela tipicidade
dos atos processuais é exercida mediante aplicação de nor-
mas jurídicas que, quando aplicadas, são ordens direcionadas
aos seus destinatários, inclusive ao próprio juiz.
Em apoio a essa constatação, Francesco Carnelutti pon-
tifica que “cada norma jurídica representa um comando hi-
potético: põe uma determinada situação (exatamente um
determinado conflito de interesses) e comanda relativamen-
te a ela”. A individualização da norma jurídica depende de
constatação de situação idêntica àquela colocada, para assim
“comandar no mesmo modo relativamente a ela; assim o co-
mando hipotético se torna comando real”. É essa verificação
de identidade (ou de diferença), relativamente à situação co-
locada pela norma, com a outra disposta na causa, que retra-
ta o objetivo do processo e o objeto do juízo, tratando-se de
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
raciocínio compatível com a visão das nulidades sustentada
nesse trabalho74.
No âmbito do direito penal, a doutrina busca distinguir
a norma jurídica proibitiva, aquela que prevê a conduta de-
lituosa (a infração penal). A lei penal descreve as condutas
ilícitas, tal qual o faz o art. 564, do Código de Processo Penal,
conquanto com técnica menos apurada. No processo penal,
contudo, as hipóteses que afastam o reconhecimento dos ví-
cios são mais fragmentadas. Também as regras que discipli-
nam a extensão ou a supressão dos efeitos de cada ato viciado
declarado inválido muito se afastam da sistemática das nor-
mas secundárias que apõem sanções para cada tipo penal.
Examinando a questão penal, Alberto Jorge Barros Lima
anota que a conduta criminosa não viola o enunciado do tipo
penal. Diversamente, o comportamento injusto imputado ao
agente “configura o preenchimento de seu tatbestand. A con-
duta delituosa viola a norma que cria o ilícito, não a norma
penal, que concebe o delito, pois o agente realiza exatamente
a ação que esta descreve”75.
Como a metodologia de aplicação do direito seguida nes-
te estudo é a de distinguir texto (enunciado legislativo) da
que lhe corresponde norma jurídica (produto da incidência),
cabe realçar que as estruturas dos comandos normativos de
nulidade e de invalidação não estão de forma lógica no tex-
to. Essa particularidade já era anotada pelos processualistas
mais clássicos.
Romeu Pires de Campos Barros, em estudo sobre o que
denomina “fato típico no direito processual penal”, a par-
tir de lições Francesco Carnellutti, Giovanni Leone e Hélio
Tornaghi, procura delimitar a “norma processual penal em
seu aspecto descritivo”. Para tanto, assenta que “a norma
74. CARNELUTTI, Francesco. A prova civil: parte geral: o conceito jurídico da pro-
va. Tradução: Amilcare Carletti. São Paulo: Universitária de Direito, 2002. p.32.
75. LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. Direito penal constitucional: a imposi-
ção dos princípios constitucionais penais. São Paulo: Saraiva, 2012. p.55-56.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
processual penal aparece muito mais desorgânica do que a
norma do direito substantivo”. A falta de organicidade da nor-
ma processual penal decorre de ser esta, muitas vezes, cons-
tituída a partir de vários artigos, enquanto a norma penal, no
seu duplo núcleo (descrição e sanção), é formada, como regra,
por um só dispositivo legal76.
Na realidade, a declaração de nulidade pode se base-
ar: (1) no elenco de vícios do art. 564, do Código de Processo
Penal, cujas molduras para a construção de normas jurídicas
reconhecedora de nulidades necessitam de raciocínios por in-
ferência à norma jurídica que dispõe sobre o ato processual
viciado (tipicidade fechada e direta, embora imprecisa); e (2)
nos desvios de comandos normativos que direcionam a fei-
tura de atos processuais e o respeito às garantias processu-
ais constitucionais e infraconstitucionais (tipicidade aberta e
indireta).
Deveras, cotejando o texto legal processual penal com as
possibilidades de normas jurídicas que declaram atipicidade
(reconhecimento de inexistência, nulidade ou irregularida-
de), depreende-se que podem ser adotadas pelo menos duas
espécies de procedimento para a aplicação da norma jurídica,
a depender da base enunciativa legal de referência. Isso ocor-
re por mais de uma razão.
Primeiramente, o rol das atipicidades do art. 564, do
Código de Processo Penal, descreve genericamente a falta de
“fórmulas ou termos”, averbando que naqueles casos “ocor-
rerá nulidade”. Note-se que se trata de descrição do vício de
forma direta, porém genérica, agregando ao enunciado a ne-
gação “nulidade”.
Em segundo lugar, como aquele rol não é fechado, passa a
existir um modo paralelo ao art. 564, do Código, cuja textura é
mais aberta, destinado a constituir a descrição do vício (norma
76. BARROS, Romeu Pires de Campos. Do fato típico no direito processual penal.
Revista Forense comemorativa – 100 anos, tomo VII [direito processual penal], Afrâ-
nio Silva Jardim (org.), Rio de Janeiro: Forense, p.349, 2006.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
declaratória de atipicidade). Para tanto, a atividade do juiz con-
siste na verificação de subtração de qualquer elemento consti-
tutivo das formas dos atos processuais penais preconizados pela
norma jurídica que ditam sua edição.
Eis a fonte de uma boa parte das controvérsias sobre o tema.
Como percebeu Leonardo Costa de Paula, “quando se define o
direito pela negação, por consequência a nulidade, tende a se
analisar teoricamente a prática pelo aspecto negativo da norma;
ou seja, por seu caráter coercitivo”, razão pela qual a norma ten-
derá a ser, necessariamente, vinculada à sanção. A nulidade es-
taria, de acordo com a concepção do legislador, exercendo a fun-
ção de apoio à configuração da norma, eis que esta dependeria
da sanção. O autor observa, nessa esteira, que “essa concepção
está muito aquém do que se espera para efetivar em termos de
proteção ao indivíduo o processo penal que espelha um trata-
mento adequado à Constituição”
77
.
A explicação de Ricardo Jacobsen Gloeckner vem ao encon-
tro desses argumentos, mormente porque na linha da fundamen-
tação deste trabalho. Segundo o processualista penal, “o limite,
no processo penal, assemelha-se à constituição negativa posta
pelo interdito, porquanto proibição. A forma representa mais do
que um simples ditame sobre o ‘como fazer’, os limites do não
proceder”. Daí que completa o jurista que é a forma negativa
do limite que torna possível construir categorias que decorrem
do ato atípico em lato sensu. Em outros termos, “a forma como
limite indica o inaceitável juridicamente, que não se concretiza
numa sequência de atos sugerida ao magistrado”. A forma de
um ato classificado como atípico é compreendida a partir das
formas dos atos processuais ordenadas por lei. Daí que conclui
que “o limite é que constituirá o ato irregular lhe dando as fa-
cetas próprias para que seja detectada a disrupção da forma”
78
.
77. PAULA, Leonardo Costa. As nulidades no processo penal: sua compreensão por
meio da afirmação do direito como controle ao poder de punir. Curitiba: Juruá,
2013. p.168.
78. GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Nulidades no processo penal: introdução prin-
cipiológica à teoria do ato processual irregular. Salvador: Juspodivm, 2013. p.128.
Teoria da Nulidade.indb 50 29/08/2016 22:17:01
51
TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
1.3.4 Relação entre a norma jurídica reconhecedora de
atipicidade e a norma jurídica declaratória de in-
validação
Teresa Arruda Alvim Wambier, em estudo no campo do
direito processual civil, já havia observado a necessidade de
delimitar momentos de aplicação do direito no campo das
“nulidades”. Destacou então as duas etapas desse mister: (1)
“o primeiro diz respeito à verificação da existência do vício e à
sua classificação (nulidade ou anulabilidade)”; (2) “o segundo
liga-se à decretação do vício, e é nesta etapa que desempe-
nham papel de importância digna de nota os princípios de di-
reto público, como, por exemplo, aquele segundo o qual ‘não
há nulidade sem prejuízo’”79.
Ao lado da diferença de termos escolhidos pela proces-
sualista civil para a classificação dos vícios processuais, bem
como da relevância que dá ao princípio do pas de nullitè sans
grief, a conclusão da autora tem importância para o processo
penal em razão de destacar, ao menos, a necessidade de dois
momentos distintos, tal qual sustentado neste trabalho.
Objetivando não confundir as normas envolvidas na con-
creção da nulidade (formulação de norma jurídica que reco-
nhece a atipicidade do ato processual e que determinam uma
obrigação ao juiz para construir uma segunda norma jurídica)
e nas possíveis consequências que de tal ato decorrem (cons-
trução de norma jurídica que invalida o ato processual vicia-
do, declarando até onde se estende a ineficácia), é necessário
o uso de termos que se refiram à segunda norma jurídica que
é criada depois de ser declarada a nulidade.
Em outros termos, importante valer-se de termos como
invalidação e convalidação, para determinar o âmbito de
eficácia do ato processual atingido pela norma declarado-
ra de nulidade. Duas normas jurídicas, pelo menos, estarão
79. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6. ed.
São Paulo: RT, 2007. p.502.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
relacionadas quando o magistrado estiver diante de ato pro-
cessual realizado em descompasso com a forma prevista no or-
denamento jurídico: a primeira, que se certificando da atipici-
dade processual, assim averba sua nulidade (de acordo com o
respectivo grau, como se verá no estudo de sua classificação);
a segunda que, de forma específica, relaciona-se com a pers-
pectiva sancionatória, seja a invalidação, seja a convalidação.
Deitadas tais balizas, pode-se dizer que nulidade não se
confunde com o texto, o enunciado legislativo ou constitucio-
nal, isto é, a matéria bruta descrita no ordenamento jurídico.
Em sede processual penal, nulidade lato sensu é uma “atipici-
dade” descrita em forma de norma jurídica. Só há atipicidade
classificada como “nulidade” (ou “inexistência”), se for reco-
nhecida por juiz competente para tanto. Ao reconhecer uma
“nulidade”, o juiz aplica uma norma jurídica. É esse preceito
o que constitui a regra de competência do magistrado para
declarar atipicidades processuais (inexistência, nulidade ou
irregularidade). Daí ser a “nulidade” (atipicidade), sob o pon-
to de vista concreto, uma norma jurídica, de competência do
magistrado, que a descreve para, em seguida, fazer incidir a
consequência jurídica.
Note-se que a norma declaratória de “nulidade” é dota-
da de antecedente normativo que narra situação de atipici-
dade do ato processual. Caso tal vício cause lesão a direito
fundamental (garantido pela forma do ato processual), a nor-
ma descritiva da atipicidade atribui ao defeito processual uma
qualificação negativa consistente em também reconhecer que
houve ineficácia de direito tutelado pelo núcleo constitucional
do processo penal e/ou por direitos protegidos por disposições
infraconstitucionais.
A norma de invalidade é de natureza distinta daquela
que reconhece a atipicidade, porém desta decorre. A invali-
dade é norma jurídica que tem como antecedente normativo
a declaração da espécie de atipicidade (defeito classificado
como “inexistência”, “nulidade” ou “irregularidade”). O seu
consequente normativo é a invalidação que subtrai efeitos do
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
ato processual viciado, causando-lhe a ineficácia. Ambas as
normas se relacionam (nulidade e invalidade), podendo ser
visualizada relação de norma primária e de norma secundária
entre ambas.
Sem embargo, o ponto de vista teórico aqui adotado é a de
entendê-las como normas distintas que, todavia, mantêm re-
lação de antecedente a consequente. No ponto, as bases deste
trabalho se afastam do que aviva Franco Cordero. Para este
autor, se de uma parte há atos inválidos (viciados, incapazes
para operar efeitos), há transgressões da lei processual que
não são classificadas na categoria de atos inválidos, sendo ca-
bível a anulabilidade, figura que exorbita a imperfeição e, por
conseguinte, a seara da invalidade. Esta última, nas palavras
do jurista, “suppone un atto difforme dalla fattispecie, per-
tanto imperfetto e quindi inefficace, mentre l’atto annullabile,
come la parola suggerisce, è efficace”. Em síntese, conforme
sustenta, o ato anulável é eficaz e, portanto, perfeito, mas os
efeitos são elimináveis com um ato sucessivo, isto é, “due atti
e due fattispecie, la seconda in funzione d’antagonista della
prima”80.
Note-se que o renomado autor italiano lança mão de mais
de um termo, quais sejam, a invalidade (para os atos imper-
feitos que não operam efeitos) e a anulabilidade (esta neces-
sária para fazer cessar efeitos dos atos imperfeitos que sejam
eficazes). O que o processualista vê como exceção (atos pro-
cessuais que violam regras processuais e que mesmo assim
produzem efeitos), é, na verdade, o que comumente acontece,
porquanto, no direito processual penal, a mitigação de efeitos
de ato processual defeituoso somente ocorre com manifesta-
ção específica do juiz competente, desfazendo o ato viciado e
limitando sua eficácia.
80. CORDERO, Franco. Procedura penale. 7. ed. Milano: Giuffrè, 1983. p.844.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
1.4 Diferença e linguagem
A operação de definir nulidade não se encerra em seu
núcleo geral. Definir, além de estabelecer contornos, é divi-
dir e, sobremodo, classificar. Elegendo a ideia de defeito para
o termo nulidade e o paradigma normativo para expressar a
necessidade de norma produzida por um ser humano que de-
clare o vício representado pela atipicidade do ato processual,
a abordagem em tela dá ênfase à linguagem que comunica o
comando normativo e que o constitui.
Para que haja validade desse discurso jurídico, indis-
pensável que haja compromisso com a coerência no uso dos
termos envolvidos na explicação do fenômeno da nulidade
processual penal. Vilém Flusser alinha fundamentos que são
úteis para o propósito aqui anunciado. Toma-se a língua como
aquele conjunto dos sistemas de símbolos e define-se a reali-
dade como aquilo que é capaz de ser apreendido e compreen-
dido. Como aviva o filósofo, “toda discussão é uma manipu-
lação de termos e sua validade é restringida a esses termos,
conforme foram definidos explícita ou implicitamente”81.
De tal modo, a adoção da teoria convencionalista para
conferir justificação interna às nulidades processuais é um
formalismo necessário para que cumpra seus objetivos no
direito processual penal. Trata-se de técnica admitida pela
elasticidade do signo que designa o seu vetor. Ferdinando
de Saussure refere duas características primordiais do signo
quando aduz, como primeiro princípio, “a arbitrariedade do
signo” (não há um laço natural com a realidade, embora não
seja totalmente livre a escolha de seu uso) e, como segundo,
o “caráter linear do significante” (por ter natureza auditi-
va, representa uma extensão que é mensurável em uma só
dimensão)82.
81. FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. São Paulo: Herder, 1963. p.231.
82. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Tradução: Antônio Cheli-
ni; José Paulo Paes; Isidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. p.81-84.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
A distinção entre as classes de nulidades é haurida por in-
termédio da linguagem e da noção de sistema como ambiente
próprio para regrar sua produção normativa. A produção da
norma declaratória de nulidade exige a presença do órgão au-
têntico que integra a relação jurídica processual, isto é, o juiz.
Não há incidência da norma jurídica processual penal decre-
tadora do defeito processual por força própria.
Como leciona Gabriel Ivo, a incidência se dá “no momen-
to em que o fato jurídico da enunciação é traduzido em lin-
guagem” (linguagem normativa)83. No ponto, necessário vin-
car a distinção de incidência que se verifica no cotejo entre
concepções ponteanas e kelsenianas.
Adrualdo de Lima Catão aparta a ideia de Pontes de
Miranda sobre incidência, daquela que tem Hans Kelsen so-
bre o mesmo fenômeno. Na “Teoria do Fato Jurídico”, encam-
pada pelo primeiro autor, “o fato da incidência se dá quando
o suporte fático é suficiente, ou seja, quando ocorrem aqueles
fatos essenciais à incidência e o fato ingressa no plano da exis-
tência”. Caso ocorram os fatos requeridos pela norma como
indispensáveis à sua incidência, o suporte fático será suficien-
te, ocorrendo a incidência de forma infalível, no mundo do
pensamento. Há, portanto, “nítida diferença entre a aplica-
ção do direito, que pode falhar, e a incidência, que é infalível”
(daí o caráter lógico da incidência)84. Em sede de nulidades
processuais penais, que depende sempre do atuar do juiz, é
mais consentânea a concepção kelseniana, que não distingue
incidência de aplicação.
Sob diverso prisma, a linguagem, como constitutiva da re-
alidade processual, é o instrumento que confere possibilidade
de diferenciar. A teoria das nulidades se baseia, como as demais
teorias, na diferença relacionada ao sistema. Niklas Luhmann
83. IVO, Gabriel. Norma jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006.
p.42.
84. CATÃO, Adrualdo de Lima. Teoria do fato jurídico: uma abordagem lógica da
decisão judicial. Curitiba: Juruá, 2013. p.196.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
adverte que o conceito de diferença fundamenta a teoria dos
sistemas. Isso em razão de que seu ponto de partida deve decor-
rer a disparidade entre o sistema e o meio, para que assim seja
conservada a sua razão social85.
Esse entendimento não é incompatível com os ensinamentos
de Ferdinand de Saussure, que vê a língua como uma das ma-
nifestações da linguagem, uma parte essencial desta. Elucida,
assim, que a língua é “um produto social da faculdade de lin-
guagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas
pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos
indivíduos”. Enquanto a linguagem é multiforme e heteróclita,
a língua é um todo por si e um princípio de classificação. Nessa
toada, se a faculdade de constituir uma linguagem é natural, a
linguagem constituída é convencional, haja vista que um siste-
ma de signos distintos corresponde a ideias distintas86.
Nesse diapasão, o sistema de comunicação das nulidades
processuais penais tem sede no processo através do uso de lin-
guagem normativa, convencionada, emitindo declarações pre-
cisas sobre os atos processuais atípicos, quando confrontados
com as formas procedimentais estatuídas na Constituição e na
legislação de regência. A atividade do jurista não se resume, no
entanto, nesse cotejo.
Este estudo fundamenta suas bases em duas normas ju-
rídicas. A primeira, com hipótese normativa declaratória de
nulidade. A depender da espécie de nulidade reconhecida ju-
dicialmente, o consequente dessa norma jurídica é ligado pelo
dever-ser que obriga o juiz a emitir uma segunda norma jurídi-
ca. A segunda norma jurídica, relacionada necessariamente a
primeira, consiste na descrição da nulidade declarada pelo juiz
como seu antecedente normativo e que, por consequente, terá a
invalidação ou a convalidação do ato processual viciado.
85. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução: Ana Cristina
Arantes Nasser. 2. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2010. p.297.
86. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. Tradução: Antônio Cheli-
ni; José Paulo Paes; Isidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. p.17-18.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
O comando desconstitutivo da invalidação implica o des-
fazimento do ato processual e, sendo o caso, o seu refazimen-
to. O consequente da segunda norma jurídica individual e
concreta exarada pelo juiz deve delimitar os lindes dos efeitos
produzidos pela invalidação. Como decorrência, poderá obri-
gar sujeitos processuais e/ou auxiliares a praticar novos atos
processuais para que haja o saneamento do processo.
Lourival Vilanova expõe, nessa linha de pensamento, que
“a hipótese delineia um possível estado de coisas. Que pode já
se ter verificado, por isso, imodificável ficou, como ponto fixo
para relacionar consequências, estas sim, normativamente de-
terminadas”. Nota o autor que “tampouco a hipótese traça o
que com necessidade factual (física, biológica) ocorrerá”. Isso
em razão de que, para a hipótese, o que aconteceu, acontece
ou acontecerá é tomado como possiblidade, vale dizer, como
possível ponto de referência (relevante axiologicamente), com
o fito de condicionar a imbricação de consequências para o
comportamento humano. De tal modo, arremata o jurista que
“a hipótese fixa o tipo de ocorrência (fato natural ou conduta).
O que é normativo é a construção da hipótese: é o sistema ju-
rídico que põe, estatui ou cria normativamente a hipótese”87.
O “jogo de linguagem” aludido por Ludwig Wittgenstein
fornece apoio ao entendimento de que o convencionalismo
é uma realidade na esfera jurídica, aplicável às nulidades
processuais penais. Para bem sistematizar as nulidades pro-
cessuais de forma a dar tratamento seguro às violações das
formas procedimentais, o convencionalismo se apresenta
como condição de possibilidade para que a classificação in-
tentada funcione como proteção das garantias individuais
constitucionais88.
87. VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Pau-
lo: Noeses, 2005. p.82-83.
88. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 5. ed. Tradução: Marcos G.
Nontagnoli. Bragança Paulista: Universitária São Francisco; Petrópolis: Vozes,
2008. p.18-19.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
A linguagem, a diferença e a noção de sistema de comu-
nicação comprometidos com o rigor formal próprio à prote-
ção de garantias fundamentais são adequados à produção
normativa de nulidades que considera o processo penal como
um instrumento cuja finalidade primeira é a de proteção da
liberdade.
Com efeito, a forma, delineada a partir da pragmática
de uma linguagem precisa, cria condições para a comunica-
ção no interior do sistema das nulidades processuais penais
que cumpra os ditames do núcleo processual penal gizado na
Constituição.
Segundo Niklas Luhmann, “a comunicação é uma reali-
dade emergente, um estado de coisas sui generis”, obtida por
meio de uma síntese de três operações distintas: “a) a seleção
da informação; b) a seleção do ato de comunicar; e c) a seleção
realizada no ato de entender (ou não entender) a informação
e o ato de comunicar”.89
A diferença defendida no estudo é representada pela clas-
sificação das nulidades, ou seja, das atipicidades processuais
penais em inexistência, nulidade absoluta, nulidade relativa e
irregularidade. A divisão do ciclo definitório decorre de uma
redução fenomenológica. O sistema necessita de regras, de
uma linguagem, para funcionar de maneira a cumprir seu de-
siderato: proteger a liberdade por meio do processo penal.
O alicerce da estática jurídica, com o preenchimento
do conteúdo dessas classes, encontra na dinâmica o aspecto
pragmático do discurso jurídico. Ludwig Wittgenstein, em sua
segunda fase (filosofia analítica), dá destaque para esse viés,
sublinhando o processo de uso de palavras cujas denomina-
ções são relacionadas com o seu uso cotidiano. O filósofo pon-
dera que, na instrução da linguagem, vê-se que “o aprendiz
89. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução: Ana Cristina
Arantes Nasser. 2. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2010. p.81-82.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
dá nome aos objetos” ou mesmo que “o aluno repete as pa-
lavras que o professor pronuncia”, sendo ambos “processos
linguísticos semelhantes”. Nota desse modo que são “jogos de
linguagem”, tanto esses processos, como “a totalidade forma-
da pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem
entrelaçada”90.
Sob outro enfoque, Niklas Luhmann realça a incapaci-
dade de trabalhar com toda complexidade do meio, pelo que
o sistema tem que definir estruturas de redução de comple-
xidade. Deveras, o sistema não tem condições de oferecer
uma variedade suficiente para dar conta, ponto por ponto,
das possibilidades de estímulos que advêm do meio. Daí que
o sistema impõe que se desenvolva “uma disposição especial
para a complexidade, no sentido de ignorar, rechaçar, criar
indiferenças, enclausurar-se em si mesmo”. A expressão “re-
dução de complexidade” surgiu nesse contexto de relação do
sistema com o meio91.
1.5 Nulidade e invalidade processual penal
Este estudo parte do pressuposto de que os atos proces-
suais são documentações de normas jurídicas. O enunciado é
o texto bruto. Enunciado de lei, o artigo de lei, por exemplo.
A norma jurídica é o significado, incidido pelo intérprete, a
partir do enunciado legal. Os atos processuais são a concre-
ção da incidência das normas jurídicas. De normas jurídicas,
outras normas jurídicas decorrem e, dessa maneira, mantém
relações internormativas, isto é, entre normas. Tais relações
podem acontecer desde normas gerais e abstratas até outras
individuais e concretas.
90. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 5. ed. Tradução: Marcos G.
Nontagnoli. Bragança Paulista: Universitária São Francisco; Petrópolis: Vozes,
2008. p.18-19.
91. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Tradução: Ana Cristina
Arantes Nasser. 2. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2010. p.179.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
Os atos processuais são documentações de normas ju-
rídicas incididas no curso do processo. Havendo obediência
à linguagem do sistema que dita sua forma, haverá compre-
ensão do ato processual como produto comunicativo típico,
reconhecido pelo sistema. Caso se tenha ato processo defei-
tuoso, viciado, o sistema (processual) tem mecanismos para
reagir contra aquela produção com linguagem desvirtuada,
vale dizer, atípica, que não atende as formas estabelecidas na
respectiva codificação.
A nulidade é, de tal maneira, norma jurídica produzida
pelo juiz. Da mesma forma, a invalidade é norma jurídica de
competência do magistrado. São duas normas jurídicas que
podem ou não manter relação de norma primária à secundá-
ria. Porém, ambas as normas são detentoras de estrutura nor-
mativa equivalente a antecedente e consequente normativo.
Nulidade é vício normativamente reconhecido no âmbito
processual penal. Invalidade é sanção aplicada judicialmen-
te ao ato processual declarado nulo. A primeira norma, de
cunho declaratório, deflagra modal deôntico de permissão ou
de obrigação ao juiz para que emita a segunda. Em algumas
hipóteses, note-se, não será editada norma de invalidação, po-
rém de convalidação.
A segunda norma, de invalidação, deve delimitar seus
efeitos que, a partir daí, serão suportados pelos sujeitos pro-
cessuais, com possibilidade de determinação de emissão de
outras normas jurídicas (cessação de efeitos de atos proces-
suais, refazimento de atos processuais, desentranhamento de
documentos, dentre outras possibilidades).
1.5.1 Distinções necessárias: vigência, validade e eficácia
Vigência é o atributo da norma válida que está apta a re-
gular condutas92. É aptidão da norma jurídica para propagar
92. GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p.331.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
efeitos, é ter força para reger fatos futuros, operatividade. A
vigência é termo que, em regra, se refere às normas gerais e
abstratas. No entanto, é possível aludir a vigência de normas
individuais e concretas, tal como se dá em um processo penal
por intermédio dos seus diversos atos processuais. Por exem-
plo, uma sentença penal que fixa os termos de produção de
determinados efeitos.
Nessa toada, Paulo de Barros Carvalho sintetiza vigência
como o “atributo de norma válida (norma jurídica), consis-
tente na prontidão de produzir os efeitos para os quais está
preordenada, tão logo aconteçam os fatos nela descritos, po-
dendo ser plena ou parcial (só para fatos passados ou só para
fatos futuros, no caso de regra nova)”93.
Centrando o foco na invalidade (norma jurídica de in-
validação), percebe-se que essa noção se reporta a atos pro-
cessuais (normas jurídicas emitidas em desacordo com o mo-
delo legal) e representa a antítese do fenômeno da validade.
Necessário, então, definir validade, para que, com essa ope-
ração, haja melhor compreensão do seu oposto, a invalidade
que, no processo, carece de manifestação expressa do órgão
autêntico (juiz).
Tercio Sampaio Ferraz Júnior, alertando para as múlti-
plas facetas do termo, aduz que quando se está interessado
na norma como discurso normativo, é relevante debater a va-
lidade como uma qualidade linguística do discurso, seja ela
sintática, semântica ou pragmática. Essa posição não é mera
opção epistemológica, pois a validez das normas jurídicas se
relaciona efetivamente com a linguagem convencionada pelo
sistema94.
Validade difere de vigência. Nas palavras de Paulo de
Barros Carvalho, vigência é ter força para disciplinar, para
93. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São
Paulo: Noeses, 2013. p.459.
94. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de prag-
mática da comunicação normativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.1101.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
reger, cumprindo a norma seus objetivos finais. É proprie-
dade das regras jurídicas que estão prontas para propagar
efeitos, tão logo aconteçam, no mundo fáctico, os eventos que
elas descrevem. Refere-se a vigência ao intervalo de tempo
em que a norma atua, podendo a vigência ser plena (passado
e futuro) ou parcial (passada quando há revogação ou futura
quando houver norma nova)95.
De outro ponto, validade das normas é termo plurívoco,
com várias acepções. Tácio Lacerda Gama expõe que valida-
de pode ser: (1) especial forma de existência de uma norma;
(2) atributo da norma compatível com aquela que programou
a sua criação; (3) aptidão para vir a ser aplicada por um tri-
bunal; (4) circunstância de, efetivamente, disciplinar compor-
tamentos; e (5) compatibilidade da norma do direito positivo
com padrões religiosos, racionais ou humanos, em acepção
ampla96.
Paulo de Barros Carvalho sustenta que a validade não é
atributo que qualifica a norma jurídica, porém tem status de
relação. É vínculo que se estabelece entre a proposição nor-
mativa e o sistema do direito posto (relação de pertença). Ser
norma válida quer dizer que a norma mantém relação de per-
tinencialidade com o sistema “S”, ou que nele foi posta por
órgão legitimado a produzi-la, por meio de procedimento es-
tabelecido para essa finalidade97.
Tácio Lacerda Gama segue a argumentação de que não é
a validade atributo da norma jurídica, porém é, a rigor, a rela-
ção que a norma jurídica mantém com o sistema jurídico. Nas
palavras do autor, “quando essa relação é harmônica, existin-
do compatibilidade com a respectiva norma de competência,
95. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São
Paulo: Noeses, 2013. p.451.
96. GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p.315-316.
97. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed. São
Paulo: Noeses, 2013. p.450-451.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
temos validade. Porém, quando a relação ocorre entre norma
e aquela que prescreve a sanção pelo exercício indevido da
norma de competência, temos a invalidade98.
No ponto, o autor contribui para elucidar que validade
não é atributo, qualidade de uma norma jurídica. Volvendo
para o campo do processo penal, perfeita essa conclusão, com
o acréscimo de que o termo nulidade fica reservado para a
norma qualificadora da norma documentadora do ato proces-
sual penal atípico que, a seu turno, pode se referir ao exercício
indevido da competência para emiti-lo ou a outras atipicida-
des possíveis.
Seguindo a linha do Realismo99 de Alf Ross, Tácio
98. GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p.330.
99. Para os fins deste estudo, a expressão realismo jurídico refere-se às vertentes do
direito escandinavo e norte-americano. Alf Ross é um dos maiores representantes
do realismo jurídico escandinavo. Benjamin Natan Cardozo e Oliver Wendell Hol-
mes Jr são representantes do realismo juridico norte-americano. Ambos são realis-
mos jurídicos positivistas. O realismo jurídico escandinavo considera que a essên-
cia do direito não é constituída apenas de normas, mas também de fatos, vale dizer,
refere-se ao direito em ação, consistente na atividade dos juízes que interpretam e
aplicam o direito. A realidade jurídica é, nessa senda, mais dotada de essência fac-
tual que de índole normativa, isto é, cuida-se do fato da força incidida pela ativida-
de do juiz-funcionário, bem como no lastro psicológico do acatamento pelos desti-
natários. É essa obediência que, em regra, torna dispensável que se faça uso da
força do direito que, ao cabo, é definido como simples ameaça do uso da força. Dis-
tancia-se do positivismo porque o realismo é corrente que não considera o direito
como fruto da vontade popular. Antes disso, o direito seria um conjunto de regras
dirigidas aos seus destinatários que, a todo tempo, determinam-lhes as respectivas
ações (CAMBULE, Gil. O realismo jurídico escandinavo: breves notas. Disponível
em: -
vo-breves.html>. Acesso em: 23 abr. 2015). Distintamente, o realismo jurídico norte
-americano segue a premissa consistente na tomada de decisão como primeira eta-
pa da atividade do magistrado, seguida do dever de fundamentá-la mediante
adoção de modelos baseados em dedução lógica. Não se vale de ideias metafísicas,
porém do pragmatismo, lastreado em atuação de fato (descrição da realidade a par-
tir do olhar cotidiano). O pragmatismo (com pontos de semelhança com o utilitaris-
mo inglês) é filosofia nacional norte-americana que considera a relatividade da ver-
dade e que está é obtida a partir do que as pessoas consideram ser bom. De tal
forma, o realismo jurídico autoriza o entendimento de que os conceitos jurídicos
permitem a escolha do resultado para o caso concreto, dentre as diversas possibili-
dades que autoriza. O direito vigente é, de acordo com a concepção realista norte-a-
mericana, é muito mais constituído pelas declarações dos juízes (por meio de
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
Lacerda Gama justifica que “na incerteza dos critérios de for-
ma e sentido, só o critério funcional pode oferecer resposta
satisfatória: é a possibilidade de ser aplicada por ato do Poder
Judiciário que qualifica uma norma como jurídica”. O atribu-
to consistente em ser objeto de um processo judicial, é, sob a
perspectiva realista, “o critério por excelência para saber se
uma norma está ou não no ordenamento”100.
Na senda de Alf Ross, a validade tem por função o poder
compulsivo do direito. De forma inversa, a força efetivamente
exercida tem por função a validade: “posto que a obediência é
fortalecida pelo costume, toda ordem mantida de fato, incluso
aquela que se apoia principalmente na mera força, tende a se
transformar numa ordem ideologicamente aprovada”. Frise-
se que o jurista se fundamenta em critério pragmático para
apartar as normas válidas das não válidas por intermédio do
controle do Judiciário101.
Riccardo Guastini enxerga validade como uma proprie-
dade das normas em dois sentidos102.
(1) O primeiro é o de validade em sentido forte ou pleno.
Consiste na pertinencialidade, em face de aludir tanto às nor-
mas gerais e abstratas (produzidas consoante o devido pro-
cesso legislativo), quanto às normas individuais e concretas,
emitidas pelos juízes em sentenças judiciais (casos concretos).
Deveras, aviva o autor que “‘validade’ significa ‘pertinência’
a um sistema jurídico (membership)”, vale dizer, “uma norma
válida, dentro de um dado sistema jurídico, é uma norma que
responde a critérios de identificação próprios desse sistema”.
julgamentos marcados por diversas influências), do que propriamente formado
pela simples aplicação de regras (GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Introdução
ao realismo jurídico norte-americano. Brasília: Edição do Autor, 2013. p.5-14).
100. GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria
da nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2011. p.354.
101. ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução: Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003. p.83
102. GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução: Edson Bini. São Paulo:
Quartier Latin, 2005. p.271-272.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
Tais critérios, para identificação das normas, em todo o siste-
ma jurídico (inclusive no processo penal), “jazem nas meta-
normas em fontes de produção, em critérios de solução das
antinomias, etc”.
(2) O outro sentido apontado por Guastini é o de validade
em sentido fraco. A validade da norma se refere às normas
gerais e abstratas (normas postas abstratamente). Nessa pers-
pectiva, validade significa existência, na trilha kelseniana. No
entanto, como o conceito de existência não é suficientemente
claro, o autor realça que, “neste contexto uma norma existen-
te é, muito simplesmente, uma norma que foi efetivamente
criada, “posta”, isto é, formulada e publicada (ou promulgada)
por uma autoridade normativa prima facie competente.
No que toca à eficácia, deve ser compreendida relativa-
mente à produção de efeitos no mundo naturalístico. Eficácia
é qualidade de fatos jurídicos. Os fatos jurídicos, relatados em
linguagem competente, podem ser tanto gerais e abstratos,
quanto individuais e concretos. Os fatos gerais e abstratos po-
derão produzir normas gerais e abstratas, mas também deles
é possível decorrer normas individuais e concretas.
Os fatos jurídicos individuais e concretos dão ensejo à
produção de normas individuais e concretas, malgrado a pro-
dução de enunciado de súmula vinculante (enunciado geral
e abstrato), decorra de fatos jurídicos individuais e concretos
reiterados. É de ver que a vigência não se confunde com a
eficácia. Uma norma pode estar em vigor e não apresentar
eficácia técnica (sintática ou semântica) e, igualmente, não
ostentar eficácia social. Pode, de outra vertente, não estar em
vigor, apresentando, porém, eficácia técnica e eficácia social.
Não há de se falar em norma válida e vigente como dotada, ou
não, de eficácia jurídica, eis que esta é atinente a fatos jurídi-
cos (não a normas jurídicas).
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
De compasso com o escólio de Paulo de Barros de
Carvalho103, essa fundamentação justifica a eficácia sob tais
ângulos. Cabe distinguir.
(1) Eficácia jurídica: é tomada como o próprio mecanismo
da incidência, isto é, o processo pelo qual, efetivando-se o fato
disposto no antecedente, projetam-se os efeitos prescritos no
consequente normativo. É denominada causalidade jurídica.
(2) Eficácia social: é a propriedade que reveste o fato ju-
rídico para irradiar os efeitos que lhe são peculiares, isto é, a
relação de causalidade jurídica.
(3) Eficácia técnica: cuida-se da condição que a regra de
direito ostenta, para descrever ocorrência que, uma vez havi-
da no plano do real-social, torne possível a produção efeitos
jurídicos.
1.5.2 Pontos de vista possíveis: observadores versus
participantes
Como abordado no tópico anterior, validade pode ser en-
tendida sob mais de uma perspectiva. Dois pontos de vista
possíveis merecem destaque: o do participante do sistema
(tal como o juiz) e o do observador do sistema (o cientista do
Direito). Tanto o participante pode emitir normas gerais e
abstratas (legislação, ótica do legislador), quanto individuais
e concretas (sentença judicial, ótica do juiz), como o observa-
dor pode se referir, descrevendo, uma ou outra, nos moldes da
Ciência do Direito.
Sob o ponto de vista do participante do sistema, validade
é a especial forma de existir da norma jurídica, de maneira
que o participante não se ocupa da existência das normas ju-
rídica, porquanto sobre o que não existe juridicamente, não
há relevância linguística, só cabendo tecer juízos de validade
103. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 5. ed.
São Paulo: Noeses, 2013. p.460.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
ou de invalidade. Na seara processual penal, a norma jurídica
constitutiva da invalidade não prescinde de manifestação ju-
dicial superveniente à norma declaratória da nulidade.
Já no que concerne à ótica do observador, pode-se anuir
com a concepção de que a validade é o atributo da norma con-
sistente em ter sido ela produzida de acordo com as normas
que regulam sua formação, notadamente as que disciplinam a
competência do órgão e os seus requisitos essenciais. No âm-
bito do processo penal, a ausência de um dizer do juiz sobre
a nulidade e invalidade de um ato processual, confere argu-
mentos para que o observador conclua, descritivamente, pela
sua validade. De outro lado, caso ocorra invalidação, a inva-
lidade do ato processual é o estado jurídico do ato eivado de
nulidade com a aplicação da sanção de invalidade, de acordo
com a perspectiva do observador.
1.6 Linguagem formal
Para enfrentar o problema das nulidades, optou-se pela
adoção de uma linguagem formal, calcada na teoria conven-
cionalista, porém respeitando o uso dos termos pela jurispru-
dência em permanente diálogo com a doutrina. A pesquisa
tem como núcleo a linguagem como forma competente para
comunicação das decisões jurídicas em torno do reconheci-
mento de nulidades e de suas reações normativas (invalida-
ção, convalidação e demais efeitos).
A doutrina se esforça para sistematizar uma classificação
das nulidades processuais penais. A classificação retrata uma
forma. O Código de Processo Penal, a respeito, fala em fórmu-
las, em seu art. 564, caput, para delinear um rol de atipicida-
des processuais penais. Não classifica, porém, o que chama de
nulidade. Em outros termos, não fala em nulidade absoluta ou
em relativa. Não se propõe, o CPP vigente, a definir, apenas
enunciando os elementos formadores dos conceitos, cujo con-
teúdo é difuso, necessitando de interpretação.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
A referência legislativa à forma ou às fórmulas são garan-
tias tornadas efetivas pelo acatamento do seu conceito legal.
A definição de uma classificação útil dos vícios, de acordo com
a gravidade, visa possibilitar uma comunicação eficiente, tor-
nando viável a concreção do modelo de processo penal estabe-
lecido na Constituição. A abstração classificatória é útil para
melhor comunicar os conteúdos das decisões judiciais e viabi-
lizar previsibilidade, uma aspiração do sistema. A linguagem
é assim um instrumento de relevo para o estudo que, por seu
turno, terá dois pontos de partida. Primeiro, a importância da
diferenciação interna dos elementos que compõem o sistema.
Segundo, a noção de jogo da linguagem, para que não se per-
ca de vista a pragmática, própria da atividade jurisprudencial.
1.7 Formalidade e garantia
As formas no processo penal são caras às garantias in-
dividuais fundamentais. O direito processual penal é, sob
tal prisma, direito individual fundamental de primeira gera-
ção, oponível que é pelo acusado contra o arbítrio do Estado,
conferindo ao processo penal o cunho protetor da liberdade,
como sua finalidade primeira.
A linguagem formal no campo das nulidades processuais
penais tem o condão de conferir previsibilidade, segurança
jurídica, com adoção de um modelo que sirva de guia para
a condução do processo, limitando as contingências. No en-
tanto, não significa que o respeito às formas, como tutela das
garantias, concorde com a adoção de formalismo exacerbado,
que deságue no aplauso à forma pela forma.
Sergio Demoro Hamilton, em estudo comparativo entre
a forma e o formalismo abstruso, teceu importantes conside-
rações sobre a importância da forma para a garantia dos atos
processuais, pelo que o direito processual era designado como
sendo direito formal por excelência, com realce para o aspec-
to exterior que deveria revestir os atos do processo.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
Na linha esposada pelo processualista, “os atos mais re-
levantes do processo devam obedecer às exigências de forma
mais rigorosas que não podem ser postas de lado, conforme
o caso, pelo juiz ou pelas partes neles envolvidos no decorrer
do processo”104. O que o autor ressalva é o formalismo despi-
do de utilidade e de conotação técnica que, ao cabo, não tem
a vocação que deve ter o enunciado que traça a forma de ato
processual penal, qual seja, a de conferir eficácia a direito
fundamental que compõe o núcleo constitucional do processo
penal.
No entanto, a formalidade para a feitura de atos proces-
suais penais não é conceito prestigiado como deveria, nota-
damente em face de situações excessivas ou abusivas que lhe
causaram descrédito. Paulo Fernandes e Geórgia Bajer ob-
servam que as obras doutrinárias, em regra, dedicam parco
percentual de estudos ao tema “nulidades”. Nesse compasso,
pontificam que “a forma dos atos processuais é garantia do
cidadão contra o arbítrio judicial”, salientando que “não se
pode permitir que a legalidade das formas seja desprezada,
ainda que se tenha em linha de conta ter o ato atingido a fina-
lidade colimada”105.
Gabriel Giulio também adverte sobre tal situação, ao
mesmo tempo em que considera a forma, em acepção ampla,
como modo de proceder e como a providência de sacralização
da atividade humana. A forma é, ademais, um dos conceitos
jurídicos fundamentais do direito processual, sendo, no en-
tanto, meios e não fins em si mesmos. Sublinha o autor que
“el desinterés por delimitar la forma, analizando su sentido e
función, resulta sumamente peligroso. Ello porque la ausencia
de” modos de proceder” o de mecanismos que permitan de-
terminarlos implica per se la perda de certeza del débil frente
104. HAMILTON, Sergio Demoro. Estudos de processo penal: 3ª série. Rio de Janei-
ro: Lumen Juris, 2007. p.45-46.
105. FERNANDES, Paulo Sérgio Leite; FERNANDES, Geórgia Bajer. Nulidades no
processo penal. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.24-25.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
al podreso”. As formas são meios e têm sua própria razão de
ser. Sob o enfoque cultural, operam como regras técnicas de
debate: “el par antinómico está configurado por la regla de
plena libertad y la de formas preestablecidas (legal, judicial o
convencionalmente)106.
A razão de ser da forma referida pelo autor argentino tem
relação com o que apontam Ada Pellegrini Grinover, Antonio
Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho quan-
to à dimensão garantidora das normas constitucionais proces-
suais. Segundo tal concepção, “não sobra espaço para mera
irregularidade sem sanção ou nulidade relativa. A atipicidade
constitucional, no quadro das garantias, importa sempre uma
violação a preceitos maiores, relativos à observância dos di-
reitos fundamentais e a normas de ordem pública”107.
1.8 Aplicação a caso concreto
O uso indiscriminado dos termos nulidade, vício e invali-
dação é fonte de dúvidas para solução de problemas práticos
encontrados na jurisprudência, como se evidencia no âmbito
do Supremo Tribunal Federal. Em Habeas Corpus substituti-
vo de recurso ordinário108, foi questionada violação à ordem
legal de inquirição das testemunhas, prevista no art. 212, do
A Primeira Turma deliberou pela extinção sem resolu-
ção de mérito daquela ação constitucional, aventando a ina-
dequação da via processual, porém examinou se efetivamente
teria ocorrido nulidade pelo fato do magistrado ter iniciado às
106. GIULIO, Gabriel H. Di. Nulidades procesales. Buenos Aires: Hammurabi, 2005.
p.100-102.
107. GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antonio Magalhães; FERNAN-
DES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: RT, 2011.
p.24.
108. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. RE 109051. Relator:
Ministro Roberto Barroso. Julgado em: 23 set. 2014. Disponível em:
stf.jus.br/portal/jurisprudencia/>. Acesso em: 20 ago. 2015.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
perguntas às testemunhas e seguido o sistema presidencialis-
ta de inquirição.
Na ementa do julgado, considerou-se não haver “nulida-
de do processo”, fundamentando que a não observância da
regra que estipula a ordem de inquirição de depoentes “não
constitui vício capaz de inquinar de nulidade o ato processual
ou a ação penal”. Vale frisar o uso de dois termos que são con-
siderados sinônimos para os fins deste trabalho, quais sejam
“vício” e “nulidade”.
A forma como colocada no aresto sugere a existência de
vícios toleráveis e imunes a controle jurisdicional. Tal conclu-
são não deve ser admitida. Outra impropriedade ali consig-
nada é a referência à nulidade da “ação penal”, o que, a rigor,
não ocorre. A nulidade (em sentido amplo), se houver, é de
ato do processo. A ação simplesmente é exercida, por meio da
denúncia.
Mais um ponto que agrava o problema da falta de crité-
rios firmes para o controle dos atos viciados é a exigência de
que tal somente se dê diante da “demonstração do efetivo pre-
juízo”. Nessa parte, o julgado considera indispensável à “in-
validação do ato”. O termo “invalidação” foi usado apropria-
damente. No entanto, a exigência de prejuízo para hipóteses
de nulidade sobre a forma da produção da prova testemunhal
destoa da garantia constitucional ao contraditório e à ampla
defesa. Ainda, no corpo do voto da relatoria, é feito uso de ou-
tro termo para designar classe de vício de menor gravidade,
declarando que “a irregularidade processual foi arguida pela
defesa técnica do paciente apenas depois de oferecidas as ra-
zões da apelação”.
Para chegar a essa conclusão, o Pretório Excelso agregou
à fundamentação que “a nulidade foi tardiamente arguida e
não houve a devida demonstração de eventual prejuízo su-
portado pelo acusado”, fazendo incidir a sua vetusta Súmula
de nº 523, que afirma que “no processo penal, a falta de de-
fesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Aqui, mais
um termo é usado pela Suprema Corte, como sinônimo de
“invalidação”, que é a “anulação”.
Decerto, chama a atenção o uso do termo “nulidade”
mais de uma vez e com mais de um sentido (ora como vício,
ora como sanção). Ao lado daquele vocábulo, o julgado da
Suprema Corte também alude à invalidação, de forma redun-
dante. Ao lado da obscuridade pelo uso promíscuo de termos,
vê-se do relatório e voto do relator, que a parte impetrante
reiterou a tese de nulidade absoluta do processo, averbando
ferimento ao sistema acusatório e às garantias do devido pro-
cesso legal, da ampla defesa e do contraditório, estatuídos no
art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição de 1988. A argumen-
tação do impetrante consistiu, inclusive, na alegação de que
as testemunhas foram ouvidas a partir de inquirição inicial
do juízo e com a adoção do sistema presidencialista, em dis-
sonância com a legislação em vigor, que preconiza o exame
direto e cruzado durante as oitivas de depoentes.
Embora tenha sido, em sede de liminar, suspensa a con-
denação do paciente em favor de quem foi ajuizado o writ, foi
ele ao final rejeitado por inadequação. O exame de argumen-
tos contata ampla contingência na tomada de decisão, o que
pode ser atribuído ao fato da ausência de convenções para o
uso de termos e aplicação de efeitos, somado à baixa aplicação
das garantias constitucionais e ao desacatamento dos coman-
dos legais expressos que visam concretizá-las.
1.9 Conclusão e próximo capítulo
A fixação da noção de nulidade enquanto vício processu-
al situa-se na estática jurídica, objeto da primeira parte deste
trabalho. Esse proceder, baseado nas ideias de Kelsen, tem
o fito de fundamentar sua estrutura normativa, hierarquica-
mente. Considera-se, para tanto, a natureza do fundamento
de validade dos enunciados postos.
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TEORIA DA NULIDADE NO PROCESSO PENAL
Deveras, a produção de normas de nulificação toma por
base as duas espécies diversas de normas: “um tipo estático e
um tipo dinâmico”. Aquilo que resulta da norma, visualizada
enquanto algo devido por conta do seu conteúdo inferido em
tese, é de ordem estática109.
Diante das múltiplas significações dadas ao termo nulida-
de, optou-se por adotar uma linguagem formal, convencional,
cujo uso deve ser comprometido com a proteção das garantias
individuais fundamentais, não raras vezes prejudicada pela
ausência de uniformidade e de rigor verificada na doutrina e
na jurisprudência.
Por outra vertente, a construção da classificação, unifor-
memente definida, não deve olvidar a necessidade de con-
templar a pragmática do discurso jurídico, de acordo com o
encontro de pontos comuns no uso dos termos. A divergência
quanto ao uso do termo nulidade foi contrastada com autores
clássicos e com a doutrina processual penal, demonstrando a
dificuldade retratada pelo estado atual do assunto.
A ambivalência é verificada, por exemplo, quando
Francesco Carnelutti pressupõe nulidade enquanto “ineficá-
cia que se comunica aos atos sucessivos dependentes do ato
imperfeito”, embora reconheça a necessidade de elucidação
deste ponto”. De um lado, nulidade é reputada como qualifi-
cativo de certa espécie de ato processual atípico, convergindo
parcialmente com o definido neste estudo. De outro, é consi-
derada essencial à nulidade a sua capacidade difusiva, isto é,
a sua ineficácia110, diferindo do sustentado neste trabalho, que
reputa que a ineficácia não integra o conceito de nulidade.
Depois de perpassar pelos diversos pontos de vista acer-
ca da nulidade, convencionou-se que nulidade (lato sensu) é
norma jurídica produzida por órgão do Poder Judiciário. A
109. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: João Baptista Machado. 5.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p.217.
110. CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o processo penal: volume 3. Tradução:
Francisco José Galvão Bruno. Campinas: Bookseller, 2004. p.196-197.
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ROSMAR RODRIGUES ALENCAR
classificação faz parte da estrutura normativa nulificadora,
compondo a norma jurídica primária. A invalidação é, de igual
modo, norma jurídica de competência do Judiciário, compon-
do, na estrutura, a função de norma implicada, secundária.
De todo modo, nulidade é termo cujo uso designa vício, de
maior ou de menor gravidade.
No próximo capítulo, a definição de nulidade receberá
contornos mais precisos, paulatinamente à construção das
conexões sintáticas e da semântica dos termos que compõem
a estrutura normativa. A sintática, atrelada à semântica da
estrutura normativa, visará fixar um cálculo normativo pa-
drão cujo uso se dirija à efetividade de garantias fundamen-
tais processuais penais, situadas no núcleo processual penal
constitucional.
Teoria da Nulidade.indb 74 29/08/2016 22:17:01

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