Cobertura para lucros cessantes nos seguros patrimoniais: a covid-19 e a interrupção das atividades comerciais do segurado

AutorRaphael de Moraes Miranda, Pedro Ivo Mello e Paulo Dinarte Nonato
Páginas143-166
143
36 .
COB ER TU RA PA RA LU CR OS CE SS AN TE S NOS
SE GU RO S P AT RI MO NI AI S: A C OV ID -1 9 E A
IN TE RR UP ÇÃ O D AS AT IV ID AD ES CO ME RC IA IS
DO SE GU RA DO
Raphael de Moraes Miranda
Pedro Ivo Mello e
Paulo Dinarte Nonato
Under the policy wording in question, construed as a whole and applying the agreed facts (...), is
there cover in principle under any relevant non-damage insuring clause in respect of loss arising as a
result of interruption or interference with the insured’s business (or as otherwise required by the spe-
cific insuring clause in question) by the COVID-19 pandemic (including its effects)?1
NOTA INTRODUTÓRIA: REPERCUSSÃO GLOBAL
O
órgão regulador do mercado financeiro e segurador britânico, o Financial
Conduct Authority (FCA), submeteu, no dia 10 de junho de 2020, à Corte
Superior de Justiça da Inglaterra e do País de Gales, uma questão que atravessa
oceanos.
Tendo selecionado 17 apólices de seguros patrimoniais (especificamente, as
chamadas business interrupt ion policies) emitidas por 8 seguradoras, com coberturas
adicionais para lucros cessantes, o FCA pediu à High Court of Justice que profira um
julgamento declaratório reconhecendo que as referidas coberturas adicionais são,
1 “De acordo com os termos da apólice em questão, interpretados como um todo, e aplicando os fatos
acordados (...), existe, a princípio, cobertura no âmbito de qualquer cláusula de cobertura pertinente, que
independa de danos físicos, em relação às perdas decorrentes de interrupção ou interferência nos negócios
do segurado (ou conforme exigido pela cláusula de seguro específica em questão) devido à pandemia de
COVID-19 (incluindo seus efeitos)?” – Tradução livre da 1ª Questão Central submetida pelo Financial
Conduct Authority (FCA) à Hight Court of Justice of England and Wales; case number FL-2020-000018.
Direito_do_Seguro_Contemporaneo_VOL-2_(MIOLO).indd 143Direito_do_Seguro_Contemporaneo_VOL-2_(MIOLO).indd 143 21/06/2021 12:43:3621/06/2021 12:43:36
ra p h a e l d e m o r a e s m i r a n d a pe d r o i v o m e l l o pa u l o d i n a r t e n o n a t o
144
a princípio, aplicáveis, independentemente da existência de danos físicos, às hipó-
teses de interrupção das atividades dos segurados, em razão da interdição deter-
minada pelo governo inglês como medida de evitar o contágio da COVID-19.2
Com o objetivo declarado de promover clareza e uniformidade em relação à
matéria, o órgão regulador pretende, com o ajuizamento da ação, induzir a criação
de um precedente capaz de nortear a solução dos inúmeros conflitos que vêm sur-
gindo entre segurados e seguradores ingleses.
Nos Estados Unidos da América, também estão surgindo, diariamente, inú-
meros conflitos entre segurados e seguradores envolvendo a cobertura para lucros
cessantes em apólices de business interruption, tendo a National Association of Insurance
Commissioners, associação composta pelos principais reguladores de seguros do
país, declarado expressamente que as apólices não foram contempladas para ofere-
cer cobertura para riscos decorrentes de doenças contagiosas como a COVID-19.3
No entanto, em alguns estados americanos, os fundamentos dos segurado-
res para recusar a garantia no âmbito de seguros patrimoniais estão sendo judi-
cialmente estionados pelos segurados. Na Florida, por exemplo (e similarmente à
legislação brasileira), se uma apólice é suscetível de mais de uma interpretação
razoável, uma estendendo cobertura e a outra limitando-a, é de se reconhecer a
existência de ambiguidade, a qual deve ser sanada mediante interpretação con-
tra o predisponente (o segurador) e em favor do segurado, levando em conta os
termos da apólice como um todo, a partir de uma leitura sistemática e finalística
do clausulado.4
2 O julgamento da ação movida pelo FCA está agendado para ocorrer ao longo dos dias 20 a 23 e 27 a 30 de
julho e será transmitido ao vivo, por streaming, através do seguinte link: https://fl-2020-000018.sparq.
me.uk/.
3 “ Business interruption policies were generally not designed or priced to provide coverage against commu-
nicable diseases, such as COVID-19 and therefore include exclusions for that risk. Insurance works well
and remains affordable when a relatively small number of claims are spread across a broader group, and
therefore it is not typically well suited for a global pandemic where virtually every policyholder suffers sig-
nificant losses at the same time for an extended period. While the U.S. insurance sector remains strong,
if insurance companies are required to cover such claims, such an action would create substantial sol-
vency risks for the sector, significantly undermine the ability of insurers to pay other types of claims, and
potentially exacerbate the negative financial and economic impacts the country is currently experiencing”.
(NAIC Statement on Congressional Action Relating to COVID-19. National Association of Insurance
Commissioners: Washington, 25 mar. 2020. Disponível em: https://content.naic.org/article_naic_state-
ment_congressional_action_relating_covid_19.htm.)
4 Nesse sentido, ver: Travelers Indem. Co. v. PCR Inc., 889 So. 2d 779, 785 (Fla. 2004); Allstate Ins. Co.
v. Orthopedic Specialists, 212 So. 3d 973, 976 (Fla. 2017); Whitely v. Am. Integrity Ins. Co. of Fla., 249
So. 3d 1312, 1314 (Fla. Dist. Ct. App. 2018); Lopez v. GEICO Gen. Ins. Co, 723 F. App’x 779, 782 (11th
Cir. 2018); e Hepp v. Paul Revere Life Ins. Co., 120 F. Supp. 3d 1328, 1347 (M.D. Fla. 2015).
Direito_do_Seguro_Contemporaneo_VOL-2_(MIOLO).indd 144Direito_do_Seguro_Contemporaneo_VOL-2_(MIOLO).indd 144 21/06/2021 12:43:3621/06/2021 12:43:36

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT