Condenação para o futuro no contencioso securitário . . . Future conviction in insurance litigation

AutorGustavo de Medeiros Melo
Páginas269-289
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41 .
CON DE NA ÇÃ O P AR A O F UT UR O N O
CO NT EN CI OS O S EC UR IT ÁR IO
FUT U R E C O N V I C T I O N I N I N S U R A N C E
LI T I G A T I O N
Gustavo de Medeiros Melo
INTRODUÇÃO
A
análise que se pretende fazer aqui envolve um fenômeno curioso que acon-
tece no contencioso securitário, especificamente no seguro de responsabili-
dade civil. Como se sabe, essa garantia está prevista no art. 787 do Código Civil1
para proteger o interesse legítimo do segurado relacionado com o seu patrimônio
sujeito ao risco de sofrer imputações de responsabilidade civil a cargo de terceiros
(garantia de indenidade).2
Ocorre que a função de manter indene o patrimônio do segurado só será bem
exercida se o produto da indenização for direcionado diretamente à vítima do
sinistro, evitando assim que o segurado se desfalque em circunstância de crise.
Com essa dinâmica, o seguro de responsabilidade civil assume uma função social
ampla como garantia de duplo interesse: (a) mantém incólume o patrimônio do
segurado e (b) recompõe o patrimônio da vítima.
1 CC, art. 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos
devidos pelo segurado a terceiro.
2 THEODORO JR., Humberto. “O seguro de responsabilidade civil – Disciplina material e processual”.
Revista de Direito Privado. n. 46, p. 300. São Paulo: RT, 2011; MOITINHO DE ALMEIDA, J. C. O
Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1971, p. 149.
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Esta dupla função, que vem sendo apontada há muito pela doutrina nacional3
e estrangeira4, em eventos acadêmicos de referência5, hoje com reflexos importan-
tes nos tribunais brasileiros6, é o centro de gravidade que define, a partir do direito
material, todas as consequências que se projetam no plano das relações processuais
que dele derivam. São três os atores (seguradora, segurado e vítima), no mínimo,
que constituem relações jurídicas não raro entrelaçadas, com reflexo na eficácia das
decisões e na autoridade da coisa julgada.7
Na prática, a situação mais comum é a vítima ajuizar uma ação de ressarci-
mento contra o segurado e este denunciar sua seguradora à lide (CPC, art. 125, II;
STJ, Súmula 537), ou, como consideramos mais adequado, fazer o chamamento
dela ao processo (CC, art. 787, § 3º; CPC, art. 130).8 Outro caminho é a vítima
ajuizar a ação diretamente contra a seguradora e seu segurado em regime de litiscon-
sórcio passivo, como exige hoje a Súmula 529 do STJ.9
3 TZIRULNIK, Ernesto. “O futuro do seguro de responsabilidade civil”. Revista dos Tribunais. vol. 782,
p. 72. São Paulo: RT, dezembro, 2000; TZIRULNIK, Ernesto. Seguro de riscos de engenharia: instru-
mento do desenvolvimento. São Paulo: Roncarati, 2015, p. 67; MELO, Gustavo de Medeiros. Ação direta
da vítima no seguro de responsabilidade civil. São Paulo: Contracorrente, 2016, p. 60.
4 Na Argentina: HALPERIN, Isaac. La accion directa de la victima contra el asegurador del responsable
civil del daño. Buenos Aires: La Ley, 1944, p. 118. Em Portugal: CAMPOS, P. L. Diogo José. Seguro da
Responsabilidade Civil Fundada em Acidentes de Viação – Da Natureza Jurídica. Coimbra: Almedina,
1971, p. 37.; MOITINHO DE ALMEIDA, J. C. O Contrato de Seguro no Direito Português e Compa-
rado. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1971, p. 267.
5 Enunciado 544 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal – VI Jornada de Direito
Civil: “O seguro de responsabilidade civil facultativo garante dois interesses, o do segurado contra os efei-
tos patrimoniais da imputação de responsabilidade e o da vítima à indenização, ambos destinatários da
garantia, com pretensão própria e independente contra a seguradora”.
6 Leading case: STJ, 3ª T., REsp 1.738.247-SC, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27-11-2018, com des-
taque também para o voto do Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Cf. STJ, 3ª T., REsp 1.684.228-SC,
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27-8-2019. No TJSP: 23ª Câmara de Direito Privado, Ap. 0001355-
09.2004.8.26.0001, Des. Sérgio Shimura, julgado em 24 abr. 2013.
7 MELO, Gustavo de Medeiros. “Coisa julgada a favor de terceiros em matéria securitária”. Revista de Pro-
cesso. vol. 287. São Paulo: RT. jan. 2019, p. 335.
8 MELO, Gustavo de Medeiros. Ação direta da vítima no seguro de responsabilidade civil. São Paulo: Con-
tracorrente, 2016, pp. 104 e ss.
9 A Súmula 529 não precisava impor regime de litisconsórcio obrigatório. Bastaria reconhecer o faculta-
tivo. Para entender o porquê dessa crítica: MELO, Gustavo de Medeiros. Ação direta da vítima no seguro
de responsabilidade civil. São Paulo: Contracorrente, 2016, p. 119. O próprio precedente que gerou a
súmula chegou a vislumbrar certo abrandamento: STJ, 2ª Seção, REsp 962.230-RS, Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em: 08 fev. 2012. Depois foi expressamente afastada: STJ, 3ª T., REsp 1.584.970-
MT, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 24 out. 2017. Prova disso são os vários acórdãos que
começaram a aparecer nos tribunais para justificar sua não aplicação em determinados casos: TJSP, 28ª
Câmara de Direito Privado, Ap. 0020367-52.2011.8.26.0554, Des. Gilson Delgado Miranda, julgado
em 20 out. 2015; 28ª Câmara de Direito Privado, Ap. 1118925-41.2014.8.26.0100, Des. Cesar Luiz de
Almeida, julgado em 10 abr. 2018; 29ª Câmara de Direito Privado, Ap. 1006692-96.2017.8.26.0100,
Des.ª Maria Cristina de Almeida Bacarim, julgado em 28 maio 2019; 29ª Câmara de Direito Privado, Ap.
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