Incertezas sobre os riscos ambientais e a necessidade de delimitação dos riscos pelos seguros: algumas aproximações conceituais para o desenvolvimento dos seguros ambientais

AutorPery Saraiva Neto
Páginas237-268
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40 .
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AM BI EN TA IS E A NE CE SS ID AD E D E
DE LI MI TA ÇÃ O DOS R IS CO S P EL OS
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DO S S EG UR OS AM BI EN TA IS
Pery Saraiva Neto
I. ELEMENTOS TEÓRICOS SOBRE O RISCO E SUA INFLUÊNCIA
NO SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL
A
ideia e o conceito de risco, bem como suas dimensões e reflexos em um sis-
tema jurídico – nos vários ramos deste sistema que, conquanto não sejam
independentes, pois se relacionam, operam com lógicas funcionais diversas – con-
formam uma jornada teórica e jurídica com múltiplas possibilidades. Nos limites
deste texto, serão abordados elementos gerais sobre a ideia de risco, vinculando-o
aos riscos ambientais, para, então, analisar a forma como a variável do risco exerce
influência no sistema de responsabilidades ambientais.
Toma-se o estudo do risco como ponto de partida, pois esse é o elemento con-
tundentemente capaz de aproximar os riscos ambientais e os seguros, e a possibili-
dade de gestão de riscos. A problematização do risco ambiental está na origem do
Direito Ambiental e influencia suas modulações, em especial em matéria de res-
ponsabilidade civil ambiental. O risco, por outro lado, é o elemento fundamental
que justifica, explica e desenvolve os seguros.
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PE R Y S A R A I V A N E T O
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A exposição humana aos riscos,1 perigos ou ameaças não é uma preocupa-
ção restrita à contemporaneidade.2 Pelo contrário, é uma constante que remete a
tempos imemoriais.3 Desde um passado longínquo, remontando a muito antes da
sociedade industrial e massificada, a preocupação e o enfrentamento de ameaças
externas, ditas da natureza (natural ha zards), são presentes na sociedade. Eventos
climáticos, tais como alagamentos e terremotos, ou ameaças da natureza, como
animais selvagens, foram desafios com os quais a humanidade se confrontou e pro-
curou adaptar-se ao longo do tempo, buscando mecanismos para inibir ou miti-
gar os impactos.
Interessam neste estudo, no entanto, não os riscos propriamente decorrentes
da natureza, mas os riscos decorrentes da atividade e do desenvolvimento huma-
nos, que originam situações de poluição cuja origem pode ser mais ou menos
imputável a alguém, direta ou indiretamente e que, por conseguinte, acarretam
responsabilidade civil ambiental.4
Há grande confusão conceitual entre incerteza, ameaça, perigo e risco. Um
ponto de recorte observacional costuma ser associado à distinção entre riscos e
perigos, pois o conceito de risco costuma ser estabelecido em oposição ao de perigo.
Assim, “o perigo tem origem natural, associado não apenas ao que conhecemos
1 A expressão “risco” pode ter uma acepção positiva ou negativa. Geralmente, esse termo, tal como “perigo”
e “ameaça”, está associado a possibilidades negativas. Segundo Furedi, A transformação do medo em risco
encontra paralelo na tendência para retratar o risco como uma experiência negativa. Expressões como
“risco positivo” gozam de pouca aceitação cultural. Inclusivamente, retratar o risco como algo que é neu-
tro parece incompatível com o sentir do nosso tempo. Pelo contrário, o risco é associado à expectativa
de desfechos negativos”. FUREDI, Frank. “Para uma sociologia do medo”. In: MENDES, José Manuel de
Oliveira (Coord.) Risco, Cidadania e Estado num mundo globalizado. Coimbra: Contexto, CES – Centro
de Estudos Sociais, 2013, p. 202.
2 LUHMANN, Niklas. Sociología del riesgo. Coord. Traducción Javier Torres Nafarrate. México D.F.: Uni-
versidad Iberoamericana, 2006, p. 52.
3 SMITH, Keith. Environmental hazard: assessing risk & reducing disaster. London: Routledge, 1992. p.
5; PARDO, José Esteve. “Las aportaciones de Ulrich Beck a la comprensión del nuevo entorno sociológico
del Derecho Público”. In: GOMES, Carla Amado; TERRINHA, Luis Heleno (Coord.) In memoriam:
Ulrich Beck. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/FDUL, 2016, p. 98.
4 Para fins metodológicos de análise, é necessária a adequada distinção das duas categorias de riscos. Nesse
sentido, a contribuição de MONTI, Alberto. Environmental risks and insurance: a comparative analysis
of the role of insurance in the management of environment-related risks. OCDE, 2002, p. 2. Disponível
em: www.oecd.org/finance/financial-markets/1939368.pdf. Acesso em: 13 jun. 2020. Segundo o autor
“two different kinds of environment-related risks: 1. the environmental liability risk (i.e. the financial
risk associated with environmental pollution and contamination) and 2. the natural catastrophe risk (i.e.
the risk of major damages in connection with the occurrence of natural disasters, such as earthquakes,
floods or other extreme environmental conditions). Both these environment-related risks, as mentioned,
are characterized by the potential for catastrophic consequences. However, even if they may share some
common features, they are structurally different from the standpoint of the insurer and, therefore, they
deserve to be treated separately”.
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como catástrofes naturais, mas também às dificuldades que o ser humano encon-
tra para satisfazer suas necessidades”.5 Para Ulrich Beck, a distinção entre perigo
e risco serve mais para caracterizar momentos diversos de exposição a ameaças –
perigo: natureza; riscos: tecnologia – do que para uma conceituação dessas figuras.
No entanto, para outros autores, no geral, perigos e riscos são tomados como
sinônimos.6 Para Smith, a diferenciação entre perigo e risco tem utilidade se empre-
gado o conceito de risco como medida da ameaça relacionada ao perigo. Assim, o
perigo seria uma ameaça potencial às pessoas e ao seu bem-estar, enquanto o risco
seria a probabilidade de que um perigo ocorra. O risco de ocorrência de um perigo
pode variar entre as classificações de pequeno, médio ou grande, a depender da
maior ou menor probabilidade de ocorrência, levando-se em conta, também, a
valoração que se atribui ao objeto em perigo, ou seja, se o que está em ameaça são
pessoas, bens ou os recursos naturais. A definição do risco, portanto, passa por sua
escala e alcance.7
Retomando o que fora proposto por Beck, as ameaças decorrentes de fatores
externos, puramente naturais, denominam-se perigos, enquanto os riscos asso-
ciam-se ao advento da técnica (entendida como aquilo que propicia uma conexão
entre humanos e a natureza). É pela técnica que se torna possível a apropriação,
domínio e exploração do risco. Explica Pardo, em um contexto de análise proble-
matizadora sobre a técnica, que
esta técnica com que se reduzem e controlam os perigos naturais não é sempre inócua
e apresenta também seu lado obscuro: o risco. O que precisamente caracteriza o risco
é que tem sua origem na técnica, é risco tecnológico, diferentemente do perigo que
tem origem natural. Com seu espetacular desenvolvimento, especialmente nos últimos
séculos, a técnica superou e neutralizou muitos perigos naturais, porém isto implicou
em um custo: os riscos gerados pela própria técnica.8
5 PARDO, José Esteve. “Las aportaciones de Ulrich Beck a la comprensión del nuevo entorno sociológico
del Derecho Público”. In: GOMES, Carla Amado; TERRINHA, Luis Heleno (Coord.) In memoriam:
Ulrich Beck. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/FDUL, 2016, p. 98.
6 SMITH, Keith. Environmental hazard: assessing risk & reducing disaster. London: Routledge, 1992, p. 6.
7 SMITH, Keith. Environmental hazard: assessing risk & reducing disaster. London: Routledge, 1992, p. 6.
8 PARDO, José Esteve. “Las aportaciones de Ulrich Beck a la comprensión del nuevo entorno sociológico
del Derecho Público”. In: GOMES, Carla Amado; TERRINHA, Luis Heleno (Coord.) In memoriam:
Ulrich Beck. Lisboa: Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, FDUL, 2016. p. 99. Para mais elementos
sobre esta distinção, vide PARDO, José Esteve. Técnica, riesgo y Derecho: tratamiento del riesgo tecno-
lógico en el Derecho ambiental. Barcelona: Ariel, 1999, p. 28.
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