O compliance como instrumento de garantia da efetividade de políticas públicas de saúde no Brasil

AutorClarice Seixas Duarte
Ocupação do AutorBacharel em Direito (1994) e doutora em Filosofia e Teoria Geral do Direito (2003) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Páginas81-100
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O COMPLIANCE COMO INSTRUMENTO DE
GARANTIA DA EFETIVIDADE DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL
Clarice Seixas Duarte
Bacharel em Direito (1994) e doutora em Filosoa e Teoria Geral do Direito (2003)
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Desde 2008, é professora do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Uni-
versidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenadora do Projeto de Internacionalização
“Inclusão Social, Políticas Públicas e Governança para Reduzir as Desigualdades”,
CAPES PRINT. Foi Coordenadora de Pesquisa e Extensão da Faculdade de Direito
da mesma instituição e atualmente lidera o Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq
“Direitos Sociais e Políticas Públicas”. É representante no Brasil da Plataforma Inter-
nacional “Academics Stand Against Poverty” (ASAP), onde atua como coordenadora
cientíca do núcleo de direito à educação. Suas pesquisas abrangem a temática dos
direitos humanos, com especial ênfase na efetivação dos direitos sociais à educação
e à saúde e no estudo das políticas públicas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Breve panorama da estrutura do sistema de saúde no Brasil. 3.
A base normativa do compliance no ordenamento jurídico brasileiro. 4. Compliance como
mecanismo preventivo de disfunções, distorções e desvios nas prestações de saúde. 5. Com-
pliance e políticas públicas de saúde no Brasil. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Direito brasileiro sofreu uma série de alterações a partir da promulgação da Cons-
tituição Federal de 1988 (CF/88), num contexto de redemocratização do país após um
longo período de Ditadura Militar. Um dos grandes avanços desse importante pacto social
foi a introdução de uma nova concepção de cidadania, reconhecida expressamente como
fundamento do Estado brasileiro (cf. art. 1º). Em consequência, a dimensão meramente
política do conceito, atrelada à noção de nacionalidade, sofreu uma ampliação signif‌ica-
tiva, o mesmo ocorrendo em relação ao papel do Estado para garantir a sua efetivação.
Houve, de um lado, a expansão da titularidade dos direitos de cidadania, que passaram
a abranger a todos, e não apenas aqueles que mantêm vínculo jurídico com o Estado
brasileiro. E, de outro, destaca-se o reconhecimento expresso de um amplo rol de direitos
civis, políticos, econômicos, sociais e culturais como autênticos direitos fundamentais,
protegidos por um regime jurídico reforçado.
Dentre os mecanismos necessários para a efetivação dos direitos fundamentais, em
especial os de natureza prestacional, pode-se citar o papel de destaque que as políticas
públicas vêm desempenhando, conferindo grande protagonismo ao Poder Executivo no
processo de sua implementação. Nada mais natural quando se trata de uma Constituição
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que adotou o modelo de Estado Social e Democrático de Direito, em que os poderes pú-
blicos são constantemente incitados a agir no sentido de respeitar, proteger (impedir que
terceiros violem) e implementar direitos fundamentais. O cumprimento de tais deveres
constitui um fator essencial para se alcançar objetivos coletivos, sintetizados, entre nós,
no art. 3º da CF/88, tais como o pleno desenvolvimento, a redução das desigualdades
sociais e regionais e a realização da justiça social. (BERCOVICI, 2003; OLIVEIRA, 1993)
As políticas públicas referem-se a programas de ação governamental unidos por
f‌inalidades comuns, englobando a ação planejada do Estado em direção à realização de
objetivos constitucionalmente determinados. Para a efetivação do direito à saúde, a CF/88
previu a estruturação de um Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela organização
de ações e serviços de saúde em larga escala, voltados ao atendimento das necessidades
do conjunto da população, com a colaboração do setor privado na sua oferta. Ocorre
que, em se tratando de um bem de interesse público, há uma série de normativas que
devem ser obedecidas também pelo particular quando no exercício dessa função. Nesse
sentido, a atuação do setor privado no desempenho das ações e dos serviços de saúde
deve obedecer aos princípios e diretrizes previstos na CF/88.
A ampliação dos direitos de cidadania e das tarefas do Estado voltadas à sua realiza-
ção veio acompanhada do reforço de garantias processuais para obrigá-lo a agir em caso
de omissão, além de medidas para conter eventuais abusos e desvios de f‌inalidade. Em
matéria de políticas públicas, a CF/88 trouxe também um reforço em relação à previsão
de canais de participação popular direta no controle dos atos da administração, de forma
institucionalizada (por meio de conselhos, conferências fóruns, audiências públicas,
possibilidade de propositura de ações judiciais, só para citar alguns exemplos).
Paralelamente, princípios como o da transparência dos atos da administração pú-
blica, da moralidade pública e motivação dos atos administrativos, bem como a previsão
do direito de acesso à informação e a criação de indicadores sociais para monitorar a
progressividade da oferta de bens e serviços voltados à concretização dos direitos de
cidadania são mecanismos que vêm ampliando os espaços de controle da ação da Admi-
nistração pública. Recentemente, o arcabouço normativo voltado ao combate de práticas
de corrupção vem ganhando cada vez mais estofo.
No que tange às funções exercidas pelo particular no âmbito da saúde, elas, que
também devem estar de acordo com as diretrizes e os princípios previstos no ordena-
mento jurídico brasileiro, estão sujeitas a constantes mecanismos de monitoramento,
f‌iscalização e controle, não apenas quando aquele contrata com o setor público, mas
também quando presta serviços diretamente ao particular.
É nesse contexto que se insere a proposta do presente artigo, qual seja, a de investi-
gar o papel do compliance, instrumento originário do Direito anglo-saxão, como meca-
nismo preventivo de disfunções, distorções e desvios na prestação de serviços de saúde
no Brasil por parte do setor privado. Busca-se verif‌icar se o fomento à utilização desse
expediente por parte do Estado pode contribuir para que haja uma maior articulação
entre a ação dos diversos atores envolvidos no sistema de saúde, os diversos órgãos de
controle da administração pública e os agentes benef‌iciários das ações e dos serviços de
saúde, ampliando a própria efetividade das políticas públicas do setor.
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