Condições da Ação Cautelar

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2335-2344

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1. Comentário
1.1. Possibilidade jurídica do pedido

A autonomia do processo cautelar - em confronto com os processos de conhecimento e de execução - repele os traços de provisoriedade e acessoriedade, com que certo segmento da doutrina, em grande desacerto, vem procurando assinalá-lo.

Nada obstante essa autonomia, pode ocorrer de a parte, ao deduzir uma pretensão cautelar, fazê-lo com vistas a um direito que constituirá objeto de processo futuro; neste caso, o que surge é uma simples “aparência” de acessoriedade e de provisoriedade da medida acautelatória, porquanto, regra geral, do ponto de vista ontológico não existe a dependência a um “processo principal”, como proclama o art. 796 do CPC.

É relevante verificar, contudo, se o juiz poderá declarar o autor carecente da ação cautelar caso haja um veto legal quanto à pretensão de direito material que este irá deduzir em processo futuro. Até onde sabemos, o assunto ainda não foi examinado pela doutrina trabalhista. Este fato, porém, longe de inibir-nos a opinião, estimula-nos a emiti-la.

Entendemos que na hipótese suscitada o órgão de primeiro grau poderá pronunciar a carência da ação cautelar, desde que o pedido a ser formulado no processo “principal” seja, efetivamente, impossível de ser acolhido em juízo. Supor que a autonomia do procedimento acautelatório autorizaria conceder a medida desejada pela parte seria, de um lado, ignorar que ela própria está vinculando a medida cautelar a um processo futuro, que terá como objeto um pedimento a que a lei nega amparo; de outro, conduziria a um desperdício de atividade jurisdicional, pois o pedido a ser deduzido no processo “principal” seria, virtualmente, declarado juridicamente inatendível.

Em resumo, o procedimento cautelar não pode servir de meio para acautelar um interesse de direito material que tem contra si um veto da ordem legal.

Imaginemos, por exemplo, que um empregado pretenda ingressar em juízo “contra” o seu empregador, colimando receber certa quantia oriunda de jogo de azar; sabendo que o empregador está vendendo, açodadamente, todos os seus bens, o empregado ajuíza uma ação cautelar, visando a apreender alguns bens deste, de maneira a assegurar que a futura execução não seja frustrada. Ora, ciente o juiz de que as dívidas de jogo não

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obrigam a pagamento (CC, art. 814), é razoável que tolha, no nascedouro, a pretensão do empregado, declarando-o carecedor da ação cautelar por ser juridicamente impossível o pedido que formulará na ação principal.

Permitir - na espécie em estudo - a apreensão de alguns bens do empregador seria perpetrar um constrangimento ilegal do seu patrimônio, que a tanto não autoriza o poder geral de acautelamento que os textos processuais outorgam aos juízes. É curial que, em outras circunstâncias, esse poder genérico de cautela legitimaria a retenção de bens, com o escopo de garantir futura execução da sentença que viesse a ser proferida no processo principal. No exemplo cogitado, todavia, a preeminência é do veto legal à pretensão de direito substancial que a parte deseja proteger com a medida acautelatória.

Embora o CPC nada disponha sobre a possibilidade de o órgão de primeiro grau declarar, neste caso, o autor da cautelar carecedor da ação, essa viabilidade decorre de razões não apenas lógicas, mas da própria necessidade de fazer valer a vontade da lei no sentido de excluir da sua esfera tutelar e normativa determinadas pretensões. Daí o nosso convencimento de que a concessão de provimentos acautelatórios tendentes a ensejar pedidos de natureza material considerados juridicamente impossíveis acarreta o desperdício de atividade jurisdicional, de que há pouco falamos.

Nem se estranhe a singularidade de o juiz manifestar-se, na ação cautelar, acerca de matéria que normalmente seria suscitada apenas na ação principal, pois o próprio CPC prevê esse conhecimento antecipado. Referimo-nos ao art. 810, que faz alusão ao fato de o juiz haver acolhido, no processo cautelar, alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor, com o que estará cortando cerce a sua possibilidade de intentar a ação principal. Também aqui o objetivo do legislador foi, desenganadamente, o de evitar que, estando fulminada pela prescrição liberatória o direito do autor, viesse o Juiz a conceder uma providência cautelar destituída de qualquer utilidade prática. Outrora, por força da redação original do art. 219, § 5.°, do CPC, o juiz não poderia conhecer ex officio de prescrição respeitante a direitos patrimoniais. Atualmente, em virtude da nova redação imposta a esse preceito legal pela Lei n. 11.280, de 16-2-2006, o juiz deverá declarar, de ofício, a prescrição (ainda que verse sobre direitos patrimoniais).

Em outros casos, contudo, a impossibilidade jurídica do pedido se refere ao objeto da própria pretensão cautelar e não ao pedido a ser formulado na ação dita principal. Tenhamos em conta, p. ex., o pedido de arresto de bens que a lei considere absolutamente impenhoráveis, como os inalienáveis; as provisões de alimentos e combustíveis, necessárias à manutenção do devedor e de sua família, durante um mês; o anel nupcial e os retratos de família; os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários; os equipamentos dos militares; os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos imprescindíveis ou úteis ao exercício da profissão; enfim, todos aqueles bens relacionados no art. 649 do CPC, e em outros dispositivos legais. Se tais bens não podem ser penhorados, é óbvio que também não podem ser arrestados. Sendo assim, se o autor pretender arrestar quaisquer deles, impõe-se ao juiz obstar a pretensão, declarando-o carecedor da ação cautelar - sem que essa manifestação jurisdicional prejudique o direito de o autor buscar o arresto de bens que possam ser realmente objeto de constrição judicial.

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Como afirmamos anteriormente, em todos os casos em que o juiz declara o autor carecedor da ação (seja no processo cautelar, no de conhecimento, etc.), por ser o pedido juridicamente impossível, a extinção do processo, daí proveniente, se dá com julgamento do mérito, ao contrário, portanto, da errônea previsão feita pelo art. 267, VI, do CPC, onde se afirma que a extinção ocorre sem afetar as questões de fundo.

Uma outra hipótese, que nos vem à lembrança - dentro do tema que estamos examinando -, é a de o autor requerer um arresto com vistas à “propositura” de ação meramente declaratória (ou mesmo solicitar a medida incidentalmente). Se a providência foi requerida em caráter antecedente à ação principal, a sua primeira dificuldade estaria, sem dúvida, em demonstrar a existência de uma dívida líquida e certa, requisito exigido pelo art. 814, I, do CPC, para a concessão da medida. Além disso, valendo a ação declaratória como simples preceito, uma vez que destituída de qualquer conteúdo condenatório, faltaria ao requerente da cautelar base jurídica para justificar o pretendido arresto; bem andaria o juiz, consequentemente, se lhe negasse a providência acautelatória, não tanto pela impossibilidade jurídica desse pedido, se não que por sua intransponível ilogicidade (ou incompatibilidade) jurídica.

Para quem admite o sequestro no processo do trabalho, situação semelhante à acima aventada se verificaria caso se pretendesse sequestrar bem cuja posse ou propriedade não fosse disputada (CPC, art. 822, I). Se, em determinada hipótese, houver condições de fazer atuar o princípio da fungibilidade das medidas acautelatórias, poderá o juiz conhecer do sequestro como sendo arresto e assim apreciá-lo; fora disso, incumbir-lhe-á denegar, inclusive de plano, a providência solicitada, em face de sua absoluta impertinência ou...

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