Direito Substancial Cautelar

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2430-2435

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1. Introdução

Inauguremos este Capítulo com uma indagação, que lhe revela o próprio conteúdo: existe um direito material de cautela?

Pontes de Miranda entende que sim: “As ações cautelares são ações, por si sós; não fazem parte das relações principais ainda que tenham funções preparatórias. Há direito, pretensão e ação cautelares. Basta que se leiam os arts. 675 e 676 do Código de Processo Civil para que disso nos convençamos. As regras jurídicas contidas nos arts. 675 e 676 não são regras jurídicas processuais, mas sim regras jurídicas de direito material (A. Wach, Der italianische Arresstropozes, 95 s.; Der Feststellungsanspruch, 18; J. Weismann, Lehrbuch, II, 235), heterotopicamente metidas na legislação processual” (ob. cit., tomo IX, p. 373) (destacamos).

Allorio, influenciado pelo pensamento germânico sobre o processo, também participa dessa opinião manifestada por Pontes de Miranda, como se lê em seu artigo “Per una Nozione del Processo Cautelare”, publicado na Rivista di Diritto Processuale Civile (1936,
p. 18). É necessário observar, todavia, que essa atitude de Allorio é consequência de seu apego à doutrina do direito sancionatório, circunstância que o fez ver em uma sanção mais branda o efeito prático da cautela. Em rigor, Allorio inspirou-se nas concepções de Briegleb para concluir que a cautela constituía uma fase antecipada da execução e que o poder de realizar a atuação da sanção pode resultar, indiferentemente, da ação ou do direito. Como assinala Castro Villar, para Allorio a separação entre o procedimento cautelar e o procedimento executivo é feita no terreno prático, “e se coloca somente no terreno da substância, sobre a diversidade da sanção aplicada” (ob. cit., p. 38).

Em nosso meio, Ovídio Baptista da Silva também se manifestou no sentido de admitir a existência de um direito substancial de cautela, como podemos constatar por esta passagem de sua obra: “Mas se devemos aceitar a autonomia da tutela cautelar, referindo-a não ao direito cautelado, mas a uma situação objetiva de perigo, cremos que não nos será lícito dizer que a ação assecurativa protege sem satisfazer. Há interesse de direito material que é satisfeito, qualquer que seja o resultado do chamado processo principal; se devemos afirmar a existência de uma res in judicium deducta na ação cautelar, somos levados a supor que essa tutela direta e imediata corresponde à pretensão à segurança, tenha uma peculiar função satisfativa enquanto atende a pressupostos específicos e acerta, de modo definitivo, sobre a res in judicium deducta” (ob. cit., p. 35-36).

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Nossa posição diante do tema não coincide, data venia, com a dos ilustres autores mencionados.

A tese que diz da existência de um direito substancial de cautela é produto da cerebração de alguns juristas alemães do século XIX, vinculados à doutrina da ação como um direito concreto à tutela jurídica (consulte-se, a propósito, o Capítulo I deste livro). Dentre esses processualistas, destacam-se Wach e Briegleb, que deram maior consistência à tese da ação cautelar como manifestação de um direito subjetivo material à segurança.

Na precisa advertência de Galeno Lacerda, entretanto, essa teoria continha um vício em sua origem — que a comprometia —, pois influenciada pela doutrina da ação como um direito concreto à tutela jurisdicional, cuja consequência era subordinar a ação a um absurdo direito à sentença favorável (ob. cit., p. 52).

É relevante frisar que o próprio Wach, tempos depois, reviu o seu pensamento acerca do assunto, reformulando-o, segundo atestam estas suas palavras: “O direito ao embargo preventivo não é um direito de ação imanente ao direito material, nem associado a este sob forma acessória, no sentido de direito civil secundário, mas uma pretensão de proteção do direito, posta a seu serviço e de natureza pública” (apud LACERDA, Galeno, ob. cit., p. 52).

Admitir-se, portanto, a presença de um direito substancial de cautela, como querem alguns autores, será, antes de mais nada, fazer uma imprudente revivescência da equivocada teoria civilista da ação, que via, nesta, um direito concreto à tutela jurídica. Ora, sendo a...

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