Preventividade, Provisoriedade,Acessoriedade, Instrumentalidade e Sumariedade Cautelar

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas2436-2447

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1. Preventividade

No sistema do Código de 1939, o arresto, o sequestro, a busca e apreensão, as cauções, a exibição de livros, coisa ou documento, as vistorias, arbitramentos e inquirições ad perpetuam rei memoriam — ao lado de outras, que deixamos de arrolar por serem inaplicáveis ao processo do trabalho — eram consideradas medidas preventivas; estas, por sua vez, estavam compreendidas no Livro V, que versava sobre os processos acessórios. Fora das medidas preventivas, mas dentro dos processos preventivos, se encontravam o atentado, os embargos de terceiro, a falsidade de documentos, os protestos, notificações, interpelações, a justificação, etc., alguns dos quais de natureza cautelar, embora sem estarem identificados, isoladamente ou em grupo, a esse título.

O CPC vigente, todavia, abandonou a antiga denominação de medidas preventivas, substituindo-a, em melhor técnica, pela de medidas cautelares, de par de atrair para o campo destas algumas providências ou ações que o Código anterior deixara confusamente dispersas no Livro V.

Medidas preventivas e medidas cautelares, contudo, não constituem expressões sinônimas?

Certamente que não. As primeiras possuem um sentido mais amplo, pois correspondem ao gênero do qual as segundas figuram como espécies. Podemos afirmar, em virtude disso, que embora toda providência cautelar tenha caráter preventivo, nem toda medida preventiva é cautelar. Calamandrei já chamara a atenção ao fato de não se poder confundir entre cautela preventiva e tutela cautelar, pois são dotadas de conceitos distintos, embora estejam vinculadas entre si “numa relação de gênero e espécie” (Introduzione..., p. 16).

O interdito proibitório (CPC, art. 932) e o mandado de segurança impetrado em caráter preventivo (Lei n. 1.533/51, art. 1.º, § 2.º) podem ser mencionados como ações preventivas, sem que possuam, porém, o traço da cautelaridade.

Calamandrei inclui a ação declaratória no elenco das cautelares, com base no argumento de que ela oferece uma “condição de vantagem probatória”, que tornaria desnecessária a

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discussão incidenter tantum no processo principal a respeito da autenticidade ou falsidade do documento (idem). Ora, conquanto a ação declaratória tenha uma índole marcadamente preventiva, não se pode dizer que também possua sentido acautelatório. Falta, essencialmente, para a configuração dessa ação como cautelar o pressuposto do periculum in mora; nem lhe é característica a instrumentalidade que assinala as cautelas jurisdicionais. Micheli, aliás, pôde enfatizar, com grande propriedade jurídica, o caráter autônomo da ação declaratória que, por isso mesmo, é provida de eficácia própria; tal modalidade de prestação jurisdicional revela-se, portanto, satisfativa e não assecuratória (apud SILVA, Ovídio Baptista da, ob. cit., p. 13).

Castro Villar também separa as medidas cautelares das preventivas e reconhece que estas representam o gênero de que aquelas aparecem como espécie; a partir daí, entretanto, extrai peculiar conclusão de que as medidas cautelares são sempre jurisdicionais: “Aquilo a que denominam medidas administrativas entra no conceito geral de prevenção” (ob. cit.,
p. 8). Segundo o ilustre jurista, as ações cautelares são sempre preventivas e de natureza jurisdicional, com o que afasta a possibilidade de existirem cautelas de índole administrativa (uma vez que a estas cola a marca da preventividade geral). O renomado autor paulista reconhece, ainda, a existência de medidas preventivas cautelares e de medidas preventivas gerais (não-cautelares), nesta última classe estariam inseridos, v. g., os protestos, as notificações, as interpelações, a justificação, etc.

Em termos práticos, os efeitos dessa habilidosa separação efetuada por Castro Villar coincide com aqueles resultantes do segmento doutrinário que admite um grupo de cautelas de natureza meramente administrativa, pois tanto lá como aqui essas medidas não se subordinam à regra do art. 806 do CPC, de acordo com a qual, efetivada a providência, deverá a parte “propor” a ação (principal) no prazo de trinta dias, sob pena de cessação da eficácia da medida (art. 808, I), sempre que houver sido concedida em procedimento preparatório. Doutrinariamente, porém, preferimos seguir concebendo a possibilidade de isolar-se uma classe de cautelas de natureza administrativa, colocando-as ao lado das jurisdicionais.

Note-se que não estamos falando de medidas cautelares administrativas e sim de providências cautelares de natureza (ou índole, ou feição) administrativa, o que é coisa dessemelhante. É óbvio que se a providência é concedida (como em regra o é) por órgão do Poder Judiciário, só podemos reconhecer que se trata de ato jurisdicional. O que temos sustentado é a existência de medidas cautelares (logo, jurisdicionais) que apresentam fortes traços administrativos — no sentido de administração pública de interesses privados, realizada pelo Poder Judiciário —, seja em virtude de certos elementos orgânicos típicos (procedimento e não processo, interessados e não partes, ausência de coisa julgada material), seja de um tratamento legal diferençado (ausência de defesa, como ocorre na justificação, nos protestos, notificações, interpelações e antecipação de provas).

O que de concreto existe, na verdade, é a falta de uniformidade dos autores quanto à classificação não somente das medidas preventivas não-jurisdicionais, como das próprias providências jurisdicionais. O atentado, v. g., embora tenha sido incluído no CPC atual como uma das espécies de cautelas jurisdicionais (art. 879), não possui finalidade acautelatória

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e nem de medida preventiva se trata, pois é saliente o seu sentido repressivo de atos como os de violação de penhora, arresto, sequestro, imissão na posse, prosseguimento em obra embargada ou de qualquer outra inovação ilegal no estado de fato (incisos I a III).

Convém destacar que a circunstância de determinado ato jurisdicional apresentar uma certa “carga” de cautelaridade ou de preventividade não é suficiente para atribuir-lhe caráter de medida acautelatória ou preventiva. Tomemos como exemplo a penhora. Nada obstante ela possua uma aparência cautelar, na medida em que assegura a execução que se irá promover, devemos reparar que a sua finalidade se projeta para muito além de uma simples cautela, pois esse ato tem inegável escopo satisfativo da pretensão do credor. Sob o aspecto procedimental, esteve certo Carnelutti em ver na penhora uma das primeiras fases do processo de execução, ou seja, o primeiro de um encadeamento de atos sequentes que têm por objetivo a expropriação (Carattere della sentenza di falimento. In: Rivista Diritto Processuale Civile, 1091, II, p. 171).

É também de grande importância que se tenha em mente a advertência de Ovídio Baptista, de que se nos deixássemos seduzir pelos processualistas que consideram como medidas cautelares tudo o que seja preventivo, não iríamos mais parar, terminando por aceitar como provimento acautelatório tudo o que fosse preparatório, preventivo, provisório, instrumental ou urgente: “Isto não passaria de mera disputa verbal inconsequente. E em matéria de medidas cautelares, com efeito, não estamos longe disso” (ob. cit., p. 22).

2. Provisoriedade

Os autores que afirmam a presença de um sinal de provisoriedade em todas as cautelas cometem o erro de fechar os olhos à existência — no universo cautelar — de uma classe manifesta de providências de índole administrativa, que repelem esse traço de provisoriedade. Vejamos Theodoro Júnior: “Toda medida cautelar é caracterizada pela provisoriedade, no sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo, e, ao contrário, se destina a durar por um espaço de tempo delimitado. De tal sorte, a medida cautelar já surge com a previsão de seu fim” (ob. cit., p. 66-67). O renomado jurista revela haver-se estribado em Carlo Calvosa para emitir esse parecer.

Venia concessa, a maioria das providências assecuratórias, de índole administrativa, como a justificação, os protestos, notificações e interpelações, em regra é definitiva, pois não se liga a nenhum processo principal, presente ou futuro. Têm, por isso, eficácia stante se, própria; logo, como sustentar-se, sem grave lesão à natureza e à finalidade dessas providências, que elas já surgem “com a previsão de seu fim”?

Quem, v. g., pretender justificar —...

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