Conflitos Internacionais

AutorJulio César Borges dos Santos
Ocupação do AutorBacharel em Direito. Professor universitário. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Pesquisador do Direito e das Relações Internacionais
Páginas139-156

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Neste capítulo você aprenderá sobre:

· Os meios de solução de conflitos internacionais.

· A guerra e as cortes internacionais.

1. Considerações iniciais

Apoiado no conceito formulado pela Corte da Haia, Francisco Rezek define o conflito ou litígio internacional como todo desacordo sobre certo ponto de direito ou de fato, toda contradição ou oposição de teses jurídicas ou de interesse entre dois Estados.1 De fato, o conflito é inerente à natureza humana e seu refiexo, como não poderia deixar de ser, se manifesta também no interior das relações interestatais.

Uma vez que a sociedade internacional de Estados refiete em proporções variadas as sociedades humanas constituídas no seio destes mesmos Estados, decorre de tal realidade a circunstância segundo a qual nem sempre haverá concordância de posições entre os Estados, daí o subsequente surgimento de controvérsias internacionais. De fato, observa-se hoje, mais do que nunca, uma multiplicidade de conflitos de interesses na esfera internacional.

Observam-se hoje em dia conflitos internacionais acerca do meio ambiente, do comércio, dos direitos humanos, em função de disputas territoriais e também no que diz respeito a muitos outros temas, os quais urgem pelo estabelecimento de um sistema próprio

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de solução de controvérsias capaz de satisfazer as particularidades de cada um destes microuniversos.

Deve ficar claro desde já que um conflito internacional não necessariamente se restringe àquela controvérsia entre dois Estados. Em que pese ser esta a modalidade de conflitos com maior incidência na esfera das relações internacionais, muita vez se observará que outros entes do direito internacional - como as organizações internacionais - poderão ser parte interessada em determinada controvérsia.

É importante ressaltar que a solução pacífica de controvérsias internacionais sempre terá sua eficácia adstrita à vontade dos países em controvérsia. Neste sentido, mesmo que se equacionem soluções adequadas, em comum acordo, ou mesmo propostas por um terceiro ente, a solução dependerá do próprio Estado ofensor para ser efetivada.

As controvérsias internacionais podem ter as mais variadas causas. Entretanto, estas são, geralmente, classificadas em políticas e jurídicas , muito embora, na prática, seja, às vezes, difícil distinguir as controvérsias de natureza política das de natureza jurídica.

As de caráter jurídico podem resultar: a) violação de tratados ou convenções; b) do desconhecimento, por um Estado, dos direitos de outro; c) da ofensa a princípios correntes de direito internacional, na pessoa de um cidadão estrangeiro. As de caráter político envolvem apenas choques de interesses, políticos ou econômicos; ou resultam de ofensas à honra ou à dignidade de um Estado.2Com relação à solução pacífica de controvérsias internacionais, a doutrina costuma elencar os seguintes meios: a) os meios diplomáticos; b) meios políticos; e c) meios jurisdicionais.3Desde logo é bom

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que se diga que não existe entre as referidas medidas destinadas a solucionar controvérsias qualquer hierarquia, cabendo às partes adotar aquela que melhor lhes convenha.

2. Meios diplomáticos

As medidas diplomáticas para a solução pacífica de controvérsias internacionais podem ser classificadas em : a) entendimento direto (negociações diretas ou negociação diplomática); b) bons ofícios;

  1. sistemas de consultas; d) mediação; e)conciliação; e f) inquérito. Importante ressaltar a inexistência de hierarquia entre as medidas acima elencadas, sendo admissível às partes de um litígio inter-nacional optar pela medida que melhor lhes convenha. Todavia, o inquérito, enquanto medida destinada à apuração da materialidade dos fatos e passível de ser utilizado como base para qualquer meio de solução de controvérsias, pode ser encarado como um procedimento preliminar, embora facultativo.

Negociações diretas ou entendimento direto - neste caso, a solução da controvérsia internacional é encaminhada a partir de uma negociação entre as partes, procedimento este levado a termo sem que haja a interveniência de terceiros. Podem ocorrer por meio de conversas entre representantes das partes, pelas trocas de notas de governo a governo e também entre um governo e o representante diplomático da outra parte.

Bons ofícios - é também uma forma de solução pacífica de controvérsias que se realiza de maneira direta entre as partes, contudo, há agora a participação amistosa de um terceiro, o prestador de bons ofícios - que pode ser um Estado ou organização. O chamado prestador de bons ofícios não terá a função de solucionar a questão, sendo que, em muitas vezes, até mesmo a desconhecerá. Todavia, ainda que não apresente uma solução ou se posicione acerca do litígio, este terceiro buscará aproximar as partes de maneira pacífica criando uma

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situação propícia para que estas se entendam por si. Por esta razão, é considerado meio meramente instrumental.

Sistema de consultas - por meio deste mecanismo, as partes concordam em reunir-se periodicamente para a troca de opiniões de modo que solucionem controvérsias existentes ou mesmo aquelas que ainda não surgiram, podendo a periodicidade destes encontros ser definida em um tratado. É, portanto, um meio de entendimento previamente programado, realizado de forma direta entre as partes.

Foi só, porém, no continente americano que esse sistema se desenvolveu e adquiriu o caráter preciso de meio de solução pacífica de controvérsias e também o meio de cooperação pacífica internacional.4Mediação - do mesmo modo como ocorre nos bons ofícios, a media-ção é um meio em que haverá o envolvimento de um terceiro, o qual não atuará aproximando as partes, mas, sim, propondo uma solução para a controvérsia após tomar conhecimento das razões de cada um dos contendores. Pode ser oferecida ou solicitada.

O mediador, uma vez que não atua à revelia das partes, deve contar com a confiança destas, embora o parecer do mediador não possua qualquer caráter vinculado à obrigatoriedade. Ou seja, pode ou não ser aceito, desde que as partes o considerem satisfatório.

Conciliação - apesar de semelhante à mediação, diferencia-se num importante aspecto: não haverá um único conciliador, mas uma comissão conciliadora, integrada por Estados em conflito e elementos neutros, em número total ímpar. De acordo com seu aparato formal - outro dos elementos a distingui-la da mediação -, as decisões serão tomadas por maioria, sendo adotadas apenas com a concordância das partes.

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Inquérito - consiste num procedimento preliminar de instância diplomática, política ou jurisdicional, para se estabelecer antecipadamente a materialidade dos fatos, a fim de esclarecê-los e, se necessário, adotar um dos meios de solução de conflitos. Sua condução é realizada por comissões similares àquelas destinadas à conciliação, as quais buscarão apurar os fatos, sendo até possível que, após o procedimento, uma das partes reconheça suas responsabilidades na contenda e esta possa ser de pronto solucionada.

3. Meios políticos

De maneira geral, esta via para solução de controvérsias inter-nacionais deve ser escolhida somente em conflitos de gravidade considerável que signifiquem, ao menos, uma ameaça ao clima de paz mundial. Neste sentido, destacam-se a Assembleia Geral das Nações Unidas e também o Conselho de Segurança das Nações Unidas como legitimados a intervir politicamente para a solução pacífica de deter-minados conflitos internacionais - aqueles cuja gravidade seja reconhecidamente maior em face do contexto internacional.5Não somente as partes em litígio, como também um terceiro estranho à divergência poderão solicitar a intervenção política para a solução deste, devendo ser ressaltado que as recomendações emanadas pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança não possuirão caráter cogente. Como consequência, a desobediência a uma recomendação do Conselho de Segurança ou da Assembleia Geral da ONU não configura, portanto, um ato ilícito, como o seria em caso de sentenças arbitrais ou judiciárias.

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4. Meios jurisdicionais

A doutrina elenca duas medidas de caráter jurisdicional para a solução pacífica de controvérsias internacionais: a) arbitragem; b) solução judiciária.

Arbitragem - A arbitragem é uma via jurisdicional de solução pacífica de conflitos, considerada não judiciária, ante a ausência de profissionalidade e permanência do foro arbitral. Por meio do recurso à arbitragem, buscar-se-á a composição do litígio mediante o emprego de determinadas regras jurídicas, cabendo às partes a escolha do árbitro, ao mesmo tempo em que caberá a este decidir a matéria conflituosa, obedecendo aos parâmetros estabelecidos pelas partes até mesmo quanto ao direito aplicável.

A arbitragem é modalidade de solução pacífica de controvérsia internacional instituída pelas partes por meio de um tratado bilateral denominado compromisso arbitral, nos seguintes termos: os litigantes elegem ad hoc um ou mais árbitros ou um tribunal arbitral; definem os contornos da demanda; informam as regras jurídicas aplicáveis; e firmam compromisso de cumprir a sentença arbitral.6A sentença arbitral é definitiva. Dela não cabe recurso e, uma vez proferida, o árbitro se desincumbe do...

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