O consentimento na reprodução assistida post mortem e reflexos no direito de família

AutorAna Carolina Brochado Teixeira e Anna Cristina de Carvalho Rettore
Páginas205-229
205
O CONSENTIMENTO NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA
POST MORTEM
E REFLEXOS NO DIREITO DE
FAMÍLIA
Ana Carolina Brocha do Teixeira
Anna Cristina de Car valho Rettore
Sumário: 1. Introdução. 2. panorama das relações parentais na
contemporaneidade e as filiações presumida, biológica e socioafetiva. 3. A
reprodução assistida post mortem no Código Civil e o preenchimento do
vácuo legislativo pela Resolução 2.168/2017 do CFM. 4. A questão central
à reprodução assistida post mortem: o consentimento. 5. Reflexos da
reprodução assistida post mortem no Direito de Família. 6.Considerações
finais.
1. Introdução
As novas tecnologias desafiaram as normas até então existentes
sobre as relações familiares. O advento do DNA, a reprodução
medicamente assistida, a possibilidade de doação de gametas, diagnóstico
genético pre-implantatório são alguns exemplos de avanços na área
biomédica que impactaram sobremaneira o Direito de Família.
Nesse contexto, o escopo desse estudo é verificar os reflexos da
reprodução assistida post mortem nas relações parentais, tendo em vista
que o problema central - que se verifica em praticamente todos os casos
levados a público com o manejo dessa técnica - localiza-se no
consentimento da pessoa falecida: qual a forma de externa-lo? Ele
pressupõe um prazo de validade?
Refletir sobre o consentimento do falecido foi o caminho escolhido
para se chegar à análise do influxo dessa nova modalidade de reprodução
no Direito de Família.
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2. Panorama das relações parentais na contemporaneidade e as
filiações presumida, biológica e socioafetiva
As relações parentais transformaram-se profundamente, tanto em
razão de grandes mudanças no Direito de Família, quanto nas relações
sociais, de gênero e nos avanços tecnológicos. Por isso, as antigas
concepções que determinavam os critérios de filiação tiveram que ser
revisitadas para lhes atribuir novos conteúdos, além de haver uma nova
forma de constituição de laços de filiação.
A atribuição do status de filho pode se dar de diversas maneiras:
por meio do estabelecimento de presunções, reconhecimento voluntário e
mediante reconhecimento judicial, que ocorre por meio das ações de
estado. Grosso modo, essas maneiras são feitas tendo como premissas os
critérios que atribuem a filiação: presunção, vínculos biológicos e
socioafetivos.
Quanto à filiação presumida, observa-se que a paternidade
decorrente de relação matrimonial se prova pela simples demonstração do
estado de casado. Prevalece aqui a presunção de paternidade do marido:
pater is est quem justae nuptiae demonstrant. Nas relações extraconjugais,
entretanto, há que se reconhecer o estado de filho, não sendo consentido o
estabelecimento da presunção própria da relação matrimonial. É, pois, o
reconhecimento o ato de declaração, voluntária ou judicial, da filiação
extramatrimonial. É o ordenamento jurídico que “escolhe” os critérios que
proporcionarão certeza jurídica ao fato natural da procriação.1 Ou seja, os
critérios de estabelecimento da filiação são contextualizados
historicamente.
As presunções tradicionalmente mereceram grande espaço no
direito de família, com a finalidade de apaziguar as relações jurídicas. A
necessidade da fixação das presunções originou-se da incapacidade
científica de indicar com certeza quem era o pai biológico. Procurava-se
identificar o pai, porquanto a mãe sempre foi certa mater semper certa
1 LIMA, Taisa Maria Macena de. Filia ção e biodireito: uma análise das p resunções em matéria
de filiação em face das ciências biogenéticas. In: Maria de Fátima Freire de Sá; Bruno Torquato
de Oliveira Naves (Coords.), Bioética, Biodireito e o Código Civil de 2002, Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 252.

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