Constitucionalismo

AutorEduardo dos Santos
Páginas33-56
CAPÍTULO II
CONSTITUCIONALISMO
1. CONCEITO
O Constitucionalismo consiste num movimento político-f‌ilosóf‌ico, pautado no ideal de
liberdade humana, que busca limitar e controlar o exercício do Poder Político, opondo-se a
governos arbitrários, totalitários e ditatoriais, independentemente de época e lugar, podendo
ser encontrado em qualquer espaço-tempo de uma sociedade organizada que tenha buscado
limitar os poderes dos governantes.
Há de se lembrar que, em que pese a Constituição escrita seja um produto jurídico da
Idade Moderna, Constituição Real todos os povos organizados possuíram, vez que todos eles
possuíam normas mínimas de organização do Estado e dos Poderes. Assim, onde quer que
se encontre uma sociedade organizada, encontrar-se-á uma Constituição e, se houver nessa
sociedade um movimento político-ideológico de limitação dos poderes dos governantes,
então, haverá, também, constitucionalismo.1
Nada obstante, em sentido moderno, o constitucionalismo possui objetivos que reor-
ganizaram a ordem constitucional de forma ímpar na história das sociedades, formando um
verdadeiro conceito ocidental de Constituição, sendo esses objetivos:
i) limitação do poder com a necessária organização e estruturação do Estado: a partir
do momento em que os Estados Soberanos, até então reconhecidos por serem absolutos
e totalitários, passam a submeter-se às leis (Estado de Direito), a reconhecerem a limi-
tação dos poderes de seus governantes e dividir o exercício desses poderes (separação
dos poderes) etc.;
ii) reconhecimento e implementação de direitos e garantias fundamentais: num primeiro
momento, um reconhecimento formal de direitos de liberdade, propriedade e igualdade
formal, mas que ao longo dos séculos desenvolveu-se até formar o complexo sistemas
de direitos que temos hoje.2
2. ORIGEM
A origem, conhecida, do constitucionalismo, segundo Karl Loewenstein, remonta à
Antiguidade Clássica, mais precisamente, ao povo hebreu, do qual partiram as primeiras
manifestações com objetivo de estabelecer uma organização política pautada na limitação
do exercício do poder absoluto, limitações essas de natureza evidentemente constitucional,
podendo-se identif‌icar naquele espaço-tempo um verdadeiro movimento político-ideológico
de limitação do exercício do poder dos governantes, portanto, constitucionalismo. Isso por-
que, o regime teocrático dos hebreus caracterizou-se pela submissão do detentor do poder
à lei do Senhor, que submetia igualmente governante e governados.3
1. CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 29 e ss.
2. FERNANDES, Bernardo G. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 32 e ss.
3. LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1965.
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DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO • EDUARDO DOS SANTOS
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3. CONSTITUCIONALISMO ANTIGO
Como identif‌icado por Karl Loewenstein, o constitucionalismo tem origem na An-
tiguidade Clássica com o povo hebreu. Nada obstante, ele pode ser encontrado em toda e
qualquer sociedade organizada que tenha tido um movimento político-ideológico de limi-
tação do exercício do poder público. Assim, ao longo da Idade Antiga, é possível identif‌icar
uma multiplicidade de exemplos de constitucionalismos, como o hebreu, o grego, o romano,
o egípcio, o mesopotâmico, o indiano etc.4
PRINCIPAIS EXPRESSÕES DO CONSTITUCIONALISMO ANTIGO
Constitucionalismo Hebreu
No âmbito do constitucionalismo hebreu, os governantes deveriam se submeter à lei do senhor (as leis
sagradas), não podendo transgredi-las, sendo que a transgressão deveria ser apontada pelos profetas.
Exemplo: No reinado do Rei Davi (por volta de 1010 a.C.), conta a bíblia que o rei teria agido de
modo a provocar a morte de Urias, um soldado de Israel, com a nalidade de car com Betsabé,
então esposa de Urias. Esse fato foi, então, prontamente apontado e repreendido pelo profeta
Natã (2 Samuel, Capítulos 11 e 12).
Constitucionalismo Grego
Na Grécia Antiga não é possível falar em um direito grego único, vez que suas Cidades-Estado
possuíam legislação e organização de Estado e do Poder próprias. Contudo, sem dúvidas, no
âmbito do constitucionalismo grego, merece destaque o constitucionalismo ateniense.
O Constitucionalismo Atenien,se estruturou-se sob uma base cível e democrática (democracia
direta), caracterizando-se pela limitação do exercício do poder político e pela participação
democrática intensa dos cidadãos nos assuntos públicos.
Ademais, em Atenas, havia, inclusive, a possibilidade de qualquer cidadão que se sentisse pre-
judicado pelo Estado ajuizar ações públicas (graphés). Entre essas ações, destacava-se a graphé
paranamon, que era ajuizada contra decretos ilegais, sendo considerada um remoto antecedente
do controle de constitucionalidade.
Constitucionalismo Romano
O Constitucionalismo Romano desenvolveu-se, sobretudo, no período republicano, marcado
pelo estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos que dividia e limitava o exercício do
poder entre os órgãos políticos.
Há de se destacar nesse período a gura do Senado, a ideia de República (coisa pública), a ins-
tituição de leis escritas direcionadas a todos, como a Lei das XII Tábuas, e o estabelecimento de
alguns direitos “fundamentais” a todos os cidadãos, como o previsto no Item 2, da Tábua IX, que
arma que “aqueles que foram presos por dívidas e as pagarem, gozarão dos mesmos direitos
como se não tivessem sido presos”.
Constitucionalismo Egípcio
É possível identicarmos um movimento constitucionalista no Egito Antigo no nal do Império
Novo (1.550 a 1.070 a.C.), especialmente evidenciado pelo aumento das leis escritas e pela re-
gulamentação dos atos administrativos e dos atos da vida privada dos Faraós por essa legislação.
Ademais, no nal do Império Novo, ocorre a separação entre a maat (princípio divino do qual
emanava a legislação e simbolizava a deusa da justiça, da verdade, da retidão e da ordem) e o
Faraó (que ainda continuava sendo considerado um deus, mas derivado de outros).5
Constitucionalismo Mesopo-
tâmico
É possível identicarmos um movimento constitucionalista na Mesopotâmia, especialmente
evidenciado pelo estabelecimento de leis escritas, como os Códigos de Ur-Nammu (elaborado
aproximadamente entre 2.140 e 2.004 a.C.), de Lipit-Ishtar (escrito aproximadamente entre 1934
e 1924 a.C.) e de Hammurabi (1.690 a.C.), entre outros.
O Código de Hammurabi previa, entre outras disposições, proteção dos direitos “fundamentais”
à honra, à propriedade, à liberdade, à inviolabilidade do domicílio e a incolumidade física. Ade-
mais, no epílogo do Código de Hammurabi, é clara a intenção do rei em limitar e condicionar o
exercício do poder real àquela legislação, armando, inclusive, que daquele vindouro rei que
não observasse e não cumprisse o código fosse retirada a glória da realeza.6
Constitucionalismo Indiano
É possível identicarmos um movimento constitucionalista no âmbito do direito hindu, especial-
mente a partir do Código de Manu (elaborado no séc. II a.C.). Esta legislação estabelecia deveres
ao rei, que não possuía poder absoluto.7
4. NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2017, p. 36 e ss.
5. Ibidem, p. 45 e ss.
6. Ibidem, p. 46 e ss.
7. Ibidem, p. 48 e ss.
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