A construção do divórcio como direito potestativo

Páginas17-38
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A CONSTRUÇÃO DO DIVÓRCIO
COMO DIREITO POTESTATIVO
Este capítulo tem a intenção de estabelecer as premissas de direito material
necessárias para a defesa do deferimento do divórcio liminar. Embora o tema central
seja o divórcio, não há como prescindir da exata compreensão do casamento e de
suas consequências jurídicas. Af‌inal, só faz sentido falar em divórcio se houver um
casamento para ser dissolvido.
Essa trajetória será iniciada pelo exame de aspectos de natureza analítica,
mais precisamente a conceituação dos institutos do casamento e do divórcio e, em
seguida, os efeitos jurídicos decorrentes de ambos (direitos, deveres, ônus e obri-
gações, nos planos pessoal e patrimonial). Como se verá adiante, lamentavelmente,
alguns pedidos de divórcio liminar foram negados em razão justamente dos efeitos
que seriam imediatamente produzidos para as partes. Assim, é fundamental uma
compreensão adequada da ef‌icácia constitutiva negativa de um divórcio e de como
isso não impede o referido pedido.
Na sequência, desenvolve-se uma premissa basilar para o divórcio liminar: a de que
o direito ao divórcio é um direito potestativo. Por f‌im, serão consolidadas as posições
doutrinárias e jurisprudenciais sobre a decretação liminar do divórcio, conjugando tal
análise com as ideias previamente expostas acerca do divórcio como direito potestativo.
2.1 CONCEITOS DE CASAMENTO E DIVÓRCIO
Esta obra parte da premissa de que existe uma diferença entre conceitos e con-
cepções. A distinção proposta por Dworkin1 procura estabelecer um limite entre
um conceito, que possui um nível de abstração que permite a concordância entre
os interlocutores, e concepções, que variam de acordo com as interpretações de
cada um. Um dos mais relevantes comentadores da obra de Dworkin esclarece essa
diferença: “as pessoas podem ter concepções diferentes de algumas coisas e podem
discutir umas com as outras, e muitas vezes discutem, sobre qual concepção é me-
lhor”.2 O conceito, porém, pode ser equiparado ao fato bruto, na medida em que
procura apenas identif‌icar as características de um determinado instituto jurídico.
1. DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University Press, 1986. passim.
2. GUEST, Stephen. Ronald Dworkin. São Paulo: Elsevier, 2010. p. 39.
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DIVÓRCIO LIMINAR • Marília Pedroso Xavier e WilliaM soares Pugliese
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A af‌irmação acima é indispensável para se trabalhar as noções de casamento
e divórcio. A dif‌iculdade dessa empreitada está, justamente, no ponto em que se
constata que não existe uma def‌inição clara, nem na Constituição, nem no Código
Civil, para o casamento. Essa lacuna não é novidade, uma vez que o Código Civil
de 1916 também fez opção semelhante, como já observavam José Lamartine Corrêa
de Oliveira e Francisco Muniz.3 A ausência de um conceito oferecido pela legislação
acaba por reunir, na mesma discussão, propostas de conceito de casamento e de sua
natureza jurídica.4
A dif‌iculdade de se conceituar casamento e diferenciá-lo de sua natureza jurídica
parece residir no fato de que este instituto é anterior ao direito5 e muito inf‌luenciado
por concepções religiosas que lhe deram forma por séculos. Como bem observava
Pontes de Miranda, “o matrimônio não é só relação jurídica, mas – e antes de tudo
– relação moral”.6 Mais do que isso, prossegue o autor, o direito “apenas dá normas
à expressão anterior do casamento”.7 Logo em seguida, como se buscasse lançar
luz sobre os pontos que considerava relevantes, o autor concentra seus esforços em
tratar dos efeitos jurídicos do casamento:
3. OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. 4. ed.
Curitiba: Juruá, 2001. p. 123-132.
4. Há literatura farta a respeito da natureza jurídica do casamento. Dentre as posições mais comuns, têm-se
as teses de que o casamento é contrato, contrato especial, instituição ou que tem natureza híbrida. Essa
investigação não será objeto desta obra, uma vez que a proposta aqui desenvolvida está ligada ao conceito
e aos efeitos do casamento. De todo modo, a respeito do tema da natureza jurídica do casamento, indi-
cam-se as seguintes referências bibliográf‌icas: LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito civil aplicado: direito de
família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 5. p. 47-53; FIÚZA, César. Direito civil: curso completo.
12. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 939; VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 8.
ed. São Paulo: Atlas, 2008. v. 6. p. 25-26; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira
Leite (Coords.). Manual de direitos das famílias e das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 62-65;
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. v.
6; FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. 2. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 131-136; AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2002. p. 55-57; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família.
29. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 2. p. 11-12; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição de direito civil:
direito de família. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. 5. p. 34-37; RODRIGUES, Silvio.
Direito civil: direito de família. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 6. p. 17-21; BITTAR, Carlos Alberto.
Direito de família. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. p. 67-69; DIAS, Maria
Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
130-131; CAMPOS, Diogo Leite de. Lições de direito da família e das sucessões. 2. ed. rev. e atual. Coimbra:
Almedina, 1997. p. 181-190; BEVILÁQUA, Clóvis. Direito da família. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas
Bastos, 1956. p. 33-35; GOMES, Orlando. Direito de família. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 56-61.
5. Sobre a consolidação da família como disciplina jurídica, cf. MORAES, Bernardo Bissoto Queiroz de. A
formação da ideia de um “direito de família”. In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da; BASET, Ursula Cristina
(Coord.). Família e pessoa: uma questão de princípio. São Paulo: YK, 2018. p. 197-232.
6. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualizado por Rosa Maria Barreto
Borriello de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. Tomo 8. p. 169.
7. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualizado por Rosa Maria Barreto
Borriello de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. Tomo 8. p. 169.
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