Divórcio liminar e técnica processual

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DIVÓRCIO LIMINAR
E TÉCNICA PROCESSUAL
Até o momento, tem-se duas conclusões parciais bastante claras. De um lado,
o divórcio é um direito potestativo. De outro, não há regra de direito processual que
autorize, expressamente, a concessão do divórcio liminar. Neste capítulo, defende-se
a possibilidade de decretação do divórcio liminar e que a técnica processual para
tanto pode ser construída sem ofender o procedimento comum.
Para isso, retoma-se a af‌irmação feita ao f‌inal do primeiro capítulo. O Código
de Processo Civil de 2015 não foi redigido de acordo com a Emenda do Divórcio.
Com exceção ao f‌im do divórcio indireto, nenhuma das recentes regras materiais a
respeito do divórcio foi considerada na lei processual. A opção de tratar o divórcio
seguido pela separação em todas as oportunidades é a maior prova desta observa-
ção. Portanto, não há que se falar em ausência de regra por opção do legislador. A
regra não existe porque a extensão do direito material não foi considerada. Isto não
signif‌ica, porém, que não deva haver tutela do direito potestativo ao divórcio.
Como exposto, não há dúvida quanto ao caráter potestativo do direito ao divór-
cio. O que se verif‌icou no capítulo 2 é que os óbices impostos à decretação liminar
são processuais. A decisão do Superior Tribunal de Justiça, de 2020, empregou
argumentos formais justamente para refutar a tese. O presente capítulo parte dos
argumentos dessa decisão. Em seguida, serão examinadas decisões proferidas por
tribunais locais, em período posterior ao posicionamento do STJ, para identif‌icar
as vias processuais que foram consideradas. Ao f‌inal, será indicado e fundamentado
o procedimento que se reputa adequado para o exercício do direito potestativo ao
divórcio e sua concessão liminar.
4.1 IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA E EXIGÊNCIA DE CONTRADITÓRIO
PRÉVIO
Como primeiro ponto deste capítulo, examinar-se-ão os fundamentos da decisão
monocrática proferida pelo Min. Antonio Carlos Ferreira, em março de 2020, que
afastou a tese do divórcio liminar do Superior Tribunal de Justiça. Embora não se
trate de um precedente, a razão para a escolha desse marco temporal é o rompimento,
neste instante, do crescimento da tese pela Corte. Pela relevância, transcreva-se o
inteiro teor da decisão:
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DIVÓRCIO LIMINAR • Marília Pedroso Xavier e WilliaM soares Pugliese
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Recurso Especial 1.844.545 – GO (2019/0316630-6)
Decisão
Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão assim ementado (e-STJ . 46):
Ementa: agravo de instrumento. Ação de divórcio litigioso. Decretação em sede de liminar. Ci-
tação da parte ex adversa. Oportunidade ao exercício do contraditório. Livre convencimento do
magistrado. Decisão fundamentada.
1. Os critérios para aferição da tutela de evidência estão na faculdade do julgador que, exerci-
tando o seu livre arbítrio e de forma bem fundamentada, decide sobre a conveniência ou não da
concessão, sendo que tais provimentos somente podem ser revogados em caso de ilegalidade ou
abuso de poder por parte do magistrado, o que não se vislumbra no presente caso.
2. Conforme se depreende do parágrafo único do art. 311 do CPC, impossível a concessão de
liminar em tutela de evidência antes da citação do requerido, razão pela qual mostra-se imper-
tinente a decretação de divórcio litigioso por esta via.
RECURSO DESPROVIDO.
O recurso especial (e-STJ s. 49/60), fundamentado no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, aponta, além
de divergência jurisprudencial, ofensa ao art. 311, IV, do CPC/2015, sustentando a possibilidade
de concessão de tutela de evidência em ação de divórcio.
Não foram apresentadas contrarrazões (e-STJ . 70).
É o relatório.
Decido.
O TJGO se manifestou no seguinte sentido (e-STJ . 41):
O não cabimento do divórcio liminar como tutela provisória de urgência de natureza antecipada,
é facilmente percebido pelo que dispõe o art. 300, § 3º, do CPC: “A tutela de urgência de natureza
antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.
Ora, uma vez decretado o divórcio, não há como as partes retornarem ao status quo ante, senão
por meio de novo casamento (art. 33 da Lei do Divórcio), o que evidencia a irreversibilidade da
tutela de urgência, consistente na decretação do divórcio initio litis” (grifo no original).
Destaco, de início, que os critérios para aferição da concessão de medida liminar estão na facul-
dade do julgador que, exercitando o seu livre arbítrio, decide sobre a conveniência ou não da
concessão, sendo que tais provimentos somente podem ser revogados caso que demonstrada
a ilegalidade do ato ou evidenciado o abuso de poder por parte do magistrado.
Ante tais considerações, e após análise minuciosa dos autos, não se constata qualquer irregulari-
dade na decisão ora atacada capaz de levar à sua cassação ou reforma, tendo esta obedecido os
princípios legais inerentes à ação proposta e observado ainda o poder de cautela do magistrado,
estando bem fundamentada a razão de seu convencimento.
A jurisprudência desta Corte é predominante no sentido de que não é cabível recurso especial
para reexaminar decisão que defere ou indefere liminar ou antecipação de tutela, em virtude da
natureza precária da decisão, a qual está sujeita a modicação a qualquer tempo, devendo ser
conrmada ou revogada pela sentença de mérito.
Aplica-se, por analogia, a Súmula n. 735 do STF: “Não cabe recurso extraordinário contra acórdão
que defere medida liminar.”
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do recurso especial.
Publique-se e intimem-se Brasília-DF, 27 de março de 2020.
Ministro Antonio Carlos Ferreira Relator1
1. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.844.545/GO. Relator: Min. Antonio Carlos Ferreira. Publi-
cação: 02/04/2020.
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