Contextualização histórica do pensamento aristotélico

AutorMarcella Furtado de Magalhães Gomes
Páginas14-44
1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO PENSAMENTO ARISTOTÉLICO
1.1. O PROBLEMA DO SER
Uma advertência preliminar: limitar-nos-emos, neste capítulo,
apenas à explanação genérica do pensamento grego e platônico.
Primeiro, não nos sentimos, ainda, capazes de abordar tal temática
com a merecida profundidade. Segundo, e principalmente, o objetivo
deste trabalho não é compreender a filosofia clássica e, muito menos,
a teoria de Platão, mas tão somente destacar a especificidade da
doutrina aristotélica em relação ao seu tempo histórico-filosófico.
Portanto, nossas ilações restringem-se a evidenciar os traços
marcantes e distintivos entre Platão e Aristóteles no que tange à
questão do ser.
O homem, dotado de estrutura específica que o faz consciente de
si e do outro, de sua posição no mundo e das coisas que o cercam, é
provocado pelos sentidos e por seu próprio interior a organizar
racionalmente e para si mesmo os dados que percebe como externos e
internos. Entretanto, a mutabilidade permanente e a pluralidade das
coisas parecem obstaculizar esse procedimento de ordenação. Como
apreender e estruturar coisas tão variadas e inconstantes?
Assim, devemos ser capazes de encontrar, na pluralidade das
coisas, a unidade e a permanência na mudança. Este é o esforço grego
desde Tales de Mileto. O milesiano, ao afirmar que a água é a origem
(arcη) de todas as coisas, revela o processo de passagem da
explicação mítica do mundo para a epistêmica.[1]
A sentença aparentemente simples aos olhos contemporâneos
carrega em si o espírito de investigação da razão que procura se
apoiar na realidade para garantir a verdade. O que causa, o que
produz tudo aquilo que podemos perceber como existente? Além da
própria indagação, que encerra a necessidade de descobrir o
fundamento do real (da physis), a constatação do elemento água
associado à vida, como no caso do solo que quando a recebe floresce,
do homem que sem ela “seca” e não subsiste, demonstra a
especificidade da explicação epistêmica, sua correlação com a própria
natureza dos fatos que explicita.
Anaximandro entende o universo como sendo o resultado de
modificações ocorridas no princípio originário, que, para ele, é o
ápeiron, o infinito, o ilimitado. Anaxímenes, por sua vez, afirma que
todas as coisas são produzidas pelo processo de rarefação e
condensação do ar infinito (pneuma ápeiron), a verdadeira arché do
universo. O pensamento naturalista adquiria, assim, maior
consistência, pois, além de determinar o princípio, apontava processo
capaz de explicitar a passagem da unidade primeira à multiplicidade
dos entes.
Os pitagóricos introduzirão novo conceito às investigações da
origem do real. O universo é ordem (cosmos), pois quando
observamos os entes e suas atividades na natureza percebemos que
cada coisa ocupa lugar determinado e necessário ao acontecer da
vida. O Sol aquece a água dos mares; o vapor forma as nuvens; a
chuva faz brotar no solo o alimento, que garante a sobrevivência dos
animais e, assim por diante, em perfeita harmonia. Cabe, então, à
razão investigar e descobrir a harmonia que preside a constituição do
cosmos e traçar, de acordo com ela, as regras do viver. Concebem,
portanto, os números como origem de todas as coisas, que se
expressariam em relações matemáticas.
A descoberta da fonte originária do real, fundamento de sua
existência e princípio de ordenação dos entes, é o que os filósofos
naturalistas gregos buscavam, ainda que elegendo elementos
diversos à arché, sempre imbuídos da mentalidade epistêmica, que
encontra seu marco histórico em Tales.
Neste momento, entretanto, o pensamento encontra-se em uma
encruzilhada. A busca pela unidade do real havia resultado em
posições conflitantes. Os naturalistas apontavam diferentes princípios
como o originário, gerando a necessidade de se descobrir qual deles
era a verdadeira arché dos entes. A solução deste dilema condiciona-
se à preliminar explicação do processo pelo qual se conhece a
realidade. Ora, somente a explicitação do conhecer possibilitaria o
reconhecimento da verdade ou da falsidade das diversas
compreensões apresentadas pelos naturalistas.
Neste sentido, esclarece Pessanha (1996, p. 20):

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