O controle empresarial externo como mecanismo de organização empresarial

AutorAngelo Prata de Carvalho
Ocupação do AutorDoutorando e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília - Professor voluntário de Direito Civil e Comercial na Universidade de Brasília - Vice-líder do Grupo de Pesquisa Constituição, Empresa e Mercado (GECEM/UnB) - Advogado
Páginas125-171
125
Capítulo 3
O CONTROLE EMPRESARIAL EXTERNO COMO
MECANISMO DE ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL
“Il nostro problema di giuristi non è solo quello della distinzione tra lecito o
illecito, ma anche quello della fantasia; quello della cr eazione di strumenti,
vorrei dire di macchine giuridice, che possano conseguire determinate
finalità, che abbiano freno e motore, che camminino, ma non vadano a finire
nei fossi, che cioè contemperino esigenze diverse”349.
(Tullio Ascarelli)
3.1 Considerações preliminares
Os capítulos anteriores pretenderam demonstrar que os
mecanismos de exercício de poder no âmbito das sociedades
empresárias paulatinamente transformaram-se em sofisticadas
ferramentas de gestão capazes de desconstruir noções clássicas do
Direito Societário, especialmente no que diz respeito à associação
entre poder e risco. Na medida em que a empresa verticalizada perde
seu protagonismo para dar lugar à empresa desagregada, a
ressignificação dos preceitos do Direito Societário deve ser ainda mais
intensa, sobretudo para agregar ferramentas analíticas aptas a
transcender as barreiras do limitado conhecimento jurídico sempre
passos atrás da inovação econômica e tecnológica , nomeadamente a
349 ASCARELLI, Tullio. Varietà di titoli di credito e investimento. in: _______.
Problemi giuridici. Milão: Giuffré, 1959. vol. ii., p. 702. Tradução livre: Nosso
problema enquanto juristas não é só o de distinguir lícito do ilícito, mas também o
da fantasia; o da criação de instrumento, ou seja, de máquinas jurídicas que possam
alcançar determinadas finalidades, que tenham freio e motor, que caminhem, mas
não venham a terminar em fossos, de maneira a atender exigências diversas.
126
partir de ponto de vista sociológico capaz de notar as relações ocultas
ou sutis que permeiam o poder econômico.
Nesse sentido, conforme pontua Salvatore Pescatore, dentre os
ramos do direito que se prestam a provar que o dado normativo no
mais das vezes não coincide com o dado de fato, o Direito Societário
deve ser particularmente sensível ao desenvolvimento econômico e
social. Assim, as modificações das configurações abstratas foram
sobremaneira acentuadas nos últimos tempos, especialmente em
virtude do incessante desenvolvimento tecnológico e da constante
compartimentalização das operações técnicas e administrativas da
atividade produtiva350. O desenvolvimento das instituições jurídicas,
em verdade, se faz de rigor para a proteção dos interesses que
permeiam a atividade econômica, especialmente em virtude da
necessidade já desenvolvida no Capítulo 1 de garantir a adequada
correlação entre poder e responsabilidade.
Não por outra razão, pode-se traçar relação direta entre o
exercício de autoridade pelos gestores das sociedades empresárias e a
concepção institucionalista do Direito Societário e, em última
análise, à função social da empresa351. Isso porque, ao passo que o
exercício de poder somente faz sentido na medida em que é capaz de
atingir o objeto da sociedade, igualmente somente se justifica se
estiver atento às limitações advindas dos diversos interesses que
orbitam a empresa e, ainda, à diferenciação e desagregação da
empresa, processo necessário de adaptação da empresa à sua escala, a
seus índices de crescimento e, de maneira geral, ao desenvolvimento
350 Tradução livre do original: “Tra gli istituti che si prestano in modo esemplare a
provare il non infrequente distacco tra il dato normativo (che può senza dubbio
comprendersi tra le previsioni sintetiche) e il dato di fatto è certamente da
annoverare quello societario, particolarmente sensibile alla evoluzione delle vicende
economiche e sociali. Le modificazioni della configurazione astratta si sono
accentuate in questi ultimi tempo, sopratutto per l’incessante sviluppo tecnologico
che, con la divisione e la suddivisione di ciascuna operazione tecnica e
amministrativa nelle parti in cui si compone, ha agevolato l’applicazione dei corpi di
nozioni sistematizzate all’attivitá produttiva” (PESCATORE, Salvatore. Attività e
comunione nelle strutture societar ie. Milão: Giuffrè, 1974. pp. 3-4).
351 FRAZÃO, Op. cit., 2011.
127
do ambiente empresarial em que se encontra o agente econômico em
questão352. Para que tais objetivos sejam adequadamente alcançados, é
imprescindível que a autoridade da empresa seja supervisionada, de
maneira a mitigar as incertezas que são ínsitas à empresa
contemporânea em virtude da sua desintegração353.
Nesse cenário, é fundamental que se compreenda os
mecanismos inovadores por meio dos quais se organiza a atividade
econômica. É o caso do controle externo, que dá um passo além da
dissociação entre propriedade e controle para agregar ao poder de
controle elementos fáticos que desafiam as presunções constantes do
texto legal354. Dessa forma, é de rigor o estudo das relações de
autoridade que conduzem o intérprete à constatação do poder de
controle, de maneira a demonstrar a partir de que momento se pode
passar a discutir o regime de responsabilidade a que estará submetido
o titular do poder.
Da mesma maneira, faz-se necessário explorar a relação entre
o controle externo e mecanismos correlatos como é o caso da
dependência econômica e dos grupos econômicos , uma vez que é
imprescindível a definição acurada desses fenômenos para que as
expectativas dos agentes econômicos não sejam frustradas e não sejam
os sujeitos afetados protegidos inadequadamente. Por fim, é preciso
construir as bases do conceito dogmático de controle externo para que,
352 DE HOGHTON, Charles. The company: law, structure and reform in eleven
countries. Nova Iorque: The Macmillan Company, 1969. p. 142.
353 HENRION, Robert. Système économique et statut de l’entreprise. Annales de
sciences économiques appliquées, pp. 337-365, ago. 1965.
354 Note-se, aqui, que não se está a falar propriamente do conceito de “empresário
oculto” (imprenditor e occulto) postulado por Bigiavi, que, em sentido estrito, diria
respeito à utilização de empresas interpostas para o exercício de poder econômico
por sujeito que não pretende identificar-se, em verdadeiro ato emulativo destinado a
prejudicar credores ou outros terceiros interessados na atividade em questão
(BIGIAVI, Op. cit., pp. 3-10). Não obstante, não se pode ignorar a possibilidade de
utilização do controle externo para verdadeiramente ocultar o real titular do poder
econômico, em que pese o controle externo partir de premissas fáticas distintas da
mera simulação.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT