Poder e responsabilidade: premissas estruturais a respeito do controle empresarial

AutorAngelo Prata de Carvalho
Ocupação do AutorDoutorando e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília - Professor voluntário de Direito Civil e Comercial na Universidade de Brasília - Vice-líder do Grupo de Pesquisa Constituição, Empresa e Mercado (GECEM/UnB) - Advogado
Páginas25-66
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Capítulo 1
PODER E RESPONSABILIDADE:
PREMISSAS ESTRUTURAIS A RESPEITO
DO CONTROLE EMPRESARIAL
“We live under a system described in obsolete terms”18.
(Adolf A. Berle Jr .)
1.1 Considerações preliminares
No prefácio de seu livro clássico O poder de controle na
sociedade anônima, Fábio Konder Comparato acertadamente pontua
que “[o] estudo das sociedades mercantis sob a ótica do poder sempre
foi algo de estranho à doutrina jurídica tradicional”19. Diante disso, o
autor magistralmente descreve e problematiza os meandros do poder
de controle no direito brasileiro, produzindo estudo verdadeiramente
seminal no campo do Direito Societário e vindo a inspirar diversas
reflexões relevantes a respeito da natureza dinâmica desse fenômeno.
O próprio Comparato, em verdade, ressalta a importância de um
estudo perene sobre o tema, sob pena de o poder econômico
sobrepujar as ferramentas de análise jurídica disponíveis.
O controle empresarial é, antes de tudo, poder em sentido
estrito, tendo em vista que é capaz de afetar profundamente a esfera
jurídica alheia20. Em se tratando de exercício de poder, espera-se não
18 BERLE JR., Adolf. Power without pr operty. Nova Iorque: Harcourt, Brace &
World, 1959. p. 27. Tradução livre: Vivemos sob um sistema descrito em termos
obsoletos.
19 COMPARATO; SALOMÃO FILHO, Op. cit., p. IX.
20 “A moderna doutrina germânica elaborou a noção de poder, como um direito de
atuação sobre a esfera jurídica alheia, distinguindo direitos formadores
(Gestaltungsrechte), poderes stricto sensu (Machtbefugnisse) e direitos de gestão ou
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somente que seja ele legitimado de maneira minimamente aceitável e
que esteja sujeito a patamares suficientes de transparência, mas
principalmente que ao seu titular se apliquem as responsabilidades
correspondentes. Daí também a interessante aproximação do poder
empresarial ou econômico ao poder político, já que igualmente o
poder empresarial deve estar sujeito a limitações e a estruturas capazes
de legitimar seu exercício, sobretudo no que diz respeito à
posibilidade de responsabilização de seus titulares quando da
constatação de abusos.
Tal preocupação ganha extrema relevância na medida em que
se altera o cenário em que se desenvolve a atividade econômica,
sobretudo diante da progressiva substituição da macroempresa que
consagrou o capitalismo do século XX por um modelo
desverticalizado, permeado por estruturas contratuais inovadoras e,
ainda, pela tecnologia, trazendo ao Direito Societário uma nova
pergunta fundamental: o que é a empresa nos dias de hoje?
Logicamente, a construção de respostas a essa questão passa por uma
revisão dos conceitos tradicionais de empresa, porém sem desnaturar
as suas características principais, nomeadamente a assunção de riscos
elemento que verdadeiramente legitima o lucro do empresário e,
por conseguinte, a correlação entre poder e responsabilidade.
Por mais que se sustente que a relação entre poder e
responsabilidade tenha se alterado sobremaneira a partir da
consagração da tese da dissociação entre propriedade e controle
especialmente a partir da obra de Berle e Means, ainda que seja
possível recuperar ideia semelhante na obra de autores clássicos como
Adam Smith e Karl Marx, como se mostrará a longo do presente
administração (Verwaltungsrechte). Enquanto os primeiros, também denominados
‘direitos potestativos’ na Itália, se exercem no interesse do próprio titular, todos os
demais existem no interesse dos sujeitos sobre cuja esfera jurídica produzem efeitos.
O controle entra na categoria dos poderes propriamente ditos (Machtbefugnisse),
pois comporta, diversamente dos direitos de gestão ou administração, a prerrogativa
própria, e não apenas derivada, de disposição dos bens alheios” (COMPARATO,
Fábio Konder. Ensa ios e parecer es de direito empresar ial. Rio de Janeiro: Forense,
1978. p. 105).
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capítulo , a garantia do adequado equacionamento entre esses fatores
é que permite a responsividade da atividade empresarial aos diversos
interesses que a permeiam, alcançando tanto os sócios como os
demais sujeitos afetados, como é o caso de trabalhadores,
consumidores, poder público, concorrentes, dentre outros.
Para que se analise os elementos constitutivos das novas
formas de organização da atividade econômica, é preciso retornar às
bases da estruturação jurídica do controle societário, partindo da
clássica tese da dissociação entre propriedade e controle. Tal
constatação é fundamental para a correta apreensão das dinâmicas de
poder que permeiam a macroempresa contemporânea, abarcando
desde presunções oriundas da detenção de maiorias societárias até a
estruturação de uma casta de administradores que, diante da
pulverização do capital e da leniência dos sócios, acaba por
verdadeiramente ditar os rumos das sociedades empresárias. A
simples análise desses pressupostos tradicionais é capaz de
interligar o desenvolvimento dos mecanismos de controle societário à
evolução do capitalismo moderno21, porém o que se pretende
21 “Il fenomeno economico-sociale sottostante alla mutata struttura della società per
azioni è stato identificato in una evoluzione del capitalismo moderno, descrivibile in
termini di separazione fra proprietà e controllo della ricchezza. All'una o all'altro
corrisponderebbero due diverse classi sociali: chi esercita il controllo della
ricchezza, ossia gli amministratori delle grandi società, forma una classe sociale del
tutto differenziata rispetto a quella dei proprietari del capitale. Chi detiene la
ricchezza non l'amministra: lascia che altri l'amministri per suo conto; chi
amministra la ricchezza non ne è proprietario e non ne trae personale vantaggio
economico: egli non à, di regola, docio né, di conseguenza, partecipa alla
distribuzione degli utili” (GALGANO, Francesco. Le società in genere. Le società di
persone. In: CICU, Antonio; MESSINEO, Francesco; MENGONI, Luigi. Tratta to di
diritto civile e commerciale. Milão. Giuffrè, 2007. p. 121). Tradução livre: O
fenômeno econômico-social relativo às mudanças na estrutura da sociedade por
ações consiste em uma evolução do capitalismo moderno, descritível em termos de
separação entre propriedade e controle da riqueza. A uma ou ao outro correspondem
diversas classes sociais: quem exerce o con trole da riqueza, nomeadamente os
administradores das grandes sociedades, forma uma classe social fundamentalmente
diferenciada daquela dos proprietários do capital. Quem detém a riqueza não a
administra: deixa que outros o façam em seu lugar; quem administra a riqueza não é

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