A definição da política financeira como critério de identificação do controle externo e a responsabilização do controlador

AutorAngelo Prata de Carvalho
Ocupação do AutorDoutorando e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília - Professor voluntário de Direito Civil e Comercial na Universidade de Brasília - Vice-líder do Grupo de Pesquisa Constituição, Empresa e Mercado (GECEM/UnB) - Advogado
Páginas173-224
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CAPÍTULO 4
A DEFINIÇÃO DA POLÍTICA FINANCEIRA COMO
CRITÉRIO DE IDENTIFICAÇÃO DO CONTROLE
EXTERNO E A RESPONSABILIZAÇÃO
DO CONTROLADOR
“I pray you good Bassanio let me know it,
And if it stand as you yourself still do,
Within the eye of honor, be assured
My purse, my person, my extremest means
Lie all unlocked to your occasions”.
(William Shakespeare The Merchant of Venice)480.
4.1 Considerações preliminares
Certamente que se pode encontrar o controle empresarial
externo em diversas situações, na medida em que convenientemente
pode ser definido como a relação de dominação instaurada fora da
comunhão societária. Não obstante, é igualmente certo que tal
definição é excessivamente ampla para tratar de fenômeno tão
relevante, que deixa de ser mera relação de dominação para
apresentar-se como mecanismo de organização da atividade
480 SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice: fully annotated, with an
introduction, by Burton Raffel, with an essay by Harold Bloom. New Haven: Yale
University Press, 2006. pp. 11-12. Na tradução de Helena Barbas para a língua
portuguesa: “Peço-te, bom Bassânio, dá-mos a conhecer /E, se estiverem, como tu
próprio ainda estás, / Sob os olhos da honra, podes estar seguro / A minha bolsa, a
minha pessoa, os meus últimos meios / Estão abertos à disposição das tuas
oportunidades” (SHAKESPEARE, William. The mercha nt of Venice. O mercador
de Veneza. Almada: Água-forte, 2002. p. 6).
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econômica no contexto de desagregação da empresa, de maneira a
instaurar tanto relações de subordinação quanto de coordenação.
Considerando esse contexto, já se viu, sobretudo no Capítulo 2,
que noções conceituais estanques tendem a ser rapidamente superadas
pela realidade dos fatos, especialmente pela circunstância de que,
quando se trata de poder econômico, a dominação não ocorre à vista
de todos. Pelo contrário, ainda que os agentes econômicos possam
contar com instrumentos jurídicos formais, podem estes últimos
consistir em simples meios de prova da existência de relação que, em
verdade, desenvolve-se muito mais social e econômica do que
juridicamente, que se baseia, para além de constrangimentos
contratuais, em instituições econômicas, sociais, setoriais,
reputacionais, dentre outros aspectos.
Assim, faz-se necessária uma análise sociológica do poder
econômico ou, como se sustenta nesse trabalho, de uma sociologia
do poder capaz não de adentrar no íntimo dos gestores de sociedades
empresárias para desvendar seus objetivos, mas de identificar efeitos
decorrentes de suas atividades para que, em última análise, seja
possível atribuir aos detentores do poder a responsabilidade adequada
aos riscos que suportam e que, no fim e ao cabo, justificarão a sua
remuneração. Em outras palavras, tanto não se pode falar em empresa
sem risco como não se pode falar em exercício de poder sem a
responsabilidade correspondente.
Considerando a natureza eminentemente econômica e
sociológica da análise a ser empreendida para a identificação do
controle externo, não causa estranhamento que o fenômeno somente
tenha sido identificado de maneira casuística. Por certo, conhecer as
hipóteses de ocorrência de controle externo de que se tem notícia é
essencial para formular de maneira adequada seu conceito dogmático.
Não se pode deixar de notar que a dogmática jurídica consiste numa
peculiar combinação entre técnica social e filosofia prática, de sorte
que a atividade dogmática deve ser guiada por uma racionalidade que
inclua tanto a deliberação sobre os meios adequados para alcançar
determinados fins ou seja, a identificação dos mecanismos
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organizacionais a serem adotados pelos agentes econômicos quanto
a deliberação sobre esses fins e sobre os valores que os sustentam
afinal, cabe reiterar, não pode haver poder, por mais sofisticados que
sejam seus meios, sem responsabilidade481.
Obviamente, encapsular problemas fáticos cuja existência se
desconhece parece pouco eficaz, de sorte que se fazem necessários
critérios operacionais que, de um lado, sirvam para identificar o
fenômeno em análise, e, de outro, sirvam de baliza interpretativa para
a determinação dos limites do exercício dos direitos atribuídos ao seu
titular, de maneira a conferir a determinada circunstância fática
relevância jurídica. Nesse sentido, pontuam Atienza e Manero que o
limite do exercício de direitos limitado por cláusulas gerais como as
do abuso de direito e da boa-fé objetiva é definido por um juízo de
tolerância com relação a determinados atos482, motivo pelo qual o que
deve ou não ser admitido depende fundamentalmente das
circunstâncias em que se busca aplicar o direito.
Tal reflexão serve para demonstrar que, mesmo existindo
sofisticadas teorias sobre a responsabilização do controlador, estas
somente servirão à análise do controle externo se agregarem o
instrumental da análise sociológica do poder, a partir do qual será
possível reinterpretar as categorias mais centrais do Direito Societário
como é o caso, por exemplo, do interesse social para a construção
dogmática desse fenômeno. A partir dessa reconfiguração das
481 ATIENZA, Manuel. Filosofía del derecho y transformación socia l. Madri:
Trotta, 2017. p. 190.
482 Vale notar que a noção de tolerância jurídica utilizada pelos autores está mais
relacionada à tolerância do Estado com relação a atos dos sujeitos, especialmente
por sustentarem que não se pode tolerar ações a que se está sujeito, de sorte que não
haveria que se falar da tolerância dos súditos perante atos das autoridades. Não
obstante essa ressalva, a noção de tolerância parece bastante próxima da postura
adotada pelos afetados pelo controle externo, ao congregar aspectos sociológicos e
mesmo morais quanto aos atos do agente dominante. Em que pese ser possível
sustentar que no âmbito do direito não se poderia falar em tolerância, já que o
sistema jurídico se pretende supremo, pontuam os autores que a concepção do
direito como um sistema de princípios acolhe perfeitamente tal noção. Nesse
sentido: ATIENZA, Manuel; MANERO, Juan ruiz. Ilícitos a típicos. Madri: Trotta,
2000. pp. 116-118.

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