A sociologia do poder como ferramenta para a análise da organização da atividade econômica

AutorAngelo Prata de Carvalho
Ocupação do AutorDoutorando e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília - Professor voluntário de Direito Civil e Comercial na Universidade de Brasília - Vice-líder do Grupo de Pesquisa Constituição, Empresa e Mercado (GECEM/UnB) - Advogado
Páginas67-123
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Capítulo 2
A SOCIOLOGIA DO PODER COMO FERRAMENTA
PARA A ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO
DA ATIVIDADE ECONÔMICA
“No que respeita especificamente à vida econômica [...] , a regulação
jurídica ainda ca minha pelos cômodos rumos do formalismo, ignorando, à s
vezes de forma inexplicável, que os conflitos verdadeiros se travam nos
bastidores da cena”151.
(José Alexandre Tavares Guerreiro)
2.1 Considerações preliminares
As Ciências Sociais muito já demonstraram que variações
das formas materiais de agrupamentos humanos afetam
fundamentalmente a sua natureza e a sua composição, repercutindo
sobre os diferentes modos de atividade coletiva152. Em outras
palavras, a aglutinação de sujeitos é condicionada por uma série de
fatores morais, econômicos, jurídicos, dentre outros elementos, sendo
necessário analisar aspectos contextuais para que se compreenda mais
adequadamente a ordem (jurídica) ali estabelecida.
Dessa maneira, afasta-se desde logo a concepção dogmática
arcaica segundo a qual o direito tem a vocação de abarcar tudo e
todos, sem quaisquer subsídios de outros ramos do conhecimento. Na
151 GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Sociologia do poder na sociedade
anônima. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro. v. 29, n.
77, pp. 50-56, jan./mar. 1990. p. 51.
152 Ver: MAUSS, Marcel. Ensaio sobre as variações sazonais das sociedades
esquimós. In:_. Sociologia e antropologia . São Paulo: Cosac Naify, 2003.
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verdade, como intuiu Carbonnier153, pretende-se demonstrar que a
dogmática jurídica consiste no resultado de uma série de tensões entre
direito e não-direito, o que permite que as compreensões jurídicas
transitem de ambientes “menos jurídicos” – e, portanto, fortemente
permeados por interesses e anseios mais comumente vinculados a
searas como a política ou a economia a contextos “mais jurídicos”,
nos quais mais facilmente se poderá manejar conceitos comumente
relacionados à dogmática jurídica tradicional sempre informados e
alimentados pelo contexto social e econômico em que se aplicam.
É preciso, pois, que as transformações do sistema capitalista
e, por conseguinte, das formas de organização da atividade econômica
sejam visualizadas a partir de uma perspectiva multidisciplinar que
não deixe de levar em consideração a análise do meio social e das
circunstâncias econômicas em prol de abordagens puramente
jurídicas. Basta notar que a continuidade da marcha do sistema
capitalista e de suas instituições econômicas depende
consideravelmente do poder de adaptação dos agentes, tendo em vista
o intenso dinamismo do ambiente em que transitam, de sorte que o
fenômeno econômico de modo algum pode ser retratado de maneira
estática, na medida em que responde diretamente às necessidades
advindas de fatores como o aumento populacional e o avanço das
tecnologias154.
Não obstante, a análise do capitalismo e de suas instituições a
partir de abordagens puramente econômicas não é suficiente para
retratar suas principais características, a saber: a descentralização, a
mercantilização e a acumulação155, elementos que se articulam de
153 CARBONNIER, Jean. Flexible droit: pour une sociologie du droit sans rigue ur.
Paris: LGDJ, 2001. pp. 25-27.
154 SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socia lismo e democracia. Rio de
Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. p. 108; POLANYI, Op. cit.
155 KOCKA, Op. cit., p. 21. Tal posição se justifica pelo fato de atores individuais e
coletivos agirem economicamente de maneira autônoma em razão de direitos que
assim os permitam. Em segundo lugar, tem-se que os mercados se apresentam como
mecanismos eficientes de alocação de coordenação de recursos, motivo pelo qual a
mercantilização ocupa posição central no modo de produção, inclusive no que tange
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maneiras fundamentalmente distintas a depender do contexto em que
se desenvolvem. Para além desses elementos, como já se viu no
capítulo anterior, ainda que não seja traço essencial do capitalismo,
verifica-se uma forte tendência de organização da atividade
econômica por intermédio de empresas, unidades de decisão e de ação
por meio das quais agentes individuais se organizam hierarquicamente
para a exploração despersonalizada de suas atividades156. No entanto,
mesmo as entidades empresariais foram, ao longo do tempo,
ressignificadas para que deixassem de ser apenas instrumentos legais
de organização das transações dos indivíduos para constituírem
instituições sociais de organização da vida econômica, agregando à
propriedade dos meios de produção uma série de deveres e
responsabilidades que, a partir de certo momento, levará à dissociação
entre propriedade e controle157.
Portanto, é essencial perceber que a atividade econômica exige
segurança e estabilidade das relações jurídicas, de maneira a atender
satisfatoriamente às necessidades sociais e a criar riquezas158. Por essa
razão, segundo Rachel Sztajn, o papel do jurista é o de delinear e
esclarecer o âmbito de aplicação das normas destinadas a regular as
relações entre agentes econômicos para que, “no exercício de
atividades econômicas, atendam às especificidades e, sobretudo, às
necessidades do tráfico negocial, das operações repetidas e igualmente
estruturadas realizadas em mercados”159. Em sentido semelhante,
assevera Fligstein160 que o dinamismo dos mercados somente se
operacionaliza em razão de extenso esforço de organização social,
ao trabalho. Por fim, o capital desempenha protagonismo no sistema, apresentando-
se como meio e fim nas operações econômicas e, assim, impulsionando os agentes
no sentido da inovação e do crescimento.
156 KOCKA, Op. cit., pp. 21-22.
157 BERLE JR; MEANS, Op. cit., p. 1.
158 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa. São Paulo: Atlas, 2004. p. 10.
159 SZTAJN, Op. cit., 2004, pp. 10-11.
160 FLIGSTEIN, Op. cit., 2001, pp. 8-10.

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