Coparentalidade na adoção: função social?

AutorMaria Rita de Holanda
Páginas533-549
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Capítulo 22
COPARENTALIDADE NA ADOÇÃO: FUNÇÃO SOCIAL?
Maria Rita de Hola nda1
I. Introdução
No período Brasil-colônia, a família conjugal confundia-se com a
família parental e por essa razão o status de filho e herdeiro apenas se
alcançaria se os pais fossem casados. Portanto, era a ficção do matrimônio
que definia a filiação. Da mesma forma e nas hipóteses do então desquite,
os conflitos conjugais repercutiam na parentalidade, podendo ensejar até a
perda da guarda para o cônjuge considerado culpado.
A evolução se deu aos poucos, juntamente com a mudança de
valores pela sociedade, retirando da invisibilidade vários contextos reais
existenciais, como a dos filhos extramatrimoniais, adulterinos, incestuosos
e espúrios, que passaram a poder gozar do direito ao reconhecimento. Além
disso, a conjugalidade já não poderia mais ser vista pelo viés formal do
casamento, já que de fato também se estabelecia através de uniões entre
pessoas não impedidas para o casamento, posteriormente denominada de
união estável.
A abertura conferida ao direito de família brasileiro pela
Constituição Federal de 1988 ampliou a sua concepção, rompendo com um
modelo único e adotando um modelo plural, com nítida distinção entres as
relações conjugais e as relações parentais, enquanto duas grandes classes
familiares.
1 Doutora em direito civil pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, pós-doutorado
pela Universidad de Sevilla na Espanha, Pós-doutoranda no Programa de Direito e Novas
tecnologias pela Università Mediterranea di Reggio Calabria na Itália, professora adjunto I
da Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP, pesquisadora do CONREP Grupo
de Pesquisa da UFPE e advogada.
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Nessa mesma evolução, a adoção também mudou de contexto, pela
importância e status do sujeito criança e adolescente, que deixou de ser
invisível e passou a ser a pessoa em torno da qual deve a família cumprir a
sua função. Do atendimento ao interesse do adotantes se passou ao
interesse prioritário de se conferir família à criança e adolescente que não
pôde se desenvolver em sua família de origem.
Da adoção simples à adoção plena, o que se observa é uma maior
intervenção do Estado, visando garantir o atendimento do melhor interesse
da criança no seio de sua nova família substituta. As modalidades das
adoções (simples e plena), demonstram que houve rumo da
contratua lização à judicialização, movimento curiosamente inverso e
distinto da chamada doutrina contratualista das relações familiares, que
vem se instalando no seio das famílias ectogenéticas, por exemplo.
A opção do sistema jurídico brasileiro foi estabelecer que a
autonomia em torno do estado de filiação de crianças e adolescentes se
desse dentro da concepção de uma autonomia privada e não da vontade.
A adoção hoje é ato solene pelo qual se cria entre duas pessoas,
adotante e o adotado, uma relação fictícia de paternidade/maternidade e
filiação. É proveniente de uma conduta volitiva expressa ab initio à
convivência.
Em muitas situações concretas, ela também é buscada a partir de
uma convivência prévia estabelecida e quando assim ocorre se funda em
uma posse de estado de filiação, mas à princípio, independe dessa
convivência prévia para a manifestação da vontade.
A distinção entre a autonomia da vontade e autonomia privada é
bem pontuada por Flávio Tartuce quando cita Francisco Amaral,
reconhecendo naquela uma conota ção subjetiva e psicológica, enquanto
nesta o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real.2
Há normas cogentes inegociáveis que, se não forem observadas,
violam a própria dignidade, de forma que a liberdade contratual nas
relações familiares não é plena, não obstante seja permitida em certa
medida no sistema brasileiro.
2 TARTUCE, Flávio. Autonomia privada e Direito de F amília - Algumas reflexões atuais.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/350602/autono
mia-privada-e-direito-de-familia--algumas-reflexoes-atuais, acesso em 03 de julho de
2022.

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