Os impactos do maternar nas relações familiares

AutorJoyceane Bezerra de Menezes, Ana Beatriz Lima Pimentel e Ana Paola de Castro e Lins
Páginas503-531
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Capítulo 21
OS IMPACTOS DO MATERNAR NAS
RELAÇÕES FAMILIARES
Joyceane Bezerra de Menezes1
Ana Beatriz Lima Pimentel2
Ana Paola de Ca stro e Lins3
1. Introdução
Matéria assinada por Cristiane Gercina4, na F olha de São P aulo,
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brasileira de 39 anos, que morreu em casa e só foi encontrada 12 dias
depois. O filho dela, de apenas seis anos, diagnosticado no espectro autista,
conviveu com a mãe morta durante esse tempo, enquanto o corpo estava
em estágio avançado de decomposição. O relato nos alerta para a
invisibilidade da mãe, em especial, das mães de crianças atípicas. Como
1 Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito pela
Universidade Federal do Cear. Ps-     
Mediterranea Internacional Centre for Human Rights Research (MICHR), na Universidade
Reggio Calabria (Itlia). Professora Titular no Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu
em Direito da Universidade de Fortaleza. Professora associado IV da Universidade Federal
do Cear. Coordenadora do Grupo de Pesquisa CNPQ: Direito civil na legalidade
constitucional. Editora da Pensar, Revista de Cincias Jurdicas, da Universidade de
Fortaleza. Advogada.
2 Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Direito
Público - Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Especialista
em Direito P rivado pela Universidade de Fo rtaleza. Professora de Direito Civil do Curso
de Direito da Universidade de Fortaleza e do Centro Universitário Christus. Membro do
Grupo de Pesquisa CNPQ: Direito civil na legalidade constitucional do PPGD/UNIFOR.
3 Doutoranda em Direito Constitucional pelo Programa de Pós -Graduação em Direito da
Universidade de Fortaleza. Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de
Fortaleza. Membro do Grupo de Pesquisa CNPQ: Direito civil na legalidade constitucional
do PPGD/UNIFOR. Pro fessora da Graduação nos Cursos de Direito do Centro
Universitário Farias Brito e do Centro Universitário Christus.
4 Cristiane Gercina, 2022.
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todas as pessoas, essa mulher também precisava de apoio, de cuidados, de
afeto, de acolhimento. A notícia nos convida, portanto, a refletir sobre a
solidão do processo de gerar, parir, amamentar... de cuidar. Qual proteção,
afinal, a sociedade oferece a quem decide ter filhos ou é levado ao exercício
da maternagem por circunstâncias diversas?
Nos anos que se seguiram à promulgação e vigência do Código
Civil brasileiro, o Direito de Família sofreu significativas alterações para
acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade. Na unidade do
ordenamento jurídico e, sobretudo, conforme a legalidade constitucional,
cunhou-se a chamada família democrática, caracterizada pela pluralidade
dos arranjos, pela horizontalidade das relações e pelo respeito aos direitos
fundamentais de todos os membros. Trata-se de uma família instrumental,
dedicada à promoção do desenvolvimento da personalidade de cada um
dos seus integrantes, especialmente, as crianças e os adolescentes.
No plano da filiação e parentalidade, as técnicas de reprodução
medicamente assistida permitiram a emergência da maternidade de
substituição, desvinculando a figura materna da parturiente. A
socioafetividade foi alçada como critério legítimo para fixação do
parentesco, com a mesma hierarquia do critério biológico da
consanguinidade, ao tempo em que se admitiu a possibilidade da
multiparentalidade, nos moldes da tese nº. 622, fixada pelo Supremo
Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE nº. 898.060/SC).
Além dessas alterações, a conformação atual dos arranjos
familiares e da distribuição dos cuidados na experiência social tem sido
contemplada pelo Direito de Família. Assim, não se desconsideram as
situações nas quais a maternagem passa a ser desenvolvida por outras
mulheres, como a avó, a tia ou a madrasta, sem esquecer as situações nas
quais as pessoas trans são as agentes do maternar. A bem da verdade, como
diz o provérbio africano, é preciso uma aldeia inteira para educar uma
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Em todos os casos, cumpre observar que o ato de cuidar não pode
solapar a autonomia do ente a quem se dedica o cuidado. Sua dependência
e/ou necessidade de assistência coexistem com a autonomia que lhe é
reconhecida como um corolário da própria dignidade. Até mesmo as
crianças, como sujeito de direitos que são, não estão sob uma heteronomia
paterno/materna absoluta. Se a primeira infância requer maior cuidado e
implica menor espaço de liberdade, à medida que se desenvolvem,

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