Da teoria tradicional x teoria institucional

AutorEduardo Morais da Rocha
Páginas41-113
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2. DA TEORIA TRADICIONAL X TEORIA
INSTITUCIONAL
A presente seção traz um breve panorama do tratamento
tradicional dado à praticabilidade pela doutrina em geral, seja
como princípio, seja como técnica, para, posteriormente, de
posse dos elementos apropriados, fazer o devido contraponto
com a tese ora defendida: a de uma teoria, propriamente dita,
de caráter institucional, na qual se propugna pela abordagem
da praticabilidade por outro prisma que não o principológico
ou tecnicista.
Isso porque o enquadramento do tema sob o viés de uma
instituição instrumental permite que, dissecando cada um
dos três elementos que a compõem, resolvam-se, respectiva-
mente, de forma conjunta, problemas como: a) a razão pela
qual a ideia objetivada na praticabilidade pode absorver ora
confiança, ora desconfiança em relação aos contribuintes e a
outros entes federativos; b) os motivos pelo quais certas co-
munidades tentam legitimá-la por um veio utilitário, enquan-
to outras não a admitem ou, quando as legitimam, o fazem
respeitando a dignidade da pessoa humana; c) e, por fim, o
porquê de, ao Judiciário, não ter sido outorgada economia de
confiança sistêmica para utilizar a praticabilidade num juízo
positivo, mas somente na perspectiva negativa, impondo limi-
tes aos demais órgãos de poder, ao passo que ao Legislativo e
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EDUARDO MORAIS DA ROCHA
ao Executivo foi outorgada, positivamente pelo sistema, atri-
buição para tanto, gozando eles de confiabilidade sistêmica
em graus distintos.
Todavia, antes de se aprofundar no enfoque da raciona-
lidade instrumental, própria da ideia institucional de prati-
cabilidade, urge trazer à colação o enquadramento do tema
pelo veio de técnica ou de princípio, como o faz a doutrina em
geral.
2.1. A abordagem tradicional da praticabilidade
Como meio de redução da crescente complexidade do
ambiente social, é cada vez mais usual o recurso do Estado à
praticabilidade para possibilitar uma execução das regras ju-
rídicas que seja, ao mesmo tempo, mais econômica e eficiente.
Todavia, cabe ressaltar que os estudos e as pesquisas
acerca da praticabilidade ou da praticidade, como alguns pre-
ferem denominá-la,2 ao contrário da Alemanha, não são tão
desenvolvidos no Brasil, sendo que, quem primeiramente tra-
tou, especificamente, desse tema em território nacional, com
grande profundidade e rigor metodológico, e fundamentada
em sólida doutrina germânica, foi Misabel de Abreu Machado
Derzi (2007, p. 318-362) na década de oitenta e, posteriormen-
te, em data mais recente, Regina Helena Costa (2007, p. 53),
para quem a praticabilidade é uma “[...] categoria lógico-jurí-
dica, e não jurídico-positiva, na medida em que […] essa no-
ção antecede o próprio Direito posto […].”
Nessa abordagem tradicional, a praticabilidade nada
mais é do que a criação, pelo Estado, de meios jurídicos que
2. Regina Helena Costa (2007, p. 53) esclarece ser a praticabilidade “[...] também
conhecida como praticidade, pragmatismo ou factibilidade.” Apesar disso, é impe-
rativo esclarecer que o termo pragmatismo, em sua concepção mais técnica, não
pode ser confundido com praticabilidade ou praticidade, eis que o movimento cha-
mado pragmatismo não abrange unicamente uma escola filosófica, mas várias, al-
gumas até mesmo divergentes, como a Escola de Chicago, a Escola das Escolhas
Públicas e a Escola da Nova Economia Institucionalista (CALIENDO, 2009a, p.14).
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TEORIA INSTITUCIONAL DA PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA
facilitem a execução das regras em geral, de forma a tornar a
aplicação ou a fiscalização do programa normativo mais cô-
modo e econômico e, consequentemente, mais eficiente, dan-
do, com isso, uma maior exequibilidade aos seus comandos.
Por meio dela, órgãos estatais do Legislativo e do Executivo
instituem, positivamente, diversos mecanismos, tais como
somatórios, padrões generalizantes, pautas de valores, con-
ceitos indeterminados, cláusulas gerais e normas em branco,
dentre outros, que tornam a execução das disposições legais
mais prática e, no mais das vezes, com maior economicidade
para o Estado.
Aliás, pelo fato de as leis terem um caráter de generali-
dade, seria impraticável que o legislador previsse, exaustiva-
mente, para cada caso concreto, um fato jurígeno com todas
as suas nuances individuais, como bem adverte Humberto
Ávila (2009, p. 81):
As leis são, pois instrumentos gerais de regulação, justamente,
porque é inviável ‘promulgar qualquer simples regra para tudo
e para todo o tempo. Daí atribuírem elas ‘igual exercício para
todas as classes’. O legislador, porque legisla para a maioria’ (le-
gislate for the majority), irá ‘olhar para as multidões’ (watch over
the herds), e ‘jamais poderá ser capaz, ao fazer leis para toda a
coletividade, de prover exatamente o que é melhor para cada in-
divíduo’ (will never be able by making laws for all collectively to
provide exactly that which is a proper for each individual).
Por ser a lei geral, abstrata e indeterminada, não pode o
legislador, em qualquer situação, pretender a sua aplicação
individualizada, de forma a atender a todas as vicissitudes do
caso concreto. Por isso, na maior parte das vezes, é imperativo
que ele opere com abstrações, por meio de esquemas, méto-
dos, padrões e somatórios que, desconsiderando algumas par-
ticularidades e considerando outras, selecionem a média dos
acontecimentos fáticos.
Desse modo, segundo Onofre Alves Batista Júnior, fica
bastante nítido que a praticabilidade “[…] tem relação com
técnicas de execução simplificadora do Direito, exatamente
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