Do assentimento da comunidade à ideia objetiva de praticabilidade

AutorEduardo Morais da Rocha
Páginas217-339
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4. DO ASSENTIMENTO DA COMUNIDADE À
IDEIA OBJETIVA DE PRATICABILIDADE
Para que a praticabilidade seja tida como uma institui-
ção-coisa instrumental, é imperativo que, além da ideia em
estado objetivo, sejam satisfeitos dois outros requisitos, den-
tre os quais se destaca, nesta seção, o do assentimento da co-
munidade àquela ideia diretriz.
Segundo Maurice Hauriou (2009, p. 21),
Os elementos de toda instituição corporativa são, como o sabe-
mos, em número de três: 1º a idéia de obra a realizar num grupo
social; 2º o poder organizado posto a serviço dessa idéia para sua
realização; 3º as manifestações de comunhão que ocorrem no
grupo social a respeito da ideia e de sua realização.
Lembremos também que, para nossas instituições, ocorre o fe-
nômeno de incorporação, ou seja, de interiorização do elemen-
to poder organizado e do elemento manifestações de comunhão
dos membros do grupo, no âmbito da idéia da obra a realizar, e
que essa incorporação leva à personificação.
No sentido, ainda, de que as instituições corporativas
possuem os mesmos elementos necessários à instituição-coi-
sa, vale a citação de outra passagem da obra do declinado pu-
blicista francês (HAURIOU, 2009, p. 20):
Nas instituições da segunda categoria, que se pode chamar
de instituições-coisa, os elementos do poder organizado e das
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EDUARDO MORAIS DA ROCHA
manifestações de comunhão dos membros do grupo não são in-
teriorizados no âmbito da ideia da obra; eles existem, contudo,
no meio social, mas permanecem exteriores à idéia [...].
Assim, como já ressaltado na seção passada, a institui-
ção-coisa tem os três elementos já citados da instituição cor-
porativa, sendo que elas se diferenciam, basicamente, porque,
naquela, a ideia permanece sempre em estado objetivo, exter-
namente à comunidade que dela comunga e aos órgãos de po-
der organizados que existem para executá-la – sem, todavia,
como visto anteriormente, perder o seu aspecto normativo
interno –, enquanto nesta, ela se interioriza, incorporando-se
aos demais elementos, e subjetiva-se por um ato de fundação
que culmina na sua personificação.
Portanto, para que se tenha uma instituição-coisa, não
basta que haja uma ideia em estado objetivo, é preciso que tal
ideia seja aceita juridicamente por determinada comunidade
e que, ainda, existam órgãos de poder organizados para con-
cretizá-la, aplicando-a.
A respeito da praticabilidade, é claro que existem mani-
festações de comunhão na comunidade no sentido de que se
apliquem as regras de direito da forma mais econômica para
a sociedade e com a maior eficiência possível, para que, com
isso, fique facilitada a sua execução e a sua fiscalização em
prol do coletivo. A justificativa da praticabilidade, assim, para
Regina Helena Costa, por exemplo, não é o interesse indivi-
dual, mas o interesse da coletividade, como uma derivação ou
desdobramento da própria supremacia do interesse público
sobre o privado (COSTA, 2007, p. 93).
Nota-se, desse modo, que a ideia que decorre da pratica-
bilidade na execução da regra de direito está umbilicalmente
ligada, no direito tributário, principalmente à forma como os
custos de fiscalização e de aplicação da regra-matriz de in-
cidência podem ser mitigados (economicidade) em favor de
uma otimização dos resultados arrecadatórios favoráveis ao
Estado e, consequentemente, à comunidade, muitas vezes
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TEORIA INSTITUCIONAL DA PRATICABILIDADE TRIBUTÁRIA
com sacrifícios bem consideráveis para uma parcela de con-
tribuintes (eficiência).102
Assim, apesar de a economicidade, em sentido estrito, ser
um dos vetores da praticabilidade, não há como descurar que
dela, no mais das vezes, também subjazem critérios outros
de eficiência, como o de economicidade num sentido macro
(BATISTA JÚNIOR, 2012, p. 188), pois, por meio dessa su-
binstituição, são impostos, em algumas situações, ônus dema-
siados a determinados contribuintes como instrumento para
a consecução de políticas que garantam melhores e maiores
resultados arrecadatórios. Por isso, seriam esses os critérios
que legitimariam a praticabilidade, levando a comunidade a
comungar dela?
Uma das respostas provisórias a essa questão poderia ser
dada pelo conceito de comunidade de Jeremy Bentham (2000,
p. 15, tradução nossa):103
A comunidade é um corpo fictício, composto por pessoas indivi-
duais que são consideradas como seus membros. O interesse da
comunidade, então, é o quê? A soma dos interesses dos vários
membros que a compõem.
De acordo com Michael Sandel (2013, p. 48), a comuni-
dade “[...] segundo Bentham, é um corpo fictício, formado
pela soma dos indivíduos que abrange.” Baseado em tal as-
sertiva, o filósofo norte-americano, acima declinado, faz a
102. Cabe ressaltar que os conceitos de economicidade e de eficiência não se con-
fundem, já que o primeiro, de acordo com Onofre Batista Júnior (2012, p.187-188),
“[...] é uma das facetas da eficiência stricto sensu, aspecto da ideia maior de eficiên-
cia lato sensu [...]. Em outras palavras, traduz, sob o ponto de vista econômico-fi-
nanceiro, a necessidade, em cada atuação da AP, de adequação da ‘relação custo x
benefício’, de modicidade e simplicidade da despesa; de minimização dos custos fi-
nanceiros para determinado resultado almejado, [...]”, enquanto “Resultado e sacri-
fício coletivo estão inseridos na idéia de eficiência: sacrifício como meio.” (BATIS-
TA JÚNIOR, 2012, p. 322).
103.
The community is a fictitious body, composed of the individual persons who are
considered as constituting as it were its members. The interest of the community
then what is it? – the sum of the interests of the several members who compose it.
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