O dano extrapatrimonial trabalhista após a Lei n. 13.467/2017

AutorSebastião Geraldo de Oliveira
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 3ª Região. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho
Páginas119-139
O Dano Extrapatrimonial Trabalhista
Sebastião Geraldo de Oliveira(1)
(1) Desembargador do TRT da 3ª Região. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Mestre em Direito pela UFMG. Gestor nacional
do Programa de Trabalho Seguro do TST. Autor do livro Indenizações por acidentes do trabalho ou doença ocupacional pela Editora LTr.
1. ALTERAÇÕES DA REFORMA TRABALHISTA DE
2017
A reforma trabalhista foi aprovada pela Lei n. 13.467, de
13 de julho de 2017, para vigorar 120 dias após a sua publi-
cação, ocorrida no dia 14 de julho de 2017. Então, desde 11
de novembro de 2017 está em vigor no Brasil praticamente
uma nova CLT, cuja alteração foi a mais profunda ocorrida
desde a sua promulgação oficial em maio de 1943.
No dia 14 de novembro de 2017 foi publicada em edição
extraordinária do Diário Oficial da União a Medida Provisória
n. 808, a qual promoveu diversas alterações no texto legal já
reformado. Desse modo, a normatização do dano extrapatri-
monial trabalhista que entrou em vigor no dia 11 de novem-
bro de 2017 sofreu alterações em dois artigos (arts. 223-C e
223-G), com vigência a partir do dia da publicação da referida
Medida Provisória, em 14 de novembro de 2017.
Contudo, a referida Medida Provisória n. 808/2017 não
foi convertida em lei no prazo fixado pelo art. 62 da Cons-
tituição da República e, como consequência, perdeu sua
eficácia desde o dia 24 de abril de 2018. Conforme prevê a
Constituição, no art. 62, § 3º, o Congresso Nacional deve-
ria disciplinar, por decreto legislativo, os efeitos produzidos
pela Medida Provisória não convertida em lei, durante o
seu período de vigência, o que, todavia, não ocorreu.
E como ficam os atos jurídicos praticados durante o pe-
ríodo da sua vigência, ou seja, as lesões por danos extrapa-
trimoniais ocorridas no período de 14 de novembro de 2017
a 23 de abril de 2018? A resposta pode ser encontrada no
mesmo art. 62, § 11, da Constituição, que estabelece: “Não
editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta
dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória,
as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos prati-
cados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”.
Como se vê, por expressa previsão constitucional, as
lesões a respeito do dano extrapatrimonial ocorridas no
período de 14 de novembro de 2017 a 23 de abril de 2018
deverão ser apreciadas considerando as disposições da Me-
dida Provisória n. 808/2017, em harmonia com o vetusto
princípio do tempus regit actum. Desse modo, vamos men-
cionar com frequência as previsões da referida Medida Pro-
visória n. 808/2017 que produziu efeitos nos 161 dias que
esteve em vigor. E poderá até servir de norte interpretativo
ponderado para influenciar nas futuras decisões a respeito
do dano extrapatrimonial trabalhista. Vamos abordar neste
tópico o tema dos danos extrapatrimoniais oriundos dos
acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais. Trata-se de
uma das mudanças mais impactantes da reforma trabalhista
de 2017, tanto pela novidade do regramento quanto pela
pretensão do legislador de introduzir um microssistema
exclusivo para os danos morais trabalhistas, com previsões
destoantes da principiologia há muito sedimentada na teo-
ria geral da responsabilidade civil.
O nosso desafio, portanto, é analisar a configuração pe-
culiar dos danos extrapatrimoniais nas relações de trabalho
e os possíveis rumos hermenêuticos desta nova regulamen-
tação trazida pela Lei n. 13.467/2017.
A CLT foi aprovada há mais de 70 anos numa época
em que nem se cogitava sobre a reparação dos danos extra-
patrimoniais. Prevalecia a visão patrimonialista do direito,
muito distante da valorização atual da dignidade da pessoa
humana, proclamada com ênfase na Constituição da Repú-
blica de 1988.
Como não temos no Brasil um Código do Trabalho para
disciplinar detalhadamente todos os direitos do trabalha-
dor, a CLT estabeleceu expressamente no art. 8º o direito
comum como fonte subsidiária, quando houvesse compa-
tibilidade com os princípios protetores do direito do traba-
lho. Então, desde que a ciência jurídica acolheu a proteção
dos direitos da personalidade, o trabalhador lesado busca
na Constituição da República de 1988, no direito civil e
em outros ramos do direito as bases para fundamentar os
pedidos de indenização por danos morais em decorrência
do contrato de trabalho.
Agora, a reforma trabalhista de 2017 introduziu o Título II-
-A na CLT para tratar exclusivamente do “Dano extrapatrimo-
nial”, composto de sete artigos, quais sejam: 223-A até 223-G.
Topograficamente, o novo título foi inserido entre o Título II,
que trata das normas gerais de tutela do trabalho, e o Título
III, que trata das normas especiais de tutela do trabalho.
Como se verifica, para dar maior realce às disposições
normativas a respeito do dano extrapatrimonial, foi intro-
duzido como categoria de agregação um título adicional na
CLT, demonstrando a pretensão do legislador de criar um
disciplinamento específico e bem peculiar para o tema dos
danos extrapatrimoniais individuais na seara trabalhista.
120 Sebastião Geraldo de Oliveira
2. A INOVAÇÃO TERMINOLÓGICA DO DANO
EXTRAPATRIMONIAL
Não há dúvidas consistentes quanto à denominação dos
danos que lesam o patrimônio, com valor pecuniário: são
os danos patrimoniais ou danos materiais.
Entretanto, a percepção de novos danos na esfera de in-
teresses não patrimoniais gerou múltiplas denominações e
variações terminológicas conforme o ordenamento jurídi-
co de cada país. Para indicar o mesmo fenômeno encon-
tramos, entre outras, as denominações de dano imaterial,
dano moral, dano não patrimonial, dano extrapatrimonial,
dano à pessoa. E como espécies dessas denominações gené-
ricas há também diversas denominações, tais como: dano à
vida, à integridade física, à saúde, ao projeto de vida, à vida
de relação, existencial, biológico, estético, sexual, à intimi-
dade, ao nome, à honra, à imagem, psíquico etc.
Do ponto de vista estritamente terminológico, de fato,
a expressão “dano extrapatrimonial” é mais precisa porque
abrange todos os danos que não têm expressão econômica,
mas são passíveis de reparação. Apesar do acerto terminoló-
gico e de estar a denominação “dano extrapatrimonial” em
sintonia com a doutrina mais avançada do direito dos danos,
achamos inoportuna ou mesmo inconveniente a sua positiva-
ção na CLT. A denominação dano moral, ainda que não seja a
mais precisa, já consolidou raízes profundas na cultura jurídi-
ca brasileira, tanto na lei como na doutrina e jurisprudência.
Tentar renomear uma figura jurídica de estatura constitucio-
nal por simples lei ordinária trará mais confusão que esclare-
cimento ou, talvez, legitimará a pretensão de se criar um dano
moral mitigado na esfera trabalhista. Seria preferível manter
a tradição e a terminologia acolhida há quase três décadas
pela Constituição, base fundamental para o florescimento dos
direitos da personalidade no Brasil. É verdade que a precisão
de linguagem na ciência jurídica deve ser buscada para evitar
expressões equívocas que geram embaraços de compreensão
e dificuldades na aplicação da norma. A própria Lei Comple-
mentar n. 95/1998, que trata da elaboração e redação das leis,
recomenda no art. 11 que sejam usadas as palavras e expres-
sões em seu sentido comum ou técnico, de modo a ensejar
perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu
texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o
legislador pretendeu dar à norma.
Entretanto, a própria Constituição da República de
1988, que consagrou de vez a indenização dos danos não
patrimoniais, a fonte normativa e principiológica de maior
altitude, utiliza a denominação dano moral em três tópicos
importantes sobre o tema desta indenização:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-
reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
V — é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral
ou à imagem;
(...)
X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a hon-
ra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à inde-
nização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação;
(...)
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e
julgar:
(...)
VI — as ações de indenização por dano moral ou patri-
monial, decorrentes da relação de trabalho;
(...) (grifamos)
utilizou a denominação danos morais:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) VI — a
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos; VII — o aces-
so aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à
prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais
(...) (grifamos)
O Código Civil de 2002, principal estatuto jurídico de
normatização e detalhamento da responsabilidade civil, se-
gue a mesma trilha no art. 186:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar da-
no a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito. (grifamos)
O recente Código de Processo Civil de 2015 quando tra-
ta do valor da causa na petição inicial, estabelece:
Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou
da reconvenção e será: (...) V — na ação indenizatória,
inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido;
(grifamos)
A importante Lei n. 9.029/1995, que trata do combate às
práticas discriminatórias nas relações jurídicas de trabalho,
com a modificação dada pela Lei n.12.288/2010, preceitua:
Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato
discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à
reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar
entre: (grifamos)
Diante do que foi exposto, sem exaurir as citações da ex-
pressão nas normas legais, já se percebe que a denominação
dano moral está de tal forma consolidada no ordenamento
jurídico brasileiro que a mudança da designação para dano
extrapatrimonial parece até sugerir — para os menos aten-
tos — que o legislador criou uma nova figura jurídica ou
uma nova categoria de danos.
Além disso, haverá dualidade terminológica para o mes-
mo fenômeno jurídico variando a denominação de acordo
com o ramo do direito invocado ou com a competência

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