Das figuras paradigmáticas às figuras 'imagéticas': Reflexões sobre política e direito a partir de uma fraternidade intelectual com Celso Lafer

AutorTercio Sampaio Ferraz Junior
Páginas59-80
59
III
DAS FIGURAS PARADIGMÁTICAS ÀS
FIGURAS “IMAGÉTICAS”
Reflexões sobre política e direito a
partir de uma fraternidade intelectual
com Celso Lafer
Du warst der Einzige, der mich trug und
trägt, ich könnte von mir selber lassen, nur nicht
von dir.58
1. Esclarecimento
Desde 1960 mantenho com Celso Lafer uma amizade fra-
terna, permeada de um diálogo fecundo, em que reflexões como
58. Citação de uma carta de Zelter a Goethe, de 6 de outubro de 1827, que faz parte
de uma coletânea organizada por Walter Benjamin (Deutsche Menschen – Eine
Folge von Briefen, Frankfurt am Main; nela, segundo Walter Benjamin, desponta
aquela amizade, na qual, entre dois homens já grisalhos, é mostrada a inclinação
de um ao outro em seus dias vividos, na consciência da dignidade da idade e de
seu caráter admirável. Em tradução livre: “Tu foste o único que me carregou e
carrega [como um esteio]; eu poderia renunciar a mim mesmo, mas jamais a ti”.
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TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR
essa desembocam em aporias conhecidas do pensamento filosófi-
co. Dentre elas, a aporia dos chamados direitos humanos legislados.
O que segue é um pouco desse pensar dialogado entre
nós, mediado, muitas vezes, por essa pensadora notável que é
Hannah Arendt, de quem ouvi falar, pela primeira vez, por seu
intermédio. E tem por tema o percurso que nos levou às impli-
cações que a virtualidade informacional vem trazendo para o
modo como nos percebemos e nos julgamos.
2. Do mundo antigo ao mundo medieval
A política é um tema antigo e permanente na reflexão de
Celso Lafer. Nela, a liberdade, cuja importância ele já ressal-
tava nas condições da racionalidade da decisão administrativa
no planejamento governamental em sua tese de doutoramen-
to (quando, em 1970, analisou o Programa de Metas de Jusce-
lino Kubitschek), é o ponto de convergência e de concomitân-
cia indissolúvel entre razão e existência. Nessa concomitância
intui ele que o sentido da vida humana exige antes de tudo um
crescimento para o passado, uma espécie de enraizamento na
tradição intelectual, em que o testemunho dos antepassados
engrandece, por sua autoridade, o transcurso do tempo.
A ideia de sociedade política, emergindo historicamente
do ethos das sociedades aristocráticas e guerreiras da Grécia
arcaica, é um tema importante que lhe traz à reflexão a leitura
de Hannah Arendt.
Trata-se, a meu ver, de um tema que se defronta inicial-
mente com o problema do poder como fato social fundamental
imposto pelo próprio pacto implícito de associação que reúne
os indivíduos em grupos estáveis. A associação do poder com
a força é, por sua vez, um fato universal e natural, e a força se
exprime primeiramente como violência. A sociedade política
se apresenta exatamente como o intento de desvincular a ne-
cessidade natural da associação e a utilidade comum dela

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