Direito e realidade: a erosão do real jurídico pelo mundo virtual

AutorTercio Sampaio Ferraz Junior
Páginas29-57
29
II
DIREITO E REALIDADE:
A erosão do real jurídico pelo
mundo virtual23
Every thing has become so intricate that for its
mastery an exceptional degree of understanding
is required. For it is not enough any longer to be
able to play the game well; but the question is again
and again: what sort of game is to be played now
anyway?24
A reflexão a que me proponho toma por núcleo de
abordagem o direito subjetivo, em especial, o direito subje-
tivo referente à chamada propriedade imaterial. Sem ater-me
às distinções dogmáticas entre direito de autor, direito de
23. Esse texto, em alemão, foi apresentado na sessão inaugural do Congresso
Internacional de Filosofia do Direito e Filosofia Social da Internationaler
Verein für Rechts- und Sozialphilosophie (IVR), realizado em Frankfurt am
Main, Alemanha, em agosto de 2011.
24. WITTGENSTEIN, Ludwig. Culture and Value/Vermischte Bemerkungen.
Von Wright (Ed.). Oxford: Blackwell, 2006, MS 118 20r: 27.8.1937.
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TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR
propriedade industrial, bem como entre as proteções norma-
tivas conferidas a objetos certamente diferentes, como marcas
e patentes, desenhos industriais, nomes comerciais, obras ar-
tísticas, interessa-me em particular o fenômeno da autoria e o
conjunto de institutos jurídicos que, na tradição ocidental,
vieram a qualificar o auctor como um sujeito de direito sobre
sua produção intelectual também chamada de imaterial.
A caracterização do direito do autor constitui, para o
propósito dessa reflexão, um centro de rico debate doutrinário.
Novos casos e a diversidade de usos ou formas de exploração
dos bens intelectuais exigem da doutrina e da jurisprudência
uma constante interpretação das regras que lhes são aplicáveis.
Mais do que isso, dada a qualidade das inovações quanto a
regimes de exploração e novas formas de difusão através de
novas tecnologias de mídia, demandam uma reflexão até mes-
mo acerca de sua natureza. Percebe-se que, nas discussões
doutrinárias a favor de uma ou outra solução normativa para
um caso hipotético, os debatedores partem de respostas discre-
pantes sobre questões centrais, como: que é o direito de autor?
qual o bem protegido? que é a obra intelectual? qual o propósito
de sua proteção?
A estrutura clássica do direito autoral o coloca como di-
reito de propriedade, notadamente no que se refere à sua ex-
ploração econômica25. É propriedade no sentido amplo que
essa expressão adquire no texto constitucional (qualquer di-
reito patrimonial, ou bem suscetível de valoração econômica).
Nas palavras do civilista português José de Oliveira Ascensão,
(...) há um específico sentido constitucional de propriedade; e
esse sentido não coincide com o da propriedade, direito real
máximo, que é regulado no Direito das Coisas26. A propriedade,
25. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000, p. 10-11.
26. ASCENSÃO, José de Oliveira. Princípios constitucionais do direito de
autor. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 5, p. 434, jan./jun. 2005..

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