Decadência e prescrição

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas287-299

Page 287

Decadência

Esta é uma das partes mais complexas da matéria e, antes de iniciá-la, é preciso ter presentes os conceitos de decadência e prescrição.

18.1. 1 Conceito e efeitos (sintéticos)

Decadência é a extinção do direito pela inação de seu titular, que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para o seu exercício534. Em outras palavras, é a causa extintiva do direito, pelo seu não exercício no prazo. A decadência é matéria de ordem pública535.

A decadência pode ser legal ou convencional. A primeira é fixada em lei, e é irrenunciável; a segunda é fixada pelas partes, por ocasião da celebração de um negócio jurídico; esta, por decorrer do ajuste de vontade entre as partes, pode ser renunciada.

O efeito direto da decadência é a perda do direito, em decorrência da inércia de seu titular. A perda do direito implica a extinção da ação correspondente. Segundo Maria Helena Diniz, extinto o direito pela decadência, torna-se, portanto, inoperante, não podendo ser fundamento de nenhuma alegação em juízo, nem ser invocado, ainda mesmo por via de exceção. A decadência produz seus efeitos de modo absoluto536.

18.1. 2 Causas obstativas, ou impeditivas, da decadência

Até a vigência do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002, os prazos decadenciais não estavam sujeitos à suspensão nem à interrupção.

O Código de Defesa do Consumidor inovou, prevendo, no art. 26, § 2º, I e III, duas causas obstativas – ou impeditivas – da decadência: (a) a reclamação comprovada-

Page 288

mente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente (que deve ser transmitida de forma inequívoca); (b) a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

Na mesma linha, o Código Civil também inovou ao estabelecer, no art. 446537, que

os prazos decadenciais estabelecidos no art. 445 (referentes aos vícios redibitórios) não se iniciam durante o período da garantia concedida pelo vendedor ao adquirente. Ou seja, prevê expressamente o impedimento da decadência nessa hipótese, situação que não era prevista no Código de 1916.

A doutrina de Simão sobre essa questão é esclarecedora:

(...) o artigo prevê o fenômeno do impedimento da decadência, pois o prazo sequer se inicia. (...) A regra é inovadora por três razões: a primeira delas é que expressamente permite o impedimento da decadência, fulminando com a clássica diferença estabelecida pela doutrina de que somente a prescrição sofre os fenômenos do impedimento, suspensão ou interrupção. Portanto, os prazos decadenciais previstos no art. 445538 não se iniciam durante o período da garantia concedida pelo vendedor ao adquirente. Somente começam os prazos decadenciais após o término da garantia (...). A segunda razão do caráter inovador da regra diz respeito à expressa previsão da garantia como causa de impedimento da decadência. O Código Civil de 1916 em momento algum previa a existência da garantia como causa interruptiva ou suspensiva da prescrição (...). Ora, como causa impeditiva da decadência que é, o adquirente terá grande vantagem, pois poderá contar com prazos certamente superiores aos previstos no art. 445 para exercer seu direito. (...) Apenas depois de esgotada a garantia teria início o prazo para redibição ou abatimento. A terceira e última razão para que apontemos o caráter pioneiro da regra diz respeito à segunda parte do art. 446, que expressamente determina ao adquirente que denuncie “o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento sob pena de decadência”. Portanto, embora haja previsão de uma causa impeditiva de fluência do prazo decadencial, há também um dever imposto ao adquirente: informar ao alienante a existência do defeito em até 30 dias após seu descobrimento. O legislador cria uma decadência intercorrente, pois dá ao adquirente prazo exíguo de 30 dias para que informe ao alienante, sob pena de perder o direito à redibição e ao abatimento. Caso o adquirente não cumpra o dever legal de informação no prazo de 30 dias, sofrerá a sanção de decair em seu direito539.

Page 289

O art. 446 do CC refere-se a “cláusula” de garantia, permitindo que se pressuponha a existência de um contrato.

Existindo vários itens ou serviços que compõem o fornecimento, como ocorre na construção civil, a perda do direito à redibição, ou abatimento, diz respeito àquele item específico, não reclamado no prazo, e não se estende a eventuais falhas de outros itens ou sistemas que compõem o produto ou serviço.

a) Reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor

De acordo com o artigo 26, § 2º, I, do Código de Defesa do Consumidor, obsta a decadência a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca.

Em comentários ao referido inciso, Arruda Alvim esclarece que o exercício da reclamação, devidamente comprovado por carta protocolada, entregue com recibo ou enviada por cartório de títulos e documentos, por exemplo, ou, judicialmente mesmo, dentro do prazo legal, obsta, desde a data da sua entrega ao fornecedor (desde esse dia), que ocorra a decadência. Inexistindo resposta, a decadência continua obstada540.

b) Inquérito civil

Ainda como causa obstativa da decadência, o art. 26, § 2º, inciso III, do CDC, prevê a instauração de inquérito civil, até o seu encerramento. O inquérito civil é procedimento de natureza inquisitiva, presidido pelo Ministério Público, que tem por finalidade a coleta de subsídios para a eventual propositura de ação civil pública pela Instituição541.

O inquérito civil é dispensável, ou seja, não é pressuposto para que o MP proponha a ação civil pública. Não é um procedimento contraditório, e sim inquisitorial, destinado à apuração de fato para possibilitar a ação civil pública. É instrumento privativo do Ministério Público, tendo em vista que nenhum dos demais legitimados ativos à propositura da ação civil pública pode instaurá-lo ou impulsioná-lo.

O inquérito civil é composto por três fases: a instauração, a instrução e a conclusão. A instauração é feita de ofício, por meio de Portaria do membro do MP, ou em despacho por ele lançado em requerimento ou representação a ele dirigida por cidadãos, autoridades, associações, ou qualquer interessado.

Page 290

A instrução é a fase em que se coletam os elementos de prova necessários à apuração do fato objeto da investigação e respectiva autoria. Para melhor investigar os fatos, o MP pode proceder à notificação e às requisições. As requisições podem ser de diligências, documentos, ou informações e consistem numa ordem legal de sua apresentação ao requisitante.

Qualquer autoridade federal, estadual ou municipal, bem como qualquer órgão da administração direta ou indireta pode ser destinatário da requisição ministerial.

O órgão do MP pode, após a instrução do inquérito, concluir pela propositura de ação civil pública ou pelo arquivamento. Nesta última hipótese (arquivamento), caso entenda que não há elementos para a propositura da ação; que não houve lesão ao interesse metaindividual, nem ameaça; que não há legitimidade para sua atuação; ou se ocorrer a transação, assim entendido o encerramento da questão por acordo, em que são atendidas as condições minimamente aceitas pelo MP.

Nas hipóteses de arquivamento do inquérito civil, o órgão do MP o fará fundamentadamente e deverá encaminhar os autos ao Conselho Superior do MP para apreciação. Se o Conselho concordar com a deliberação de arquivamento, haverá homologação da decisão (e o arquivamento). Se o Conselho não concordar com a deliberação de arquivamento, haverá designação de outro órgão do MP para prosseguir nas diligências ou propor a ação civil pública.

Prescrição
18.2. 1 Conceito e efeitos (sintéticos)

Para Clóvis Beviláqua, prescrição é a perda da ação atribuída a um direito e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do seu não uso durante um determinado tempo542. Nas palavras de Maria Helena Diniz, “esse instituto foi criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda do fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado”543.

Deixando de exercer por um longo tempo o recurso judicial conferido para a defesa do direito violado, seu titular se conforma com a situação de fato, e o orde-

Page 291

namento jurídico, ansioso por estabelecer condições de segurança e harmonia na vida social, permite que tal situação se consolide544. A prescrição constitui uma pena para o negligente, que deixa de exercer seu direito de ação, dentro de certo prazo, ante uma pretensão resistida. A prescrição ocorre pelo fato de a inércia do lesado, pelo tempo previsto, deixar que se constitua uma situação contrária à pretensão; visa a punir, portanto, a inércia do titular do direito violado, e não a proteger o lesante545.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, é na paz social, na segurança da ordem jurídica, que se deve buscar o verdadeiro fundamento da prescrição.

O direito exige que o devedor cumpra o obrigado e permite ao sujeito ativo valer-se da sanção contra quem quer que vulnere o seu direito. Mas se ele se mantém inerte, por longo tempo, deixando que se constitua uma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT