Sobre a métrica da indenização

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas275-284

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A extensão dos danos indenizáveis

Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código Civil adotou a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403, dispondo que, ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual513.

Para Agostinho Alvim, é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução514.

Conforme a lição de Wilson Melo da Silva, o agente primeiro responderia tão só pelos danos que se prendessem a seu ato por um vínculo de necessariedade. Pelos danos consequentes das causas estranhas, responderiam os respectivos agentes. No clássico exemplo do acidentado que, ao ser conduzido em uma ambulância para o hospital, vem a falecer em virtude de colisão da ambulância com outro veículo, o responsável pelo seu ferimento responderia apenas pelos prejuízos decorrentes de tais ferimentos, e, pelos danos da morte dessa mesma vítima, causada pelo abalroamento, responderia o motorista da ambulância ou o do carro abalroador, ou ambos. Mas o agente do primeiro evento não responderia por todos os danos, isto é, pelos ferimentos e pela morte515.

Carlos Roberto Gonçalves, em seu brilhante estudo sobre a responsabilidade civil, salienta que:

Se alguém, por exemplo, sofre um acidente automobilístico no instante em que se dirigia para o aeroporto para uma viagem de negócios, pode responsabilizar o motorista causador do dano pelos prejuízos que resultarem direta e imediatamente do sinistro, como as despesas médico-hospitalares e os estra-513 CC: “Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

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gos do veículo, bem como os lucros cessantes, referentes aos dias de serviço perdidos. Mas não poderá cobrar os danos remotos, atinentes aos eventuais lucros que poderia ter auferido, se tivesse viajado e efetuado os negócios que tinha em mente. Como ensina Hans Albrecht Fischer, citado por Washington de Barros Monteiro (Curso, cit., v. 4, p. 366), ao direito compete distinguir cuidadosamente essas miragens de lucro, de que falava Dernburg, da verdadeira ideia de dano. Não se indenizam esperanças desfeitas, nem danos potenciais, eventuais, supostos ou abstratos516.

E Gonçalves arremata o seu entendimento com a lição de Agostinho Alvim, de que ao legislador, portanto, quando adotou a teoria do dano direto e imediato, repugnou-lhe sujeitar o autor do dano a todas as nefastas consequências do seu ato, quando já não ligadas a ele diretamente. Esse foi, indubitavelmente, o seu ponto de vista. E o legislador, a nosso ver, está certo, porque não é justo decidir-se pela responsabilidade ilimitada do autor do primeiro dano517.

Ainda no tocante à extensão dos danos indenizáveis, é possível reclamar, desde que provado, o dano moral derivado de vícios ou defeitos de construção. São inúmeras as hipóteses em que pode ocorrer dano moral, como, por exemplo: a permanência por tempo prolongado em ambientes insalubres (derivados de vícios construtivos não reclamados); o temor pela exposição prolongada a comprovados riscos de acidentes; o dano moral decorrente da ocorrência de acidentes; o impedimento à utilização de cômodos ou dependências da edificação por tempo prolongado; os transtornos derivados de período de desocupação prolongada do imóvel para a execução das reparações necessárias; e assim por diante. Trata-se de situações a serem aferidas pela análise de cada caso concreto, mas sem dúvida é cabível a reparação do comprovado dano moral, de resto assegurada pelo art. 5º, V, da Constituição Federal518.

Os graus da culpa e a possibilidade de redução equitativa da indenização, pelo juiz (art 944 e parágrafo único, do cc)

O artigo 944 do Código Civil estabelece que a indenização mede-se pela extensão do dano, e o seu parágrafo único que, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização519.

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Trata-se de uma inovação do Código Civil de 2002, que traz consigo a necessidade de o juiz estabelecer o grau da culpa com que se houve o causador do dano, no propósito de fixar com maior justiça a indenização.

Assim, após demonstrar concretamente em que consistiu o agir culposo do réu, o julgador deverá avaliar a intensidade da imprudência, imperícia ou negligência verificada no caso concreto – se grave, leve ou levíssima. Somente após análise fundamentada, tendo em conta o padrão de conduta do homem prudente, passará o juiz à quantificação da indenização, reduzindo, ou não, o valor dos danos.

Depois do Código Civil de 2002, portanto, impõe-se considerar a maior ou menor gravidade da culpa, não para se imputar responsabilidade – posto que para tal basta a existência da culpa – mas para se estabelecer o valor da indenização (a indenização será fixada conforme a extensão do dano, mas a condenação poderá levar em conta uma redução do valor). Em outras palavras, mede-se a indenização pela extensão do dano, e não pelo grau de culpa, mas o grau de culpa influirá, não na apuração dos danos, mas na eventual redução da indenização.

Tradicionalmente, a culpa classifica-se em levíssima, leve e grave (ou lata).

Na culpa leve, transgride-se o dever de cautela inerente ao homem médio; na levíssima, deixa-se de observar cuidado excepcional. Quando levíssima ou leve, em cotejo com a extensão do prejuízo, o juiz efetuará as operações, racionais e fundamentadas, tendentes a reduzir o quantum indenizatório. A culpa grave implica negligência ou imprudência extremas; não prever ou compreender o que todos preveem ou compreendem, omitir os cuidados mais elementares, descuidar da diligência mais pueril, ignorar os conhecimentos mais comuns. Miguel Kfouri Neto, em brilhante estudo sobre a matéria, observa que a culpa grave apresenta grau de importância menor que da culpa inescusável; é despojada de maligni-dade – e tampouco se equipara ao dolo; integra a categoria do “quase delito”. Para o referido autor, enquadram-se no figurino da culpa grave a supina negligência, a imperícia crassa, a imprudência criminosa520.

A doutrina de Starck, Roland e Boyer identifica quatro degraus na hierarquia da culpa:

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(a) a culpa intencional – ou dolo – a vontade incide sobre o ato e suas consequências. Não somente a vontade de agir de tal maneira, mas ainda querer o resultado danoso. A intenção de prejudicar, de causar o dano, é inerente ao...

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