Dignidade

AutorMarcelo D. Varella/Nitish Monebhurrun/André Pires Gontijo
Páginas229-250
229
Capítulo 6
Dignidade
A construção dos direitos humanos se fundamenta no axioma da
igualdade. É o resultado de uma evolução histórica não linear. De certa
forma, os fundamentos teóricos para a noção da dignidade da pessoa
humana são antigos, com diferentes contribuições ao longo da história das
ideias. As teorias gregas sobre o uso da racionalidade para a descoberta do
justo, as concepções romanas de universalismo e suas visões de justiça, a
ótica cristã de igualdade entre os homens e da alma, as ideais iluministas
de fraternidade e liberdade no Ocidente, as contribuições de outros povos
e culturas orientais, a exemplo do induísmo, do budismo e do islã,
contribuem para a formação da diversidade de formas de compreender os
direitos humanos na atualidade.
A pedra angular da construção da proteção internacional dos
direitos humanos no século XX é a dignidade da pessoa humana562. Os
aspectos concretos da dignidade da variam conforme o momento e os
atores envolvidos. Neste capítulo, vamos mapear a construção do conceito
de dignidade na história das ideias, para compreender os fundamentos da
visão atual de direitos humanos.
1. Construção do conceito da dignidade na história das ideias
A ideia de dignidade da pessoa humana como elemento central dos
direitos humanos é algo recente. A expressão dignidade antigamente
significa não a igualdade, mas a diferença de determinado indivíduo. Tinha
aspecto diferenciador, em que uma pessoa digna, era diferente das demais
e não igual. Na bíblia cristã, a ideia de dignidade busca a igualdade, porque
reflete o paradigma do homem ser feito à imagem e semelhança de Deus.
Contudo, na história, o conceito de dignidade apenas se estende a todos os
562 CAROZZA G.P. “Human Dignity”. in. SHELTON D.[org.]. The Oxford Handbook of
International Human Rights Law. Oxford. Oxford University Press, 2013, pp. 345 et seq.
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homens no período recente. Na Grécia, com a escravidão, a distinção dos
estrangeiros, o conceito de dignidade era próprio a poucos indivíduos. Em
Roma, a expressão dignitas era utilizada para discriminar positivamente os
melhores homens. No judaísmo, aqueles que merecem honra, glória,
respeito. Em outras palavras, na maioria das religiões e culturas, dignidade
era critério de discriminação positiva. Dignos eram os bem-nascidos,
evocando a ideia de desigualdade.563
No inglês tradicional, como no francês, usava-se a expressão latina
dignus, derivado de diginitas. No inglês recente, dignity ou, no francês,
digneté, se relacionam com mérito, merecimento, grandeza, distinção,
honestidade, honradez, reputação, integridade.564 Digno era o bem nascido,
nobre, diferente dos demais.
A vida digna grega era em grande parte derivada da ideia de
contemplação, ou seja não relacionado ao trabalho. A vita activa ao final
do período grego já compreendia inclusive o trabalho, mas a liberdade do
homem, que lhe garantia verdadeira dignidade, era aquela gozada pelo
filósofo, que tinha a possibilidade de não trabalhar manualmente para sua
sobrevivência e sim refletir. A quietude humana seria o único caminho de
se encontrar Deus, o que foi de certa maneira absorvido pelo Cristianismo,
que colhe no período dos últimos pensadores gregos parte importante de
suas ideias.565
A característica humana nos gregos, que depois é apreendida como
dignidade, está na existência da possibilidade do exercício da vida política,
ou seja, na liberdade política. Aqueles que não tinham o direito ou
simplesmente não o exerciam por manterem uma vida privada (isolada) de
se expressar politicamente, como os escravos, as mulheres, os estrangeiros,
não eram humanos e não tinham a mesma dignidade.566
Durante a Idade Média, o conceito continua na percepção de
diferença. Não há igualdade entre os homens. No mundo cristão, os não
cristãos, ou seja, todos aqueles que cercavam a Europa, eram tratados como
ameaças, como seres diferentes e com desdém. Os discursos dos diferentes
563 Donnely, p. 12, 17
564 Donnely, p. 12
565 Arendt, H. A condição humana, p. 22-23
566 Arendt, H. A condição humana, p. 47

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