Proibição de edição de Leis de Anistia

AutorMarcelo D. Varella/Nitish Monebhurrun/André Pires Gontijo
Páginas315-373
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Capítulo 12
Proibição de edição de Leis de Anistia
A proibição de edição de leis de anistia pelos Estados da América
Latina apresenta-se como um dos principais temas desenvolvidos pela
Corte IDH; diferentemente de outros direitos, não há um dispositivo
expresso na Convenção Americana que retrate este impedimento. Como a
edição de leis de anistia cria uma situação de impunidade, a Corte IDH
utiliza a perspectiva descendente para enquadrar o tema como parte do
conceito de graves violações de direitos humanos.
Por um lado, cuida-se de argumento comunitário, cuja finalidade
está em buscar a objetividade do direito internacional no plano regional e
restringir a autonomia dos Estados886, em especial no que tange à
elaboração de leis de anistia. O projeto normativo da Corte IDH parece ser
necessário neste tema, haja vista que desempenha importante atuação
contra o legado de impunidade887. A Corte IDH desenvolveu algumas de
suas abordagens inovadoras e de grande alcance para a proteção dos
direitos humanos em sua jurisprudência sobre o tema888 e o dinamismo
desempenhado por ela parece ser particularmente necessário no contexto
de graves violações de direitos humanos que ocorreram nos Estados latino-
americanos, com instituições nacionais e sistemas democráticos frágeis889.
Diferente de outros direitos humanos, não há disposição expressa
no texto da Convenção Americana que proíba a edição de leis de anistia
pelos Estados. A Corte IDH se utiliza de diversos dispositivos da
Convenção Americana para criar uma interpretação que proíba a edição de
referidas legislações pelos Estados. Além de não existir o texto expresso
886 KOSKENNIEMI, Martti. From Apology to Utopia… Ob. cit., 2005.
887 MARTIN-CHENUT, Kathia. Amnistie. prescription, grâce: la jurisprudence
interaméricaine des droits de l’homme en matière de lutte contre l’impunité. Chronique
internationale, RSC 03, jul./set. 2007, p. 628-640.
888 BINDER, Christina. The prohibitio n of Amnesties by the Inter-American Court of
Human Rights. German Law Journal, c. 12, p. 1203-1229, 2011, p. 1204.
889 BINDER, Christina. Ob. cit., 2011, p. 1205.
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na Convenção Americana, a Corte IDH almeja capitular o tema como
norma de jus cogens, o que aumentaria a proteção sobre as disposições a
serem protegidas.
Este tipo de abordagem da Corte IDH caminha para a instalação de
uma situação de imperialismo dos direitos humanos890, sobretudo em
relação àa sua interpretação dos dispositivos convencionais. Sem o
discurso uniforme sobre a proteção humana, corre o sério risco de
sacrificar os dispositivos de direito doméstico que realizam a proteção
constitucional na ordem jurídica interna. Esta restrição excessiva à
autonomia dos Estados pode levar a situações de descumprimento de seus
julgamentos. Isto pode ocorrer, sobretudo, em função dos precedentes
conterem uma perspectiva descendente e subjetiva dos direitos humanos,
sem uma visão autocrítica, o que implicaria na consolidação da tendência
imperialista e representaria a falha do projeto normativo891.
Os casos selecionados terão como premissa apontamentos críticos
ao discurso em direitos humanos da Corte IDH. A abordagem crítica será
realizada a partir dos seguintes pontos: (i) breve narrativa dos fatos, com
os fundamentos da resolução do caso; (ii) análise crítica da natureza dos
argumentos ascendentes e descendentes utilizados na elaboração do
discurso; e, (iii) caracterização como Tribunal subjetivo ou objetivo, no
que tange aos conceitos utilizados.
1. A declaração de nulidade das Leis de Anistia pela
incompatibilidade com o texto da Convenção Americana
O primeiro julgamento da Corte IDH que estabeleceu a proibição
da edição de leis de anistia ainda que de forma inicial é o caso Barrios
Altos vs. Peru. Neste caso, foi criada a interpretação que proíbe anistiar
graves violações de direitos humanos praticadas no âmbito dos Estados892.
Para tanto, se utilizou da declaração de nulidade em razão da
incompatibilidade da legislação nacional com o texto da Convenção
Americana. Esta técnica guarda semelhança com a declaração de nulidade
890 KOSKENNIEMI, Martti. From Apology to Utopia. Ob. cit., 2005, p. 479.
891 KOSKENNIEMI, Martti. From Apology to Utopia. Ob. cit., 2005, p. 484.
892 Corte IDH. Caso Barrios Altos c. Peru. Mérito, Sentença de 14/03/2001, Série C n. 75.
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do controle de constitucionalidade, realizada pelas cortes constitucionais
dos Estados893. Pode ser o caso de constitucionalização do direito
internacional promovido pela própria Corte IDH no que tange aos seus
procedimentos de julgamento, o que indica a evolução do controle de
convencionalidade abstrata.
De acordo com a narrativa dos fatos levada à Corte IDH, o caso
envolve os membros do exército do Peru que atuavam como esquadrão de
eliminação denominado Grupo Colina. O grupo tinha seu próprio
programa de extermínio e ingressou em um evento festivo (no dia
03/11/1991), localizado em um prédio no bairro Barrios Altos. Neste
evento, renderam as pessoas presentes, determinaram que elas deitassem
no chão, quando dispararam de forma indiscriminada por um período de
dois minutos, matando 15 pessoas e ferindo outras 04 pessoas, ficando uma
delas incapacitada de modo permanente894.
As investigações pelas autoridades judiciais peruanas iniciaram-se
apenas em 1995 e sugeriram que o atentado foi dirigido em represália a
supostos integrantes do grupo Sendero Luminoso895. Cinco oficiais do
exército foram denunciados896 e uma investigação formal iniciada. No
entanto, o Conselho Supremo de Justiça Militar (doravante CSJM-Peru)
estabeleceu uma resolução que impedia os investigados de se
manifestarem, em função de investigação militar própria em curso.
Paralelamente, as autoridades militares interpuseram perante a Corte
Suprema Peruana instrumento reclamatório de sua competência para o
caso, por se tratarem de oficiais militares do serviço ativo897.
893 BURGORGUE-LARSEN, Laurence. La Corte Interamericana de Derechos Humanos
como Tribunal Constitucional. Ob. cit, 2014.
894 As testemunhas relataram que foram utilizados silenciadores; também foram
encontrados 111 cartuchos e 33 projéteis de metralhadora do mesmo calibre (Corte IDH.
Caso Barrios Altos c. Peru. Mérito, Sentença de 14/03/2001, Série C n. 75, § 2º).
895 Com o nome oficial de Partido Comunista do Peru Sendero Lu minoso (PCP-SL), é
considerado por Estados Unidos e pela União Europeia como o maior grupo terrorista do
Peru e está entre os dois maiores da América Latina (ao lado das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia FARC).
896 Inclusive, estes oficiais também participaram das ações ocorridas no caso La Cantu ta
(Corte IDH. Caso La Cantuta c. Peru. Mérito, reparações e custas, Sentença de 29/11/2006,
Série C n. 162).
897 Corte IDH. Caso Barrios Altos c. Peru. Mérito, sentença de 14/03/2001, Série C n. 75,
§ 2º.

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