O direito ao processo

AutorRodrigo Dalla Pria
Páginas1-50
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O DIREITO AO PROCESSO
Rodrigo Dalla Pria
1. Introdução
Numa perspectiva pragmática, a função de qualquer te-
oria é facilitar a compreensão do objeto que pretende descrever,
com o intuito de, finalisticamente, otimizar o seu manuseio. É
por isso que, tão importante quanto a precisão da linguagem
que descreve o objeto e produz o conhecimento é a eficácia do
discurso que procura transmiti-lo aos seus destinatários.
É dentro deste espírito que o presente estudo pretende
investigar o fenômeno jurídico-processual, i. é, viabilizando a
construção de conceitos e definições que, amparados num
sólido alicerce teórico, possam agregar rigor científico, acessi-
bilidade didática e aplicabilidade prática.
Tal postura, salvo melhor juízo, nos permitiu identificar
a existência de um gênero processual, inerente ao caráter au-
topoiético dos sistemas de direito positivo, do qual o principal
objeto deste trabalho – “o processo”, tomado como relação
jurídica triádica e instrumental, vocacionada à produção de
normas individuais e concretas resolutivas dos conflitos de
interesses havidos no âmbito material – é uma mera espécie.
Usando do mesmo expediente, foi possível cotejar e dife-
rençar a relação processual de outras relações jurídicas a ela
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PROCESSO TRIBUTÁRIO ANALÍTICO
atreladas. Aliás, a inafastável necessidade de se descrever ou-
tros institutos correlatos, tão complexos quanto aquele que
originariamente nos propusemos investigar (e que por perfa-
zerem decorrências lógicas uns dos outros não poderiam ser
deixados de lado), ocasionou um alargamento do estudo. Esta
expansão, ao que parece, longe de comprometer a objetividade
do trabalho, acabou por enriquecê-lo.
Assim, a pretexto de falar sobre o direito ao processo,
também se discorreu a respeito do direito de acesso à justiça
(Judiciário), do direito de ação e do direito à pretensão material.
Entretanto, confirmando a máxima popular de que tudo na
vida tem um preço, a multiplicidade de objetos dificultou so-
bremaneira a elaboração de um texto que pudesse ser, ao
mesmo tempo, sucinto (destinado a integrar uma obra coletiva)
e pouco omisso, a ponto de não comprometer a tentativa de
clarividenciar as diferenças que fazem de cada um, entes juri-
dicamente distintos.
De fato, todos os institutos acima referidos merecem (e já
possuem), individualmente, a elaboração de tratados de fôlego,
tamanha a abrangência e complexidade que induzem, espe-
cialmente o primeiro deles (o processo), sem sombra de dúvida
o grande protagonista de nossas investigações, mas que, sem
os seus coadjuvantes (acesso à justiça, ação e pretensão mate-
rial), acaba por resumir-se num mero elemento abstraído de
um contexto (sistema jurídico-processual) cuja desconsideração
levaria a uma inevitável carência de sentido que esvaziaria o
conteúdo do estudo quase que por completo.
Por fim, é sempre bom salientar que há uma multiplici-
dade de opiniões e conceitos doutrinários a respeito do assun-
to ora abordado, grande parte deles, entretanto, respaldada
pelos “incontestes” argumentos de autoridade que assumem
proporções paradigmáticas que acabam por transformarem-se
em verdadeiros axiomas. Estes, por sua vez, enraízam-se na
(in)consciência do operador do direito, e, como ervas daninhas
e/ou parasitárias, sugam-lhe o senso crítico.
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PROCESSO TRIBUTÁRIO ANALÍTICO
Foi este contexto de indesejável insalubridade científica que
tornou incontrolável o desejo de colocar à margem toda e qualquer
espécie de pudor intelectual para projetar-se de encontro a certos
dogmas cujos fundamentos, ao que parece, não se justificam.
2. A metodologia adotada
Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos cien-
tistas do direito na construção de uma definição precisa
daquilo que vem a ser “processo” advém da maneira plurí-
voca com que nossos textos normativos empregam o men-
cionado vocábulo. Colocam-no como parte integrante de
enunciados diversos de um mesmo diploma, como é o caso
do Código de Processo Civil, atribuindo-lhe, em cada passa-
gem, dimensões semânticas muito diferentes umas das ou-
tras. Esta situação, aliás, em se tratando do CPC, também se
repete com a palavra “ação”.
A indeterminação semântica, bem como as contradições
lógicas, são características típicas da linguagem técnica do
legislador; não é, pois, um atributo exclusivo do CPC, mas de
todos os diplomas normativos, uns mais outros menos. É opor-
tuno reportar-se, nesta ocasião, ao clássico estudo semiológico
da palavra “tributo”, feito pelo professor Paulo de Barros Car-
valho, por meio do qual identificou-se seis significações diver-
sas para aquele vocábulo.1
Assim, a proposta de definir processo tendo como base
empírica única e exclusivamente o sistema de direito positivo
(como pede uma abordagem estritamente científica), não é
uma tarefa simples. Ao contrário, revela-se uma atividade
árdua e, ao mesmo tempo, perigosa, pois a grandeza temática
facili ta a construção de raciocínios que resultam em enunciados
contraditórios, cuja consequência principal é o comprometi-
mento da cientificidade do trabalho.
1. Curso de direito tributário, Saraiva: São Paulo, 1999, 12. ed., passim.

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