O direito e a lógica

AutorAurora Tomazini de Carvalho
Páginas237-276
199
Capítulo VI
O DIREITO E A LÓGICA
SUMÁRIO: 1. Lógica e linguagem; 1.1. Enunciado e proposição
1.2. Formalização da linguagem; 1.3. Fórmulas lógicas; 1.4. Ope-
rações lógicas; 2. A lógica como instrumento para o estudo do
direito; 3. Os mundos do “ser” e do “dever-ser”; 3.1. Causalidade
e nexos lógicos; 3.2. Causalidade física ou natural e causalidade
jurídica; 3.3. Leis da natureza e leis do direito; 4. Modais aléticos
e deônticos; 5. O caráter relacional do “dever-ser”; 6. O direito e
sua redução lógica – modais deônticos e valoração da hipótese
normativa.
1. LÓGICA E LINGUAGEM
O termo “lógica” (do grego logiké) pode ser utilizado em
pelo menos duas acepções: (i) Ciência; e (ii) sistema linguísti-
co estrutural. Enquanto ciência, a Lógica estuda a estrutura-
ção e métodos do raciocínio humano, ou seja, a forma como
se dá a estruturação de uma linguagem. Raciocinar, como já
vimos (no capítulo I), “consiste em manipular a informação
disponível – aquilo que sabemos, ou supomos ser verdadeiro
– e con struir consequências disso, obtendo informação nova”185.
185. CEZAR A. MORTARI, Introdução à lógica, p. 4.
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AURORA TOMAZINI DE CARVALHO
A lógica cuida deste processo, mas a ela não cabe dizer como
se dá o raciocínio, o que compete à Psicologia, ela cuida das
estruturas formais do pensamento186. Enquanto linguagem
(língua), a lógica é um sistema de significação dotado de re-
gras sintáticas rígidas, cujos signos apresentam um e somente
um sentido, que tem por função reproduzir as relações esta-
belecidas entre os termos, proposições e argumentos de outra
linguagem, a qual denominamos de linguagem-objeto. Neste
sentido, a lógica é sempre metalinguagem.
Sabendo-se que o pensamento humano encontra-se
indissociavelmente atrelado à linguagem, mais acertado é
dizer que a Lógica (enquanto ciência) cuida das estruturas
formais de outra linguagem. Como bem ensina PAULO DE
BARROS CARVALHO, “não há lógica na floresta, no fundo
dos oceanos ou no céu estrelado: torna-se impossível inves-
tigarmos entes lógicos em qualquer outra porção da existên-
cia real que não seja um fragmento de linguagem”187. Neste
sentido, a lógica (enquanto ciência ou linguagem) pressupõe
sempre uma linguagem que é seu ponto de partida (objeto)
epistemológico.
As fórmulas lógicas (elementos da linguagem lógica), re-
presentativas da estrutura de certa linguagem (objeto), segun-
do as categorias de EDMUND HUSSERL, enquadram-se na
região ôntica dos objetos ideais. Não têm existência concreta,
real; não estão na experiência e são axiologicamente neutras.
Apesar de só serem percebidas onde houver manifesta-
ção linguística, não nos deparamos com as fórmulas lógicas
no contado mediato com o dado físico de uma linguagem.
Elas são construídas, mentalmente, mediante um processo
que denominamos de “formalização”. Para entendermos, no
186. O objetivo inicial da Lógica, criada por Aristóteles (384-322 a. C.), era a análise
de argumentos, produzidos pelo processo de inferência, com o uso por Frege (1848
– 1925) de linguagens artificiais a lógica contemporânea ampliou seu âmbito de atu-
ação e passou a ter outros usos como, por exemplo, a representação formal das sig-
nificações de uma linguagem, passando a ser denominada como “lógica simbólica”.
187. Apostila do curso de teoria geral do direito, p. 10.
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CURSO DE TEORIA GERAL DO DIREITO
entanto, tal processo é preciso, primeiramente, estabelecer-
mos a diferença entre “enunciado” e “proposição”.
1.1 Enunciado e proposição
Enunciado é a expressão linguística, produto da ativida-
de psicofísica de enunciação, são sentenças (frases) formadas
pelo conjunto de fonemas e grafemas devidamente estrutura-
dos que tem por finalidade transmitir um conteúdo completo,
num contexto comunicacional. Em outros termos, enunciado
é uma forma física que, por exemplo, na linguagem escrita,
manifesta-se numa sequência de palavras (símbolos) grama-
ticalmente estruturadas, com o pretexto de serem significati-
vas de um conteúdo completo (ex: “o dia está ensolarado”; “a
indenização mede-se pela extensão do dano” – art. 944, CC).
As palavras podem ser combinadas para formar diversas
expressões linguísticas, enunciados e textos, mas nem toda se-
quência de vocábulos é um enunciado. O que determina quais
sequências de palavras de uma língua constituem enunciados
é a sua gramática – conjunto de regras que prescrevem a for-
ma como se pode combinar os termos de uma língua. Assim,
por exemplo, o seguinte conjunto de palavras “pela mede-se
indenização a dano do extensão”, não constitui um enuncia-
do, isto porque, não obedecendo as regras gramaticais nenhu-
ma sequência de palavras é capaz de transmitir um conteúdo
completo dentro de um contexto comunicacional.
Embora intimamente relacionados, muito diferente do
enunciado é a proposição, tomada como conteúdo do enun-
ciado, o sentido que lhe é atribuído, ou seja, aquilo que cons-
truímos em nossa mente quando o interpretamos. Como su-
porte físico, o enunciado refere-se “a algo do mundo exterior,
de existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é
o seu significado; e suscita em nossa mente uma noção, ideia
ou conceito, que chamamos de significação”188. Apesar de am-
188. PAULO DE BARROS CARVALHO, Língua e linguagem (Apostila de Lógica Ju-

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