O 'direito' como objeto de estudo

AutorAurora Tomazini de Carvalho
Páginas111-148
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Capítulo II
O “DIREITO” COMO OBJETO DE ESTUDO
SUMÁRIO: 1. Sobre o conceito de “direito”; 2. Sobre a definição
do conceito de “direito”; 2.1. As definições; 2.2. Definição e di-
reito; 3. Problemas da palavra “direito”; 3.1. Ambiguidade; 3.2.
Vaguidade; 3.3. Carga emotiva; 4. Teorias sobre o direito; 4.1.
Jusnaturalismo; 4.2. Escola da Exegese; 4.3. Historicismo; 4.4. Re-
alismo Jurídico; 4.5. Positivismo; 4.6. Culturalismo Jurídico; 4.7.
Pós-positivismo; 5. Sobre o Constructivismo Lógico-Semântico;
6. O “direito” como nosso objeto de estudos; 7. Consequências
metodológicas deste recorte; 8. Método hermenêutico-analítico.
1. SOBRE O CONCEITO DE “DIREITO”
Antes de perguntarmo-nos: “que é direito?”, devemos ter
em mente que “direito” é uma palavra.
Com a mudança de paradigma do giro-linguístico, torna-se
inevitável abordar qualquer assunto sem pensar na linguagem,
pois não há essências nas coisas para serem descobertas, nem
verdades a serem reveladas. Vivemos num mundo de lingua-
gem, de modo que, sob este paradigma, aquilo que temos das
coisas são ideias, construções linguísticas existentes em função
dos nomes. Nestes termos, nada aprendemos sobre as coisas,
mas sim sobre o costume linguístico de um grupo de pessoas.
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AURORA TOMAZINI DE CARVALHO
Não conceituamos dados da experiência, conceituamos
termos. A relação da palavra com aquilo que ela significa para
nós parece natural, o que acarreta o erro de misturar a rea-
lidade, física com a linguística. Mas os vocábulos são símbo-
los, arbitrariamente convencionados, para serem associados
a outros símbolos. Não se relacionam ontologicamente com
os dados físicos que eles representam. Neste sentido, vale a
pena registrar a afirmação de MARTIN HEIDEGGER segun-
do o qual, “fazemos das palavras apenas sinais de designação
das coisas com as quais podemos dizer tudo, porque no fundo,
elas não dizem nada”.62
Entende-se por conceito a ideia do termo, sua significa-
ção, que permite a identificação de uma forma de uso da pala-
vra dentro de um contexto comunicacional.
A única coisa à qual temos acesso, na formação da ideia
de um vocábulo, é seu modo de estruturação dentro de certas
formações discursivas. Tendo em vista uma determinada for-
ma de utilização da palavra, nossa consciência a associa a um
significado, ou seja, a outros signos (ex: imagens, símbolos,
etc.), com esta atitude mental, construímos um juízo significa-
tivo (significação) em relação ao termo. É, por isso, que temos
o conceito como um critério de classificação e diferenciação
dos objetos. Algo é nominado de ‘x’ porque se enquadra na
ideia o de ‘x’, isto é, porque se associa à ideia (imagem, pala-
vra, ruído) vinculada ao termo.
Neste sentido, o conceito cria uma classe: a classe de uso
da palavra (x) e com ela a classe do seu não-uso (-x), denomi-
nada de contraconceito. Tudo que se enquadra no conceito
(ideia) de “x” é denominado de “x”, o que não se enquadra
de “não-x”.
62. Was Heißt denken?, p. 58, apud Manfredo Araújo de Oliveira, Reviravolta lin-
guístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 204.
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CURSO DE TEORIA GERAL DO DIREITO
O gráfico abaixo esclarece tal anotação:
Explicando: Todo conceito cria uma classe: a classe de
uso da palavra X e com ela o seu não uso –X. Tudo que se
enquadra na classe X é denominado de “X”. Tudo que não se
enquadra na classe X é denominado de “não X” (“-X” = con-
traconceito). A conotação é formada pelos critérios de uso da
palavra (aquilo que faz com que algo seja nominado de X). A
denotação é formada pelos elementos que se enquadram nos
critérios de uso da palavra.
Todo conceito tem função seletiva. A realidade intuída,
percebida, experimentada é infinitamente mais complexa do
que o conceito que a constitui como objeto intelectualmente
articulável e este, sempre mais pobre que os dados-físicos.
Isto se justifica pelo fato da linguagem não reproduzir o em-
pírico, que implicaria uma duplicação do domínio real, im-
possível quando trabalhamos no plano das ideias (conteúdos
de consciência).
Seguindo o paradigma do giro-linguístico, as palavras
não têm um único conceito, este varia em razão da sua forma
de uso. O termo “casa”, por exemplo, pode ser vinculado, na
língua portuguesa, ao signo “moradia” ou à expressão “bura-
co de botão”, dependendo de como é empregado na compo-
sição da frase ou do discurso. A ideia de “casa” modifica-se,
assim, conforme seu uso na linguagem.
-X
-X
-X

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