Os Direitos Fundamentais e as Finanças Públicas

AutorRicardo Lobo Torres
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (aposentado)
Páginas59-83
CAPÍTULO IV
Os Direitos Fundamentais e
as Finanças Públicas
I – INTRODUÇÃO
1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PODER FINANCEIRO
Os direitos fundamentais — ou direitos da liberdade, ou direitos na-
turais, ou direitos individuais — são os inerentes à pessoa humana e, por-
tanto, inalienáveis, imprescritíveis e preexistentes ao pacto constitucio-
nal. Estão catalogados, em enumeração não exaustiva, no art. 5º da CF
88, dispositivo de natureza meramente declaratória.
Alguns dos direitos fundamentais se abrem ao poder financeiro do
Estado. O livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art.
5º, XIII), que produz riqueza, pode ser objeto de tributação. Também o
direito de propriedade (art. 5º, XXII e XXIII), que deverá atender a sua
função social, suporta a incidência dos tributos. Mas essas liberdades são
ambivalentes: ao se autolimitarem, abrindo-se à tributação, criam tam-
bém limitações ao exercício do poder financeiro do Estado, que não as
poderá sufocar nem aniquilar.
Mas os outros direitos fundamentais são insuscetíveis de tributação.
2. AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBU-
TAR
O poder financeiro ou soberania financeira do Estado, pois, radica no
próprio art. 5º da CF, ou seja, no direito de propriedade. A soberania fi-
nanceira, que é do povo, transfere-se limitadamente ao Estado pelo con-
trato constitucional, permitindo-lhe tributar e gastar. Não é o Estado que
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se autolimita na Constituição, como querem os positivistas, senão que já
se constitui limitadamente, no espaço aberto pelo consentimento.
O tributo, por conseguinte, sendo embora o preço e a garantia da li-
berdade, já nasce limitado pela própria autolimitação da liberdade.
A CF, nos arts. 150 a 152, cuida das limitações ao poder de tributar.
São normas de caráter declaratório, que aparecem como contraponto fis-
cal da declaração de direitos do art. 5º. Todo esse capítulo versa a respei-
to da proteção da liberdade, nada tendo que ver com a justiça ou a utili-
dade.
As limitações constitucionais ao poder de tributar abrangem:
a) as imunidades (art. 150, itens IV, V e VI);
b) as proibições de privilégio odioso (arts. 150, II, 151 e 152);
c) as proibições de discriminação fiscal, que nem sempre aparecem
explicitamente no texto fundamental;
d) as garantias normativas ou princípios gerais ligados à segurança
dos direitos fundamentais, como sejam a legalidade, a irretroativida-
de, a anterioridade e a transparência (art. 150, I, III e §§ 5º e 6º), que
estudaremos no Capítulo V.
II – AS IMUNIDADES FISCAIS
3. HISTÓRICO
No Estado Patrimonial as imunidades fiscais eram forma de limita-
ção do poder da realeza e consistiam na impossibilidade absoluta de inci-
dência tributária sobre o senhorio e a Igreja, em homenagem a direitos
imemoriais preexistentes à organização estatal e à transferência do poder
fiscal daqueles estamentos para o Rei.
Com o advento do Estado Fiscal a mesma expressão “imunidade” ga-
nha novo conteúdo. É limitação absoluta do poder tributário, agora per-
tencente ao Estado e não mais ao Rei, ditada pelos direitos individuais
pré-constitucionais. Ingressa explicitamente na Constituição americana,
que proclama no art. 4º, seção 2 (1), que “os cidadãos de cada Estado se-
rão titulares de todos os privilégios e imunidades dos cidadãos de outros
Estados”; posteriormente a 14ª Emenda (1868) declara que nenhum Es-
tado pode prejudicar “os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Es-
tados Unidos”. No Brasil a imunidade, sob a inspiração americana, só
aparece na Constituição de 1891, por obra de Rui Barbosa.
Ricardo Lobo Torres
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