Os Princípios Gerais do Direito Financeiro

AutorRicardo Lobo Torres
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (aposentado)
Páginas85-128
CAPÍTULO V
Os Princípios Gerais do Direito Financeiro
I – INTRODUÇÃO
1. O CONCEITO DE PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO FINAN-
CEIRO
Os princípios do direito financeiro são os enunciados genéricos que
informam a criação, a interpretação e a aplicação das normas jurídicas fi-
nanceiras. No dizer de Miguel Reale (op. cit., p. 300): “Princípios gerais
de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicio-
nam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a
aplicação e interpretação, quer para a elaboração de novas normas”.
Os princípios financeiros aparecem em grande número na Constitui-
ção, principalmente no texto de 1988, muito rico em sua expressão prin-
cipiológica; o art 145, § 1º, e o art. 150, I e III, por exemplo, estampam
explicitamente os princípios da capacidade contributiva, da legalidade,
da irretroatividade e da anterioridade tributária, enquanto o art. 167
proclama diversos princípios fundamentais do orçamento (universalida-
de, não-afetação etc.). Outras vezes surgem diretamente no Código Tri-
butário ou na legislação infraconstitucional (ex. proibição de analogia —
art. 108, § 1º, do CTN). Podem também existir implicitamente no orde-
namento jurídico, sem dicção normativa, como acontece com o princípio
da proteção da confiança do contribuinte ou da boa-fé, sem que por isso
percam a sua eficácia.
Incluem-se também no tema ora estudado os conceitos de diretivas
e objetivos, que alguns escritores preferem utilizar (DWORKIN, op. cit.,
p. 22), eis que constituem o aspecto prático, voltado para a policy, dos
princípios financeiros. A mesma coisa pode ser dita sobre as normas pro-
gramáticas, que, segundo certa parte da doutrina, consubstanciam os
princípios financeiros dirigidos ao legislador.
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Os princípios gerais de direito financeiro podem ser classificados de
diferentes maneiras. Há princípios de criação (ex. legalidade, anteriori-
dade, irretroatividade, capacidade contributiva) e de interpretação e
complementação do direito (unidade, interpretação conforme a Consti-
tuição, proibição de analogia etc.). Alguns são princípios tributários (an-
terioridade, capacidade contributiva) e outros, orçamentários (não-afe-
tação, universalidade etc.). Preferimos classificá-los conforme estejam
vinculados a uma das ideias básicas do direito — justiça (e equidade) e
segurança jurídica — ou à própria legitimidade da ordem financeira.
Oferecemos adiante o quadro geral dos princípios do direito finan-
ceiro.
PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO FINANCEIRO
VALOR PRINCÍPIO SUBPRINCÍPIO
Economicidade Progressividade
Custo/benefício Proporcionalidade
Capacidade contributiva Personalização
Redistribuição de rendas Seletividade
JUSTIÇA Desenvolvimento econômico
Solidariedade
Territorialidade
País de destino
País de fonte
Non olet
Equidade entre regiões
EQUIDADE Equidade vertical no federalismo
Equidade entre gerações
Proibição de analogia Superlegalidade
Legalidade Reserva da lei
Tipicidade tributária Primado da lei
Clareza
Irretroatividade
Anterioridade
Anualidade
SEGURANÇA Proteção da confiança do contribuinte
JURÍDICA Irrevisibilidade do lançamento
Publicidade
Unidade do orçamento
Universalidade do orçamento
Exclusividade orçamentária
Não-afetação da receita
Especialidade do orçamento
Destinação pública do tributo
Equilíbrio orçamentário
Igualdade
Devido processo legal
LEGITIMIDADE Transparência fiscal
Responsabilidade fiscal
Ponderação
Razoabilidade
Ricardo Lobo Torres
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2. VALOR, PRINCÍPIO, SUBPRINCÍPIO E REGRAS
Os princípios, sendo enunciados genéricos que quase sempre se ex-
pressam em linguagem constitucional ou legal, estão a meio passo entre
os valores e as regras na escala da concretização do direito e com eles não
se confundem.
Os valores jurídicos são ideias inteiramente abstratas, supraconstitu-
cionais, que informam todo o ordenamento jurídico e que jamais se tra-
duzem em linguagem normativa. A justiça e a segurança ou paz jurídica
são as ideias básicas do Direito. De nada adiantaria a Constituição pro-
clamar que a República Federativa do Brasil é justa e segura, eis que tais
valores só se concretizam pelos princípios, subprincípios e regras que se
afirmam na prática constitucional.
Os princípios representam o primeiro estágio de concretização dos
valores jurídicos a que se vinculam. A justiça e a segurança jurídica come-
çam a adquirir concretude normativa e ganham expressão escrita. Mas os
princípios ainda comportam grau elevado de abstração e indeterminação.
Alguns se subordinam à ideia de justiça (capacidade contributiva, econo-
micidade etc.) e outros, à de segurança (legalidade, irretroatividade
etc.). Abrem-se para a ponderação, consequência da dimensão de peso
que possuem.
Os subprincípios vinculam-se diretamente aos princípios e se situam
na etapa seguinte da concretização dos valores. Já possuem maior con-
cretude e menor abstração que os princípios e aparecem quase sempre
por escrito no discurso da Constituição ou da lei. Mas ainda não criam
direitos e deveres para quem quer que seja. O princípio da capacidade
contributiva (art. 145, § 1º, da CF), por exemplo, vinculado à ideia de
justiça, tem a sua concretização aumentada através dos subprincípios da
progressividade (art. 153, § 2º, I), da seletividade (art. 153, § 3º, I, e art.
155, § 2º, III).
A regra jurídica — ou norma de direito, como preferem outros —
ocupa o lugar seguinte no processo de concretização do direito financei-
ro, subordinando-se sucessivamente ao subprincípio, ao princípio e ao
valor. Tem grau maior de concretude e pouca abstração e é atributiva de
direito e deveres. A regra de direito financeiro, como qualquer outra, é
geral, coercitiva, bilateral e se desdobra em hipótese e consequência, a
permitir a subsunção direta de casos específicos.
O grau máximo de concretude do direito financeiro surge quando o
juiz, pela sentença, reconhece e fixa os direitos e as obrigações das par-
tes, com o que realiza a justiça e garante a paz.
Curso de Direito Financeiro e Tributário
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