Interpretação e Complementação do Direito Financeiro

AutorRicardo Lobo Torres
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (aposentado)
Páginas139-164
CAPÍTULO VII
Interpretação e Complementação
do Direito Financeiro
I – INTRODUÇÃO
1. A HERMENÊUTICA
A interpretação do Direito Tributário foi considerada durante mui-
tos séculos como excepcional, a coincidir com as próprias normas fiscais,
que se afastariam do direito comum. Ora prevalecia o princípio do in du-
bio contra fiscum, ora o do in dubio pro fisco. Essas posições hoje estão
inteiramente superadas, da mesma forma que o direito fiscal já não pode
ser considerado excepcional.
A interpretação do Direito Financeiro é igual a qualquer outra, em-
bora possa conter algumas particularidades em decorrência da estrutura
de suas normas, mas não da especificidade dos seus métodos, posto que
até a interpretação econômica e a funcional se inserem na interpretação
teleológica presente em qualquer ramo do Direito. Assim, a sua interpre-
tação deve se fazer à luz das mesmas ideias e princípios que informam a
interpretação do Direito Civil, do Penal, do Constitucional etc.
Demais disso, a interpretação do Direito Tributário, junto com a in-
terpretação jurídica em geral, se insere no conjunto da atividade herme-
nêutica, ao lado da interpretação histórica, filológica, artística etc. Em-
bora incipiente, já se nota a influência da hermenêutica, desenvolvida
principalmente por Betti (op. cit.), e Gadamer (op. cit.), no campo do
Direito Tributário. A hermenêutica, como ciência do espírito, busca a
compreensão dos objetos culturais (lei, texto sagrado, partitura musical,
pintura, obra literária etc.), e nela a interpretação jurídica ocupa lugar
paradigmático.
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2. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO
A interpretação e a aplicação se integram e se co-implicam mutua-
mente. Coube a Gadamer (op. cit., p. 291), principalmente, integrar na
hermenêutica os momentos da compreensão, da interpretação e da apli-
cação: interpreta-se para aplicar, constituindo a aplicação, muito mais
que um momento posterior de concretização do genérico interpretado, a
própria compreensão da totalidade. Nem se aplica o Direito sem inter-
pretá-lo (a não ser em casos excepcionais de regras técnicas, como o sinal
de trânsito), nem se interpreta a norma sem aplicá-la, salvo em casos es-
pecialíssimos como o do controle da constitucionalidade in abstracto.
Essas ideias ingressaram, como não poderia deixar de acontecer, no
Direito Financeiro, e vieram mostrar a equivocidade das posições adota-
das pelo Código Tributário Nacional, que contraditoriamente separou a
interpretação da aplicação, colocando-as em capítulos diferentes (III e
IV do Título I do Livro Segundo) e depois diluiu a interpretação na apli-
cação (art. 118), ao cuidar da interpretação do fato gerador.
3. INTERPRETAÇÃO E NORMA
A interpretação jurídica está intimamente vinculada à norma inter-
pretada, compreendida a palavra norma na acepção geral que engloba a
regra e o princípio.
A interpretação depende, por um lado, do texto da norma. A herme-
nêutica filosófica recuperou-lhe a importância, ao insistir em que o intér-
prete não tem liberdade para dele se afastar, eis que se expõe à “coisa”
do texto. Mas como o próprio texto é aberto, recusa-se a postura servil
diante de sua letra, o que conduziria ao fechamento através da interpre-
tação gramatical ou histórica. Segue-se, daí, que a clareza do texto enfra-
quece a atividade do intérprete, embora não a elimine. Também nos ca-
sos de enumerações casuísticas, conceitos determinados e fatispécies ex-
clusivas a participação do intérprete se retrai. Sucede que a clareza do
texto da norma, com os seus conceitos determinados e enumerações ta-
xativas nem sempre é possível no Direito Tributário.
Mas a interpretação, embora se vincule ao texto da norma nele não
se deixa aprisionar, eis que o texto da norma não se confunde com a pró-
pria norma. Fundamental para a interpretação é a norma em sua estrutu-
ra, extensão, sentido e conteúdo. Interpretar nada mais é que dar norma-
tividade à Constituição e às leis, ou seja, concretizar, atualizar e tornar
eficazes as respectivas normas. Há muito tempo os juristas vêm afirman-
Ricardo Lobo Torres
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