Direitos humanos à alimentação adequada (DHAA) sob o enfoque da rotulagem

AutorAna Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti
Páginas51-80
CAPÍTULO 2
DIREITOS HUMANOS À ALIMENTAÇÃO
ADEQUADA (DHAA) SOB O ENFOQUE
DA ROTULAGEM
Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti
Doutora e Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC/SP. Professora do Mestrado em Direito da Sociedade da Informação
das Faculdades Metropolitanas Unidas- FMU e do Curso de Graduação em Direito
das Faculdades Metropolitanas Unidas- FMU. Membro da Comissão de Biodireito e
Biotecnologia da OAB/SP. Advogada e Palestrante.
Um dos grandes obstáculos ao planejamento de soluções adequadas ao problema da alimenta-
ção dos povos reside exatamente no pouco conhecimento que se tem do problema em conjun-
to, como um complexo de manifestações simultaneamente biológicas, econômicas e sociais.
Josué de Castro – Geograa da Fome 1984
Sumário: 2.1. Considerações iniciais – 2.2. Denições e histórico do Direito à Alimentação
– 2.3. Conceito de Alimentação adequada – 2.4. Segurança Alimentar e o Direito Humano à
Alimentação Adequada (DHAA); 2.4.1 Uso de biotecnologias para a produção de alimentos
e a segurança alimentar; 2.4.2. Discussões sobre os benefícios do uso de novas tecnologias
na alimentação, meio ambiente e na saúde humana – 2.5. Rotulagem de alimentos e o di-
reito à informação; 2.5.1. Rotulagem de alimentos transgênicos no direito brasileiro – 2.6.
Possíveis soluções para a oferta e rotulagem de alimentos na sociedade contemporânea e
da informação como forma de assegurar o Direito Humano à Alimentação Adequada – 2.7.
Referências Bibliográcas
2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O alimento é desde a antiguidade alvo de preocupação do homem, seja no aspecto
da oferta, seja no aspecto da qualidade e segurança do mesmo. Com a evolução da
sociedade e a concentração urbana, essa preocupação só cresceu.
Verif‌icamos que atualmente o direito à alimentação não é apenas o direito de
“matar” a fome, mas também de se nutrir, ter segurança na alimentação e possibili-
tar a manutenção da vida e da saúde de forma digna. Para que tais requisitos sejam
observados, é essencial a informação da composição dos alimentos, com o intuito
de que a pessoa saiba o que está sendo oferecido e possa decidir se tem interesse em
consumir aquele alimento ou não.
A questão da defesa do Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA e
da Segurança Alimentar e Nutricional não é recente, além de ser tema de interesse
global. São documentos internacionais essenciais para o estudo dessa matéria, a De-
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claração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (art. 25) e no Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 – PIDESC (art. 11). Além disso,
a ONU criou um órgão para tratar especif‌icamente deste assunto, a FAO (Food and
Agriculture Organization – criada em 1945 pela ONU).
Os DHAA são sempre violados quando a fome aparece e a pobreza e a margina-
lização se instauram. A desnutrição e a fome, além de causar alteração no desenvol-
vimento físico e intelectual, diminuem o desempenho educacional e laborativo das
pessoas, além de causar doenças.
Para que haja o exercício adequado do Direito Humano à Alimentação Adequada,
é necessária a existência de Políticas Públicas adequadas e que estejam relacionadas à
educação, agricultura, vigilância sanitária e saneamento básico, informação, erradi-
cação da pobreza, nutrição e segurança, dentre outras medidas. Assim, é importante
lembrar que é dever do Estado respeitar, proteger, promover, prover, informar, moni-
torar e f‌iscalizar a produção e a distribuição de alimentos com qualidade. E, devemos
sempre lembrar, quantidade não faz necessariamente a alimentação ser adequada.
Tanto a falta como o excesso são prejudiciais e privam o indivíduo de exercer o seu
direito à vida e à saúde de forma equilibrada.
No que tange à rotulagem, entendemos que a informação adequada de um
alimento possibilita que o indivíduo exerça seu direito de forma consciente. Além
disso, a rotulagem torna o alimento mais seguro, uma vez que a informação de que o
produto contém determinados ingredientes oferece à pessoa a oportunidade de não
consumir determinado alimento que pode lhe causar doenças ou riscos à sua vida.
Assim, dizemos claramente que a rotulagem é um direito de todo consumidor, fun-
damentado tanto no direito à informação como no direito à alimentação adequada,
segura e nutricionalmente equilibrada.
A fome1-2 é um grave problema social da humanidade.3 Calcula-se que os atuais
patamares de crescimento da produtividade agrícola são insuf‌icientes diante do
1. RECH, Elíbio. Revista Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento. Ano 2, n. 13, mar.-abr. 2000, disponível
em: [www.biotecnologia.com.br], ressaltou que “A biotecnologia não pode oferecer soluções imediatas
para resolver o problema da fome no mundo. Este é um problema gravíssimo, principalmente nos países
em desenvolvimento, e que já poderia ter sido solucionado, através de uma simples vontade política e hu-
manitária. Apesar de que estes interesses tenham sido antagônicos em nível prático até hoje. Entretanto, é
preciso entender que, como modelo viável de desenvolvimento, a utilização associada das chamadas novas
biotecnologias, como biotecnologia, a microeletrônica, os novos materiais, a automatização e a informação,
deverão formar a base sustentável do desenvolvimento em nosso planeta. Em relação à biotecnologia, es-
pecialmente quanto à manipulação da tecnologia do DNA recombinante, também denominada engenharia
genética, gostaria de exercitar um raciocínio: como produziremos alimentos suf‌icientes para uma população
duas vezes superior? Se hoje tentássemos aumentar cerca de 50% a produção dos nossos alimentos básicos,
provavelmente não conseguiríamos através do aumento de produtividade. Para tanto, e como uma opção
não viável, precisaríamos de uma expansão da fronteira agrícola de maneira intensiva, depredadora e de
massivas migrações, o que resultaria em impactos ainda mais deletérios à nossa biodiversidade”.
2. Ao tratar da questão da fome, Christopher D. Stone (Agriculture and environment: challenges for the new
millennium, Revista de Direito Ambiental, São Paulo, RT, n. 20, p. 12, out.-dez. 2000) questiona se, com o
crescente número da população, teremos alimentos suf‌icientes e com valor nutricional necessário para a
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