Doutor Furnicelli

AutorPedro Paulo Filho
Ocupação do AutorFormado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, foi o 1º presidente da 84ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil
Páginas283-287

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A figura pitoresca de um rábula foi narrada pelo professor Paulo José da Costa Jr., em uma de suas inúmeras obras.

"Aconteceu na década de 30. Não participei do episódio. Era muito menino. Muito menino mesmo - conta o jurista.

O episódio foi-me contado pelo Pedro Oliveira Ribeiro Neto, o príncipe de nossos poetas, responsável por esta obra notável que é o Museu de Arte Sacra, do qual é presidente. Foi no seu tempo (dele, Pedro) de outra presidência no Tribunal do Júri de São Paulo.

Um dia, chegou ele para presidir a uma das sessões. Deparou com o plenário repleto. Indagou a razão, pois sabia que nenhum caso importante iria ser decidido naquela sessão. Explicaram que o motivo era a presença do defensor, o senhor Furnicelli.

Furnicelli era um rábula que se tornou famoso no velho São Paulo. Nem provisionado era, pois os provisionados, apesar de não serem bacharéis, passavam por um exame. Furnicelli era simplesmente rábula. Um prático do Direito, que não havia estudado, que não havia se formado. Mesmo assim, naquela época, estava habilitado a defender.

O caso que ia a julgamento naquela tarde era um assalto. Autores: dois rapazes. Um de cor, outro não (naquele tempo, todos os crimes iam a júri). O rábula estava encarregado da defesa de ambos.

O promotor público Alves Motta pronunciou a acusação. Disse da simplicidade do caso. Não havia defesa possível. A legítima defesa

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não tinha cabimento, já que se tratava de um assalto. Também a perturbação dos sentidos (vigia então, em nosso Direito, como excludente de culpabilidade) não poderia ser invocada. O crime fora longamente premeditado. Desse modo, não sabia o que poderia a defesa alegar em seu benefício.

Furnicelli não aparteou. Ouviu atentamente a acusação. E fazia gestos profusos. Bem à italiana.

Com a palavra a defesa, principia em termos que vão com as devidas aspas:

‘Neste ambiente soleníssimo e suavíssimo do júri, quero prestar homenagem ao doutor promotor’.

O promotor, protegido pelo "Diário Oficial" aberto, não conseguia conter o riso. O rábula prosseguiu com o sotaque napolitano carregado.

"O promotor é bom, é bom homem. Mas se não é legítima defesa, nem perturbação, então o que é? Alguma coisa tem que haver para o réu", proclamava o defensor.

As gargalhadas espocavam no plenário. O Presidente tocou a campainha, sem resultado algum. A defesa ia adiante no seu linguajar ítalo-português:

"Sabem, o Diretor da Cadeia também é bom homem. É meu compadre. Pois ele tirou o...

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